A economia é uma ciência diferente das outras. Os químicos, os físicos, os engenheiros, podem montar laboratórios e repetir experiências quantas vezes quiserem, até conseguirem isolar com precisão o fenômeno que desejam estudar. E depois de entendido, o fenômeno pode ser expresso por uma fórmula matemática.
Mas a economia não pode fazer experiências em laboratório, já que seu objeto de estudo são as sociedades humanas. É preciso aproveitar as chances que o “mundo real” dá para comprovar uma ou outra teoria, sempre levando em conta as inúmeras variáveis envolvidas. E o resultado dificilmente poderá ser expresso por uma fórmula, porque o comportamento das pessoas não se baseia apenas na lógica matemática.
Por outro lado, as leis que regem a economia são muito mais simples do que as leis da química ou da física, e podem ser deduzidas apenas observando o comportamento humano. O problema é que as conclusões lógicas muitas vezes não agradam, e nosso cérebro gosta de substituir verdades desagradáveis por fantasias agradáveis. Assim, a economia acaba se tornando uma espécie de seita que fabrica ideias e obriga seus seguidores a aceitá-las como dogmas, decretando que duvidar deles é pecado mortal e leva o incrédulo ao inferno.
Um exemplo claro aconteceu recentemente nos Estados Unidos. Logo que assumiu, Trump prometeu reduzir impostos e simplificar regulamentos para estimular o crescimento econômico. Foi desmentido e até ridicularizado por todos os “fabricantes de dogmas”. Para eles, impostos devem ser altos para sustentar um estado grande (que segundo eles é quem produz riqueza e desenvolvimento) e para promover “distribuição de renda”, que é a crença de que governos usam o dinheiro dos ricos para ajudar os pobres. “O segundo escalão” da seita, composto principalmente de jornalistas que cumprem a tarefa de traduzir para o povo as palavras sagradas da elite (sempre escritas em economês erudito), explicou que a idéia de Trump serviria apenas para aumentar os lucros dos bilionários e fortalecer as grandes (e malvadas) corporações, às custas do sofrimento dos pobres. A questão das regulamentações seria, segundo a seita, uma tragédia que iria destruir o meio ambiente, aumentar a poluição, prejudicar o clima e expor consumidores indefesos à ganância sem fim dos empresários (até cansa escrever tantos clichês).
Até 2017, as alíquotas de imposto de renda para as empresas dos EUA eram de 35%, as maiores do chamado “primeiro mundo” e quase o mesmo que no Brasil (o que nunca é uma boa indicação). Trump reduziu o imposto para 21%. O imposto de renda das pessoas físicas também recebeu mudanças, simplificando procedimentos e facilitando deduções. Além disso, foi criado um agressivo programa de desburocratização, que em dois anos eliminou quase 30% das regulamentações estatais. Entre as regras impostas, para cada nova regra criada, duas antigas deveriam ser extintas, e para criar uma nova regulamentação era necessário demonstrar que os custos decorrentes de sua implantação não seriam maiores que os benefícios esperados.
(Um parêntese: essas regras só fazem sentido onde existe um governo minimamente sério. No Brasil, a regra do “dois por um” seria contornada juntando três ou quatro regulamentos e fingindo que são um só, como já é feito rotineiramente em nosso congresso; e a demonstração do custo-benefício seria apenas mais uma palhaçada em um país onde políticos e burocratas estão acostumados a dizer “vai ser assim porque eu quero e pronto”. Fim do parêntese)
Três anos depois, qual o resultado da política de Trump?
Segundo os dados oficiais do Bureau of Labor Statistics, órgão do governo federal, a mediana da renda das famílias americanas, que havia subido apenas 0,4% entre 1999 e 2016, subiu 6,8% apenas em 2018 (em termos reais, descontada a inflação). Vejam o gráfico abaixo:
Entre 1999 e 2016, o valor oscila entre 320 e 350 dólares por semana. Em 2018, dispara para 390. Adicionalmente, o índice de desemprego ficou abaixo de 4% pela primeira vez desde o início da década de 1970! Outro dado importante: a renda média dos 20% mais pobres subiu mais do que a dos 20% mais ricos.
Qualquer pessoa bem intencionada que veja os números da economia americana dirá que eles confirmam um conceito óbvio: menos impostos significam mais riqueza na mão das pessoas. Já as pessoas mal intencionadas repetirão os velhos dogmas, que são até difíceis de analisar, já que, como dogmas, não precisam fazer sentido.
Em termos bem gerais, o dogma vê a economia moderna como se ainda vivêssemos no século 18: o empresário (muitas vezes chamado “dono dos meios de produção”) é um bilionário malvado que usa fraque, cartola e uma corrente de ouro atravessada na barriga. O empregado é um coitado que ganha apenas as migalhas necessárias para não morrer de fome. A empresa paga o salário mais baixo possível, e se o empregado reclamar é demitido e substituído por outro, já que são todos iguais. E toda empresa é uma “linha de montagem” igual à do filme Tempos Modernos, do Chaplin, onde a única tarefa é apertar parafusos.
Mesmo deixando de lado a ofensiva e preconceituosa afirmação de que “todos os funcionários são iguais”, o fato é que este modo de pensar é apenas uma fantasia sem sentido. O empregado que não pensa e apenas “vende sua força de trabalho” já foi substituído por máquinas faz tempo (para maior raiva dos dogmáticos). No mundo moderno, empresas precisam de eficiência, produtividade, inovação; precisam de funcionários que pensem melhor que os outros, exatamente o oposto do estereótipo do “funcionário peão”. Toda empresa digna desse nome compete com as outras em busca dos melhores funcionários. É por isso, por exemplo, que mais de 80% dos empregados com “carteira assinada” no Brasil ganham mais do que o salário mínimo.
Claro que existem os que não são bons para nada, aqueles que, quando estão em um emprego, seu patrão não vê a hora de substituir. Esse grupo é o público padrão dos pregadores do dogma do capitalismo malvado. E claro que no Brasil existem muitas empresas que não se preocupam em ter bons funcionários, porque o governo garante a sua reserva de mercado, e seus clientes, sendo bem ou mal atendidos, não têm escolha.
Já foi dito que “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”. O brasileiro ouve tanto isso, desde criança, que acredita piamente que aumentar impostos é a solução para todos os problemas. Exemplos como o dos EUA de Trump são ignorados ou até ironizados.
No início deste ano, a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne todos os chamados “países desenvolvidos”, publicou um estudo sobre os impostos cobrados das empresas em 108 países diferentes. Nenhuma surpresa: dos 108, o Brasil está em quarto, atrás apenas da Índia, Malta e Congo. Todos os países membros da OCDE taxam menos suas empresas que o Brasil. E todos os países do “top 10” ou “top 20” dos maiores impostos são pobres.
Os dados estão aí, para quem quiser ver e entender. Mas a maioria dos brasileiros, incluindo nosso ministro da fazenda, prefere acreditar que só falta cobrarmos imposto sobre fortunas, imposto sobre herança e imposto sobre dividendos para virarmos uma mistura de Dubai com Suíça.