XICO COM X, BIZERRA COM I

FÁBULA DE UM TRÁGICO MATRIMÔNIO COM FINAL POUCO FELIZ

No casamento do gato cor de rosa com a gatinha azul a capela estava lotada. Na primeira fila, o rei do mato, seu Leão, e amigos próximos do casal. Na mesma cerimônia haveria o casamento da Raposa Felpuda. Por isso, aquela chuvinha fina sob um sol inclemente. Claro que os casamentos desses bichos acontecem independentemente dos sóis e chuvas, mas, por tradição, já se esperava esse contraste da natureza: afinal, aconteceria o casamento da Raposa.

A RATINHA FOGOSA

Eis que na calçada da Igreja, bem na hora da marcha nupcial, passou uma Ratinha cinzenta, cor de rato, rebolativa e fogosa, que, de pronto, desconcentrou o Gato casadoiro e tornou solitária e triste a agora não-mais-azul Gatinha. A chuva intensificou-se e o sol, teimoso, permaneceu acima de todos. O felino, soube-se, foi morar na floresta vizinha; a Gatinha emudeceu, não mais sorri, desaprendeu a miar. Da Ratinha, não se teve mais notícias … Nunca mais alguém viu seu rebolado nas calçadas das capelas. Seu Raposo e sua amada vivem felizes, porteiros-guardiões do galinheiro do lugar.

MORAL DA HISTÓRIA

A moral da história, que deve estar contida nas fábulas, fica por conta de cada um que lê-la.

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VIVA A VIDA

Na delícia de uma manhã de sol, em plena lavagem do peritônio com o mais precioso dos líquidos (e nem me importa a marca), ocorreu-me a saudade do tempo em que eu não exercia a vagabundagem plena e irrestrita que hoje exerço, depois de longos anos dedicados ao trabalho. Hoje, ocupando-me apenas em fazer música e a escrever as besteiragens e baboseiras que escrevo, cuido também de fazer a minha parte na tentativa de construção de um mundo melhor, conquanto utópico.

PAZ E BEM!

Faço minha parte. Modestamente, vivo a adubar perdões em mares tantos que sinto nos Sertões de sol muito. Tento distribuir sementes de paz onde enxergo desertos de alegrias e secas de afetos, venturas esteadas em terras de poucas luas e nenhum baião. Quando olho para o céu e mesmo não vendo estrelas, sei que elas estão lá, não obstante o nublar, e que em breve enfeitarão o firmamento. Da esperança, não lhe solto as mãos.

VALEU A PENA!

A consciência tranquila permite-me um sono reparador, sonhos bons, cabeça no travesseiro de plumas leves da certeza do dever cumprido. E não posso esquecer as calçadas altas e as veredas escuras e estreitas que tive que enfrentar para chegar onde cheguei. Valeu a pena! Sou feliz com a construção do bem que consegui realizar, com a família que tenho e com os amigos que tive a sorte de conquistar e isto vale mais que qualquer benesse material. Resta-me gritar: Viva a Vida!

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MEUS INTERIORES

Em meu interior, bem distante e íntimo, escondo-me dos maus e das maldades destes. A porteira, sempre aberta, deixa passar apenas os sonhos ainda não vividos e a vida por sonhar. No alpendre, além do balanço da rede e de um bom livro, repousa a conversa com os amigos, proprietários das sãs palavras, afagos e carinhos. Percorro as veredas do meu eu e me reencontro nos largos corredores comigo às seis da tarde, ao som da Ave-Maria na sanfona bonita de Gonzaga. Os segredos e desgostos, joguei-os todos no cacimbão do quintal e sorri feliz quando percebi o espelho das águas se desfazer, por instantes, para depois voltar ao normal, proporcionando-me a delícia da água limpa e pura que só os cacimbões da paz podem produzir. Meu interior tem o mato onde mato a minha sede e encontro a felicidade, rara, e por isso tão desejada. Lá, muito pouco ou quase nada me faz falta e nem preciso de capital ou da Capital para ser feliz. Basta-me o cheiro bom da terra. Quando molhada, quanto melhor. Que o silêncio do Acauã permaneça anunciando a chuva por vir.

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PEQUENAS COISAS DE QUE NÃO GOSTO – Parte 2

Continuando a lista de coisas que não me deixam feliz e que, exatamente por isso, por elas nutro a maior antipatia:

– Síndico autoritário e incompetente que deixa de me desejar bom dia, ao encontrar-me no elevador, pelo simples fato de eu ter discordado de suas pretensões de interesse pessoal na última reunião do condomínio;

– De terno e gravata. Usei durante 25 anos por força de minhas atribuições funcionais. Era exigência do Banco Central, quando em missão externa encontrava-me. Hoje, não mais uso ternos: prefiro usar ternuras;

QUADROS E VIZINHOS

– Quadros em desalinho na parede em relação ao chão, ao teto ou a outros quadros. Não suporto assim vê-los. O artista que os pintou não merece tê-los em desalinho. Sou defensor do prumo;

– Vizinho chato e fazedor de zoada ou que tenha filho com vocação e desejo de um dia ser baterista e para isso esteja fazendo aulas práticas em casa, nos horários menos apropriados;

– Da companhia do espelho na segunda-feira de manhã, depois de um fim-de-semana de comemorações e ‘beberagens’. Olhar-me de ressaca reflete uma imagem que não me agrada vê-la. Espelho, espelho meu …;

DOR DE BARRIGA E PREGUIÇA

– Dor de barriga na hora errada e vontade de fazer xixi, quando à espera de um elevador preguiçoso, em viagem longa até o 9° andar, que não se importa com as necessidades do passageiro ‘apertado’;

– Acordar de madrugada com uma boa ideia na cabeça e com preguiça tamanha que não permita o levantar-se para registrá-la. Dia seguinte, bem feito para mim, a ideia foi passear na cabeça de outra pessoa.

Basta! É muita infelicidade junta numa só crônica. Melhor falar de coisas boas, que me deixem feliz. Aliás, como sempre tento fazer em meus escritos e músicas.

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O INADIÁVEL CARINHO DE UM NETO

É inerente ao ser humano o comodismo de adiar. Mas algumas coisas não devem ser adiadas e não há quem me faça adiá-las: alegrias, sorrisos, abraços, por exemplo, não podem ficar para depois. Muito menos guardados, a não ser no lado de dentro do peito.

NO ADIAR, SOU MESTRE

Eu sou Mestre em adiamentos. Quantas vezes já adiei a ida ao médico porque a dor diminuiu. Outras vezes tantas deixei para outro dia a visita à farmácia para comprar aquele medicamento receitado pela dermatologista. O deixar de fumar adiei diversas vezes, quase tantas quanto posterguei o início daquele regime que só fazia ressaltar em mim o maldito ‘efeito sanfona’. No dia de aparar a barba eu sempre encontro razões e motivos para deixar para o dia seguinte. Outro adiamento que se repete ano após ano é o de dar início a declaração do imposto de renda: juntar a papelada, buscar a calculadora e começar a sessão de tortura. Normalmente fica para a última semana antes do prazo fatal. Fazer o que? O leão é voraz e não aceita desculpas.

BEIJO, SORRISO E ABRAÇO

Agora tem uma coisa que nunca adio: o encontro com três menininhos lindos que me chamam de Vovô. Aí para encontrá-los eu deixo para trás até o jogo do Sport que está passando na TV. Um beijo de Bê, um sorriso de Vini e um abraço de Léo valem mais que um gol de Wagner Love ou uma taça a duras penas conquistada. Muito mais. Troféu sem comparação.

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FAZER POESIA NÃO É SER POETA ou ESSE TAL DE GPT

Com a luxuosa ilustração de Thiago Lucas, esse sim, um gênio do Jornal do Commercio de Recife

A moda agora é discutir o progresso tecnológico com o advento do chat GPT 4.0, ‘gênio’ da criatividade literária, poética, fotográfica, científica e até musical. Basta que lhe sejam oferecidas algumas informações e o tal do chat desenvolverá teses científicas, escreverá crônicas e novelas, fará poesia e comporá músicas. A um simples toque. Talvez ultrapassado, preocupo-me muito mais com o retrocesso da inteligência natural do que com o avanço da inteligência artificial.

E OS ABRAÇOS?

Com a máquina assumindo nosso lugar acabar-se-ão os abraços, os afagos, os carinhos? Deus me defenda de receber um cafuné de um note book ou um beijo de um computador. Lembro do meu tempo de menino, rapazola, recorrendo ao Caldas Aulete e à Enciclopédia Britânica para fazer tarefas escolares. Hoje não, tudo está à mão, sobre a mesa, numa tela feia e fria. Sem contar as centenas de ‘influenciadores’ inventados pela grande mídia das redes sociais. No tempo do eu menino meus grandes influenciadores eram meu pai e meu avô, que me davam exemplos de correção na vida.

SUBMUNDO DO BBB

Hoje, qualquer Gil do Vigor ou Juliette, saídos do submundo de um tal de BBB, escrevendo saudade com cê cedilha, faturam milhões às custas de outros tão inúteis quanto eles, uns um pouco mais idiotas, outros um pouco mais imbecis. Modestamente, vou seguir escrevendo minhas besteiragens, fazendo poesia e música sem recorrer ao Satanás virtual que se achegou, certo de que continuarei Poeta, o que esse GPT jamais será: no máximo, fará ‘poesia’, sem o sentimento humano, sem coração, sem a ternura e a bem-querença que os parafusos e chips desconhecem. Será sempre apenas uma máquina. Sabida, talvez, insensível, com certeza.

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VAI DAR NAMORO …

A última vez que me vi eu estava meio desarrumado. Tinha acabado de chegar de Gravatá, cansado da viagem (afinal de contas faz tempo que fiz 20 anos), cabelos em desalinho, olheiras, dores espalhadas do cangote ao mocotó. Atribuir a culpa ao tempo não é apenas uma desculpa: o tempo, sim, é o árbitro da vida, juiz determinante de tudo o que acontece no nosso corpo, na nossa vida. Apenas isto. O tempo cumpre, sisudo e inflexível, sua missão administrando o relógio de areia, sua inexorável ampulheta. Um banho era a alternativa para a desejada reanimação de um homem baqueado. E assim foi, não sem antes dar uma bicada na cachacinha com caju na garrafa que meu parceiro/amigo Leninho de Bodocó me mandou lá das terras próximas ao Exu.

O DOUTOR RECOMENDOU

Por recomendação médica, sei que é salutar uma cachacinha antes do banho. Obediente que sou, assim procedi: enrolei a toalha no pescoço, eram 9 da manhã, fui ouvir o xará Buarque de Holanda e lá pras 5 da tarde chegou a hora de tomar meu banho. A garrafa estava quase seca. O doutor não pode reclamar: segui à risca sua orientação e bebi apenas antes do banho. Corpo são, cachaça longe, cheiro botado, homem refeito.

QUASE NOIVOS, CASAMENTO À VISTA …

Dia seguinte, recuperado – graças ao chuveiro e à água-benta ingerida, voltei a Gravatá, com muita saudade de minha pata-de-elefante, teimosa, que vive a cortejar o pé de manacá de minha mulher, florado à sua frente. Acho que, mais dia, menos dia, vai dar namoro. Se é que já não deu. Sei lá! O luar de Gravatá é parceiro do amor e alcoviteiro juramentado …

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MAGAREFE ou SANTA CRUZ?

Por falta de coisa melhor a fazer perdi um pouco do meu tempo assistindo Santa Cruz e Íbis, pela TV. Lembrei-me dos clássicos cratenses: o SPORT DO CRATO tinha Chico Curto, Pangaré e Fruta Pão. Anduiá era o craque do MAGAREFE. Era o Fla x Flu do Cariri cearense quando os dois times se encontravam. Naquele tempo jogador de futebol era apenas jogador de futebol. Não tinham tatuagens nem cabelos descoloridos. Ganhavam pouco ou quase nada e o amor ao esporte era a pílula incentivadora dos atletas.

BOATES EUROPÉIAS

Quase todos morreram pobres, alguns nas calçadas dos cabarés cratenses, sem que se tenha notícias de estupros por eles praticados em boates luxuosas da Europa. Outros, após aposentadoria nos campos de futebol, tentaram, sem sucesso, a via artística cantando nos bares e boates da ‘zona’. Bons tempos em que cada gol era comemorado com alegria por todos nós, à época adolescentes, sonhando um dia ser um deles. Mesmo com a poeira subindo no campo de terra batida do Seminário, suficiente para abastecer de impurezas todos os nossos jovens pulmões, sonhávamos com a bola. A vida e o destino não permitiram fazer do sonho uma verdade: nunca vestimos aquelas camisas. Restou a saudade, abraçada com a lembrança dos craques de então.

CAMPEONATO DE PELADAS

No jogo daqui deu pena ver o tricolor do Arruda. Não torço para que o Santinha dispute um campeonato de peladas contra Buchudinhos de Areias ou o Papudinhos do Curado, mas tanto o SPORT DO CRATO como o MAGAREFE daquela época eram melhores que o Santa Cruz de hoje. Dava gosto vê-los jogar, apenas por amor ao ofício. E sem ninguém fora do campo atrapalhando.

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UM ESTÚDIO, MIL SORRISOS

Adoro um estúdio de música. Encontrar-me nesse ambiente com arranjadores, músicos de altíssima qualidade e técnico de gravação da melhor estirpe emociona-me. Mal comparando, ou comparando bem, é tão prazeroso quanto o melhor dos manjares, quando a fome aperta ou a uma boa cama, quando se é assediado pelo maior dos sonos. Aliado ao prazer implícito de estar nesse ambiente musical, deparei-me com a agradável tarefa a mim atribuída por amigo querido, morador do meu peito, de produzir musicalmente uma música de sua autoria, dando-me liberdade e autonomia de fazê-lo, da escolha dos músicos à concepção do arranjo, tarefa que confiei a um outro amigo dileto.

Senti-me o próprio Produtor ‘tampa de crush’. Diante de tamanha liberdade, providenciei o casamento inédito de um violoncelo com a sanfona numa ciranda, com o piano na base e o baixo fazendo a devida marcação. Além disso, a indispensável participação percussiva, que deve estar contida numa cantiga à beira do mar. Depois disso tudo, de algumas horas de estúdio e de vais-e-vens próprios de uma produção musical, eis que chegamos ao resultado final: uma bela ciranda, magistralmente interpretada por uma grande cantora da cena local, resultado que, por dever de ofício e em homenagem aos participantes, registro os participantes:

MÚSICA: GOSTO DE SAL; Autores: Paulo Carvalho e Cristiane Quintas; Arranjo e Piano: George Aragão; Músicos: Fabiano Menezes, Luizinho de Serra, Caca Barreto, Samuka; Voz: Leda Dias. Gravado, Mixado e Masterizado no Estúdio Gusdel por Délbert Lins.

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Todos os Livros e a maioria dos Discos de autoria de XICO BIZERRA estão à disposição para compra através do email xicobizerra@forroboxote.com.br. Quem preferir, grande parte dos CDs está disponível nas plataformas digitais. 

Nossos CDs estão nas plataformas virtuais e, em formato físico, na Loja Passadisco do Recife.

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SONHOS BONS DE SONHAR

Fernando Pessoa tinha em si todos os sonhos do mundo. Eu, não os tenho. Sonho alguns, apenas. Anteontem sonhei com meu pai. Ontem, com minha mãe. Esta noite, com Gina, irmã mais velha, que me deixou azunhado o rosto apenas por não lhe ter permitido andar no meu velocípede. Por que será que tenho sonhado tanto com gente querida que já se foi? A que se deve essa recorrência temática do sonhar? Estariam a convidar-me à indesejada viagem? Ou seria, de minha parte, um desejo inconsciente do reencontro? (Freud, onde estás?). Por favor, esperem um pouco. Ainda preciso levar Bernardo para conhecer a Ilha do Retiro, ouvir Vinícius zuadando o mundo com sua bateria e deliciar-me com Leonardo cantarolando, em alto e bom som, uma cantiga do avô. Tenham paciência. É cedo. Deixem a vida cuidar de seu curso, como se rio fosse. De preferência, lentamente, sem qualquer pressa, aguando com boa água seu leito e margens. Os bons rios assim o fazem. Sei que o outro lado, a julgar pelos que lá estão morando, deve ser muito bom, mas, por enquanto, dou preferência ao balanço bom de minha redinha, do lado de cá. No tempo certo a gente se encontra.

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