CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

CENTRAL DO BRASIL (1998) – UMA OBRA-PRIMA DO CINEMA NACIONAL

Cartaz do filme no Brasil

Em Central do Brasil, a professora Dora (Fernanda Montenegro) trabalha escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Ainda que a escrivã não envie todas as cartas que escreve, guardando-as no baú da pensão – as cartas que considera inúteis ou fantasiosas demais -, ela decide ajudar um menino Josué (Vinícius de Oliveira), após sua mãe ser atropelada, a tentar encontrar o pai que nunca conheceu, no interior do Nordeste.

O filme está entre as produções brasileiras que obtiveram maior repercussão pelo mundo afora. Dirigido pelo cineasta Walter Salles (de Abril Despedaçado, Diários de Motocicleta e Na Estrada), o feito do filme pode ser igualado ao mesmo de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, ou de Tropa de Elite um e dois, de José Padilha. Fernanda Montenegro, que encarna Dora, a protagonista da história, fez história ao tornar-se a primeira (e única) atriz brasileira a receber uma indicação ao Oscar, concorrendo naquele ano com atrizes de peso como Emily Watson, Meryl Streep, Cate Blanchett e Gwyneth Paltrow, que acabou ficando com o prêmio. Uma lástima. O próprio filme também concorreu a estatueta de melhor produção estrangeira, mas acabou perdendo para o italiano A Vida é Bela. Água com açúcar.

De qualquer forma, a força de Central do Brasil fala mais alto que seu legado, especialmente ao retratar com tamanha fidelidade uma realidade que rodeia o povo brasileiro todos os dias. E é curioso que nosso país, ainda hoje enfrentando diversos problemas envolvendo pobreza, infraestrutura e analfabetismo, tenha uma imagem tão contrária no exterior, a de que somos um povo que vive em festejos e alegria. Sim, somos, mas por trás de tudo isto ainda existe um quadro depressivo e desolador no que se refere aos menos afortunados.

Dora (Fernanda Montenegro) é uma senhora de idade que trabalha escrevendo cartas para analfabetos na Central do Brasil. Um dia ela conhece Ana (Soia Lira) e seu filho Josué (Vinícius de Oliveira), e após um acidente fatídico que acaba tirando a vida de Ana, Dora acaba ficando com o garoto, mesmo a contragosto. Como o garoto não possui nenhum parente na cidade, Dora decide leva-lo para o interior, onde vive o pai do garoto, o qual este nunca teve a oportunidade de conhecer. Durante uma viagem pelo interior do Nordeste, ambos acabam se aproximando e formando um forte laço de amizade.

Como qualquer outro filme de Walter Salles, Central do Brasil é um filme de paisagens áridas e hipnotizantes, capturadas de tal forma pela câmera do diretor que o clima de solidão parece exalar para além da tela. Méritos para a fotografia de Walter Carvalho, que cria contrastes belíssimos entre as paisagens, trazendo um ar quase caseiro ao filme, mas que auxilia na convicção dos espaços onde a trama se situa.

O roteiro de Marcos Berstein e João Emanuel Carneiro evita estereótipos e mostra o povo brasileiro como ele é, ou apenas como qualquer ser humano é: cada um com seus próprios limites morais, seus dramas, suas angústias e seus desejos. A narrativa é bastante centrada na relação entre Dora e Josué, e em como estas duas figuras ainda desconhecidas uma para outra começam a se aproximar de forma inesperada. Curioso é perceber como Dora encaminha Josué por limites morais que ela mesma não segue em sua vida, devido a própria semelhança de sua história de vida com a história do garoto, como num esforço de oferecer para alguém semelhante as oportunidades e ensinamentos que a própria não recebeu. É uma relação complexa, mas tratada com bastante simplicidade pelo roteiro, o que é um dos pontos altos da fita. Cada momentos em que sentimos uma maior aproximação entre Dora e Josué gera uma emoção genuína.

E o elenco não faz por menos. Revisitar Central do Brasil nos dias de hoje é atestar, mais uma vez, de que Fernanda Montenegro é, de longe, a melhor atriz que o nosso cinema já teve. Sua atuação como a sofrida Dora é impecável, rica em sutilezas e detalhes, onde a atriz consegue dizer muito através de seus olhares e expressões tristes, duras, típicas de alguém que já apanhou bastante da vida. A emoção parece perscrutar não apenas o rosto da atriz, mas também os próprios sentimentos do espectador. E qual não foi a injustiça quando a atriz acabou não levando a estatueta naquele ano?

Vinícius de Oliveira, que interpreta Josué, também se sai surpreendentemente convincente para um ator mirim ainda em início de carreira, distanciando-se de qualquer artificialismo que pudesse torná-lo numa presença irritante. E reza a lenda que o diretor Waltinho Salles encontrou Vinícius na Estação Central do Rio de Janeiro enquanto trabalhava engraxando sapatos e que já havia testado mais de mil e quinhentas crianças para o papel que soubesse Josué, o que apenas acentua o fascínio pela própria história do filme.

Ao final, temos o desfecho iminente que se anunciava durante a jornada dos personagens. Fica a dor, a saudade, mas também a certeza que aquelas duas figuras ensinaram mais uma à outra do que qualquer outra pessoa poderia ter feito em suas vidas. Ambos retornariam para suas vidas, mas ela jamais seria a mesma. E pra finalizar, reescrevo aqui as tocantes palavras de despedida de Dora: “O dia que você quiser se lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso por que tenho medo de que um dia você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo.”

E como desfecho apoteótico do filme é a sua música tema: Central do Brasil, composta magistralmente por Antonio Pinto, filho do genial cartunista Ziraldo, e Jaques Morelenbaum, Central do Brasil, o filme, é um clássico.

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O HOMEM QUE NÃO VENDEU SUA ALMA (1966) – UM CLÁSSICO DO DIRETOR FRED SINNEMAM

Capa da edição brasileira do filme

Na Inglaterra do século XVI, Henrique VIII (Robert Shaw) planejava se separar de sua primeira esposa para se casar com a fogosa (e bota fogosa nisso!!) Rainha Ana Bolena (Vanessa Redgrave), mas não recebe a aprovação de Thomas Morus (Paul Scofield), numa atuação soberba, impagável, um fervoroso católico que se tornou “Lord Chanceler”, um altíssimo posto que ele preferiu renunciar do que trair suas convicções. Entretanto, a importância de Sir. Thomas Morus era tão grande à época que mesmo após sua renúncia o rei continuava a lhe perseguir. Até que surgem “provas” que o incriminam como alta traição, um “crime” punido com a morte, sendo decapitado na Torre de Londres no dia 6 de julho de 1535, “antes das nove horas.”

(A MAN FOR ALL SEASONS (1966), ou O Homem Que Não Vendeu Sua Alma, é o primeiro de dois filmes em que o diretor Fred Zinnemann e a atriz Vanessa Redgrave trabalharam juntos. O posterior foi Julia de (1977). O ator Paul Scofield recebeu o Oscar de melhor ator pela atuação primorosa, mas não compareceu à cerimônia de entrega por ser avesso a comemorações. Com isso, sua estatueta de melhor ator foi recebida por Wendy Hiller, sua companheira de elenco. O orçamento do filme foi de US$ 3,9 milhões. Teve a sua refilmagem em (1988) com o mesmo título pelo ator e diretor Charlton Heston, que já havia trabalhado como ator principal em grandes clássicos do gênero, como Os Dez Mandamentos (1956), Bem-Hur (1959), O Planeta dos Macacos (1968), dentre outros. O homem que não vendeu sua alma ganhou nova versão e não decepcionou.

Como era de se esperar, um filme com esse objetivo e, ainda por cima, baseado diretamente em uma peça de teatro que seu próprio autor, Robert Bolt, transformou em roteiro cinematográfico, simplesmente não poderia primar pela ação no sentido mais esperado da palavra. Ela inexiste aqui e tudo, absolutamente tudo, recai no colo do incomparável trabalho dramático de Paul Scofield, no papel principal.

O ator, que começou sua vida artística no teatro, onde permaneceu focado praticamente a vida inteira, apesar de ter também aparecido em alguns filmes, viveu Thomas Morus na peça de Bolt tanto no West End de Londres, área da Região centro de Londres, Inglaterra, onde contém muitas atrações turísticas, quanto na Broadway, em Nova York. E foi a escolha do diretor Fred Zinnemann para viver o papel também nas telonas. No entanto, a produtora considerou que Paul Scofield não tinha nome para atrair audiência para o filme, com Richard Burton e Laurence Olivier sendo considerados para o papel. No entanto, o cineasta insistiu em sua escolha, brigou, ajudado por Bolt, especialmente depois que ele havia levado para casa o Tony de melhor ator justamente por seu trabalho na Broadway como Morus, em 1962.

Essa escolha foi extremamente acertada pelo diretor Fred Zinnemann. Paul Scofield interpretou Thomas Morus com um vigor impressionante, demonstrando com olhares, gestos e pequenos trejeitos corporais uma latitude dramática que vai da alegria em ver sua esposa no final de um dia estafante, passando pela surpresa e leve – mas elegante – desgosto em ver sua filha com um pretendente luterano e pelo encontro com seu amigo e rei nos jardins de sua moradia, até a veemente negativa em endossar o posicionamento do rei sobre o divórcio e novo casamento sem a benção do Papa.

O diretor Fred Zinnemann, por seu turno, não perde a oportunidade de manter sua câmera sempre parada e mirada no rosto de Paul Scofield em toda sua intensidade e profunda inteligência, construindo um personagem espetacular logo nos primeiros minutos da projeção, quando demonstra muito claramente sua integridade primeiro como advogado e, depois, como chanceler real.

O trabalho do ator Paul Scofield em O Homem Que Não Vendeu Sua Alma é um dos mais impressionantes trabalhos dramáticos da Sétima Arte, transformando um filme que é quase que completamente um teatro filmado e que, portanto, pode facilmente descambar para a monotonia, em uma obra realmente inesquecível, daqueles em que cada cena com a presença de Paul Scofield é um momento de se aplaudir. Sua presença é tão magnética e profunda, aliás, que todo o restante do elenco desaparece, até mesmo a espalhafatosa ponta de Robert Shaw como Henrique VIII e a assustadora aparição do imponente Orson Welles como o Cardeal Wolsey. Mesmo os atores que tem mais presença de tela, como John Hurt como Richard Rich e Leo MCKern como Thomas Cromwell, por melhor que sejam os atores – e são mesmo excelentes – mínguam diante de Paul Scofield e a retitude moral e ética de Morus.

A equipe técnica que cuidou de O Homem que Não Vendeu sua Alma também não decepcionou. Figurinos corretamente suntuosos vestem o elenco que passeia por cenários em locação e alguns poucos construídos especialmente para o filme que se funde em um conjunto harmônico preciso que muito corretamente não tem nenhuma intenção de chamar atenção para si mesmo, deixando todo o espaço para que Paul Scofield e o restante do elenco brilharem como devem brilhar. A fotografia de Ted Moore, conhecido por seu trabalho na franquia 007, faz as cores ressaltarem da mesma maneira que ele as suga na medida em que o drama de Morus se torna cada vez mais sem saída, algo que a equipe de maquiagem e cabelo se esmera também em apontar.

Retratando um dos mais significativos momentos da história britânica sob o ponto de vista de um grande homem, o filme O Homem Que Não Vendeu Sua Alma é ao mesmo tempo uma aula de dramaturgia e cinema e de estadismo em sua forma mais pura. Todo político ou pretendente a político deveria no mínimo ser obrigado a absorver as lições que o Morus de Scofield passa aqui (já que pedir que estudem Thomas Morus talvez seja demais). O mundo político com certeza seria melhor mesmo se apenas um décimo da moralidade e honestidade do personagem fossem internalizadas.

O Homem Que Não Vendeu Sua Alma é uma grande lição de moral e ética que o diretor Fred Zinnemann nos deixou como legado.

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DJANGO (1966) – UMA OBRA-PRIMA DO GÊNERO SPAGHETTI WESTERN

A republicação dessa crônica western spaghetti é uma homenagem ao mestre de Balneário do Camboriú (SC), D.Matt., comentarista magno do Jornal da Besta Fubana, encantado no dia 22 de maio de 2024 aos 93 anos. Crônica essa que escrevemos em parceria e a publicamos aqui no JBF em 23 de março de 2020.

Profundo conhecedor de filmes de faroeste spaghetti anos 60 e musicais clássicos da Broadway, Dirceu Mattos vai deixar saudades, por ter sido, em vida, autêntico defensor da Sétima Arte raiz, como a defendia Ricciotto Canudo, teórico e crítico de arte italiano, sem perder a elegância.

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Capa do Blu-ray do filme no Brasil

A cena de abertura do epopeico faroeste do gênero spaghetti western, Django, é antológica: um lamaceiro escorregadio como cenário natural. A câmara focando um homem solitário, arrastando um caixão fantasmagórico pelo lamaçal caótico, acompanhado da antológica trilha sonora Django, composta pelo maestro argentino-italiano Luiz Enríquez Bacalov, apropriada para o clima sinistro da história do filme.

O filme Django conta a história de um andarilho misterioso, arrastando sua poderosa metralhadora pelo deserto, disposto a vingar a morte de sua esposa, assassinada por uma gangue rival que agia na região fronteiriça do México. Para conseguir seu feito ele fez “acordo” com o chefe da gangue comandada pelo general Hugo Rodriguez, bandido histriônico, calculista, ambicioso, contra seu oponente, louco, o Major Jackson, da gangue rival e seus mais de quarenta facínoras, sanguinários, que aterrorizavam a fronteira do México.

O longa é um dos melhores exemplos de filmes do gênero spaghetti western, com uma trilha sonora apropriada ao clima da história, duelos de armas e um anti-herói de poucas palavras, que arrasta um caixão mortífero. O visual magnífico do filme é devido ao trabalho do diretor de arte Carlo Simi, que já havia criado personagens e cenários para filmes anteriores do diretor Sergio Corbucci, como o “Minnesota Clay (1964)”, dentre outros.

Antes e depois da primeira cena antológica do confronto entre Django com a metralhadora e os mais de quarenta bandidos da gangue dos Camisas Vermelhas comandada pelo Major Jackson em frente ao Saloon do Nathaniel, ficou a impressão de que estávamos diante de mais um western lugar-comum, mas ante a competência do diretor Sergio Corbucci o que vemos é um filme com cenário de batalha expertise, épica, que até hoje fascina crítico e cinéfilo que o elogiam como uma obra-prima do spaghetti western.

Django é o primeiro, o único faroeste do western spaghetti a conquistar público e críticas favoráveis. Projetou o ótimo ator Franco Nero ao panteão dos deuses do faroeste numa época em que o romantismo reinava no faroeste americano. Todos logo identificamos o primeiro e o melhor da franquia. Sim, o nome Django tornou-se uma franquia, pois existem muitas dezenas de filmes relacionados ao personagem famoso, talvez chegue perto de meia centena de filmes, todos com adjetivos diversos, títulos chamativos, mas nenhum chegou perto do original que permanece eterno, com a matriz intocada, sem nada que possa abalar a sua merecida fama.

No ponto de vista cinematográfico, o único filme que chegou quase a merecer comparação com a qualidade do original, foi o filme “Django Livre” do diretor Quentin Tarantino. A comparação que se faz é apenas pela qualidade do filme, seus valores cinematográficos, seu ótimo elenco, que contou acertadamente com a participação do “Django” original, Franco Nero, numa pequena atuação, mas uma grande e merecida homenagem prestada pelo cineasta Tarantino ao grande ator, criador do personagem cujo nome, até hoje impressiona os aficionados do gênero. O filme cria um clima místico e quase sobrenatural, quando o personagem aparece do nada arrastando um caixão, com uma aparição fantasmagórica deixando todos os telespectadores surpresos. O diretor Sergio Corbucci soube segurar com muita competência e profissionalismo essa atmosfera sombria.

Nada de parecido tinha sido visto antes nos filmes do gênero western, e a expectativa vai num crescendo para todos os personagens do vilarejo e muito importante, também para nós os expectadores do filme, pois o que vai ou poderá acontecer é uma incógnita. Após a cena da batalha a campo aberto, onde o personagem caladão fulmina todos da gangue do Major Jackson com sua metralhadora caixão e, este, ao tentar fugir, é alvejado com um tiro de revólver e cai com a cara no lamaçal, levanta-se e sai correndo humilhado, é simplesmente genial.

Mas o diretor Sergio Corbucci mostrou que é um mestre, pois os fatos vão se sucedendo até que afinal o inesperado é revelado e coma sucessão dos acontecimentos, os vilões são enfrentados e como em todo bom filme de faroeste, o mocinho vence no final para satisfação de todos.

Ressalte-se ter sido lançado uma grande quantidade de filmes que levam o nome Django, com dezenas de atores que tentaram imitar o personagem-título do primeiro, mas nenhum deles possui a competência do filme e ator original. Não que não sejam bons atores, porque o personagem do primeiro é muito místico, sombrio, e o ator deu ao personagem principal uma áurea, um desempenho extraordinário que nenhum outro filme de faroeste conseguiu alcançá-lo.

CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA (2009) – UM GRANDE SUSPENSE

Crônica dedicada a Peninha, Sr. Melodia, o mais profícuo colecionador de música do Patropi

Acima de Qualquer Suspeita é um grande filme de suspense policial que prende o telespectador até o último instante para descobrir a verdade por trás dos fatos. A atuação do promotor público Mark Hunter (Michael Douglas), torna o longa mais atraente.

Belo suspense policial, com uma premissa criativa e um desenvolvimento inteligente mostrando boas reviravoltas ao longo da história.

Toda a questão sobre julgamentos baseados em evidências circunstanciais no qual se baseia a trama central desperta algumas reflexões, mostrando que a “verdade” num tribunal pode apresentar várias versões, com o resultado podendo ser facilmente manipulável num repugnante jogo de cartas marcadas.

De negativo tem o plano estúpido de como as filmagens que inocentariam o jornalista são armazenadas e depois seriam apresentadas no julgamento, daria para imaginar muitas formas mais inteligentes de garantir que as imagens fossem divulgadas sem aquela correria e perseguições não convincentes.

Mas o grande destaque fica por conta do desfecho com uma reviravolta no enredo que realmente surpreende, se alguém disser que foi previsível ou que conseguiu antecipar a revelação final, é um mentiroso. Podem dizer que é forçado ou que não gostaram, mas é inegável que foi um final criativo, fugindo do “final feliz” padrão.

O filme expõe questões éticas tanto do lado do jornalismo quanto da própria justiça e mostra até onde alguém pode ir para conseguir seus objetivos.

O diretor Hyams conduz a trama de forma que as coisas que você acredita estarem certas talvez não estejam e a participação do ator veterano Michael Douglas (de filmes como Instinto Selvagem, Garotos Incríveis, Traffic) no elenco dar um tempero especial à produção.

C.J. Nichols (Jesse Metcalfe) é um jornalista investigativo de uma grande rede de televisão disposto a fazer a reportagem da sua vida e ganhar o prêmio Pulitzer (o “Oscar” do jornalismo). Para tanto, resolve investigar o promotor público Mark Hunter (Michael Douglas) e os 17 casos de crimes circunstanciais em que o promotor atuou (e, incrivelmente, venceu!), utilizando-se de exames de DNA em evidências colocados nas cenas dos crimes de forma inescrupulosa e falsa. O objetivo do promotor Hunter em vencer todos os casos é tornar-se herói aos olhos da opinião pública como defensor ferrenho da justiça e de causas humanas e assim angariar votos para a eleição de governador de estado.

Para provar as manipulações da promotoria, Nichols resolve criar falsas evidencias para que seja julgado como assassino de uma prostituta que de fato ocorreu em Nova York. Com a ajuda de seu amigo e colega jornalista manipula provas e filma todo o processo para que no julgamento possa desmascarar Mark Hunter e suas manipulações de processos judiciais. Alguma semelhança com os casos julgados pelo Xandão do Supremo Tribunal de Favores, é mera coincidência.

Com a direção de Peter Hyams o filme consegue manter um certo suspense na medida em que os personagens precisam enfrentar um risco muito grande em suas carreiras profissionais. Hunter precisa manipular a justiça e vencer mais este caso apesar de saber que caiu em uma armação do jornalista. Nichols, por sua vez, precisa provar sua inocência apesar da morte “acidental” de seu amigo e o sumiço do DVD com a gravação da sua armadilha. Causas morais e éticas são colocadas para que o expectador possa refletir sobre até que ponto uma pessoa estaria disposta a praticar atos criminais para conseguir fama e poder. Em Acima de Qualquer Suspeita estão todos os envolvidos nesta trama muito bem arquitetada e nem todos são inocentes (ou culpados) até que se prove o contrário.

Os atores convencem razoavelmente em suas interpretações e o suspense se perde um pouco na medida em que toda a “armadilha” já é conhecida por todos os personagens envolvidos na história. A reviravolta no final é mais um estratagema para tentar incutir no público a falsa pretensão de ser uma grande história policial. Micheal Douglas não disse a que veio e a produção só usou seu prestígio como ator para atrair o público. Até mesmo o romance entre J.C. Nichols com a assistente de Hunter ficou clichê e uma manobra do roteirista. O romance não cola e a química entre eles é falsa e superficial, como as narrativas “criadas” pelo xerife careca do Supremo Tribunal de Favores de um país chamado Brasil para incriminar o Messias, e, dessa forma, impedi-lo de se candidatar à presidência do País.

CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

QUANDO EXPLODE A VINGANÇA (1971) – UM CLÁSSICO COM TRETA DE BASTIDORES

Imagem do lançamento em DVD

A trilogia dos dólares é a maior obra do faroeste já realizada. No entanto, Sergio Leone criou outros filmes que não têm nada a ver com Por um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito. Seis anos após encerrar a trilogia, o aclamado cineasta lançou Quando Explode a Vingança. Com um espírito muito inquieto, mas sem as linhas cult de seus trabalhos anteriores, este filme cativou e continua cativando os espectadores.

Quando Explode a Vingança está impregnado de um drama poderoso e até comovente, embalado por uma sublime trilha sonora de Ennio Morricone. James Coburn está extraordinário em seu papel de Sean Mallory, um revolucionário irlandês especializado em explosivos, forçado a fugir de seu país e a se aliar involuntariamente com Juan Miranda (Rod Steiger), um ladrão de diligências em um México mergulhado na guerra civil.

Entre a ironia mordaz e a tragédia pura, o tom do filme pode parecer desconcertante. No entanto, ele se mantém brilhantemente em um equilíbrio que em muitos aspectos seria precário para muitos cineastas. Mas não com um gênio como Leone no comando. É difícil imaginar como o filme teria sido nas mãos de Peter Bogdanovich, que inicialmente era o escolhido para dirigi-lo. Após várias idas e vindas, o estúdio deixou uma coisa clara: não seria filmado se Leone não assumisse o leme.

Treta durante as filmagens entre Sergio Leone e o ator Rod Steiger

Embora Jemes Coburn e Leone se dessem perfeitamente bem, não aconteceu exatamente o mesmo com Rod Steiger, que tirava o diretor do sério a ponto de um dia explodir de raiva. Nas conversas com Sergio Leone, de Noël Simsolo, publicadas pela Capricci e relatadas pelo francês AlloCine, o mestre volta a esse mesmo episódio.

“Com ele só há problemas. Ele achava que me agradava falando comigo em um italiano que parecia russo. Me exasperava. Ele queria escrever um personagem sério, completamente cerebral. Uma estranha mistura de Pancho Villa e Emiliano Zapata. Com um pequeno toque! Aterrorizante! Eu não parava de explicar a ele que ele interpretava um simples camponês ladrão e bandido. Um perdedor. Um bastardo comoventemente ingênuo… Não. Ele estava brincando de ser Deus”, explicou o diretor.

Apesar desses problemas de entendimento, Leone manteve a tranquilidade até explodir. “Consegui manter a calma durante uma longa semana. Mantive a calma enquanto repassava as cenas vinte vezes com Steiger. A equipe estava surpresa com minha atitude. Em filmagens anteriores, eles tinham me visto ter ataques de nervos em situações semelhantes”, apontou.

“O incidente aconteceu enquanto filmávamos em uma montanha a cinquenta quilômetros de Almería. Eu estava elaborando um plano com Coburn e Steiger interveio. Ele me disse que tínhamos que voltar para casa imediatamente se não quiséssemos exceder o horário da jornada de trabalho. Dito isso, ele indicou a Coburn que o seguisse”, comentou Leone, que acabou explodindo.

“Se eu quiser filmar durante vinte e quatro horas seguidas, eu vou fazer. E não me importa se você se chama Rod Steiger e ganhou um Oscar por engano. Porque você é um pedaço de m*rda. Amanhã eu te substituo porque você é um ator de m*rda”.

Nos dias seguintes, a tensão entre ambos era palpável. Tanto que Leone já nem falava diretamente com Steiger, mas recorria aos serviços de seu assistente. “Eu tinha uma atitude muito dura. Não falava com ele diretamente. O assistente fazia a ponte. Eu dizia a ele: ‘Vá buscar aquele saco de excrementos que está no trailer dele. Diga a ele o que eu quero que ele faça na frente desta câmera’“, explicou o diretor.

E o que acontecia quando Steiger não fazia bem seu trabalho? “Corta. Diga a esse cara que seu trabalho não está bom. Eu vou mostrar a ele o que eu quero que ele faça. E eu quero que ele faça sem mexer as orelhas nem agitar o nariz. Eu quero que ele faça normalmente! Normal! Como se ele nunca tivesse sabido atuar”, dizia o diretor. No entanto, tudo mudou após as desculpas de Steiger a Leone.

“A partir dessa conversa, tudo se transformou. Ele se tornou tão dócil quanto uma criança de oito anos. No entanto, ele se perguntou por que eu o fiz repetir suas cenas umas trinta vezes, quando eu me contentava com uma ou duas tomadas de Coburn. Depois de vinte e cinco tomadas, Steiger estava cansado demais para exibir seus truques de ator”, concluiu.

Foi quando Rod Steiger (Juan Miranda), percebeu que estava diante de um gênio e que questioná-lo seria chover no molhado.

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SERGIO LEONE – O GÊNIO QUE CRIOU O SPAGHETTI WESTERN

Henry Fonda, Claudia Cardinale, Sergio Leone, Charles Bronson e Jason Robars no set de filmagem da obra-prima Era Uma Vez no Oeste

Nascido em Roma, Itália, em 03 de janeiro de 1929 e encantado em Roma, Itália, em 30 de abril de 1989, Sergio Leone teve uma carreira curta, mas extremamente profícua, legando-nos uma filmografia invejável que, dentre outras qualidades, revelou grandes artistas, como o desconhecido ator americano Clint Eastwood e o maestro italiano Ennio Morricone, que devem sua vitoriosa carreira a Leone que, basicamente consolidou, sozinho, uma subcategoria cinematográfica batizada carinhosamente de spaghetti western.

Filho de Vincenzo Leone, um dos pioneiros do cinema e de Edvige Valcarenghi, atriz do cinema mudo, Sergio Leone nasceu no seio da Sétima Arte e ainda teve a oportunidade de estudar na escola, durante um tempo, com ninguém menos do que Ennio Morricone com quem faria uma inesquecível parceria. Assim, já com 18 anos, o futuro diretor de “Era Uma Vez no Oeste” começou a trabalhar com cinema, largando a faculdade de Direito e se tornando assistente do lendário Vittorio de Sica quando este filmava o clássico “Ladrões de Bicicletas”, em 1948. Melhor professor ele não poderia ter!

Sua carreira na Cinecittà, famoso estúdio italiano, lar de nomes como o do mestre Federico Fellini e então centro das atenções das produções audiovisuais épicas americanas, o levou a trabalhar em produções do gênero “espada e sandálias”, como “Quo Vadis” e “Ben-Hur,” tendo inclusive a oportunidade de escrever alguns roteiros menores. Em 1959, durante o final das filmagens de “Os Últimos Dias de Pompéia”, Mario Bonnard, o diretor, ficou doente e Sergio Leone teve a oportunidade, com trinta anos, de sentar na cadeira de diretor, apesar de nunca ter recebido créditos na tela pelo trabalho.

Em 1964 o genial diretor Sergio Leone transpôs o clássico de Akira Kurosawa, Yojimbo, para o oeste selvagem e lançou, com “Por Um Punhado de Dólares,” primeiro filme da consagrada Trilogia dos Dólares, os fundamentos do subgênero spaghetti western. Leone, na direção, Clint Eastwood, um ator americano na época de segunda e cuja popularidade devia-se apenas a um enlatado de TV, a série da CBS Rawhide, e a trilha de Ennio Morricone. Com Leone, o western spaghetti virou ópera, porque ele adorava os planos próximos, na cara dos atores. Para criar tensão, estendia a duração da cena e utilizava a música como personagem suspense.

Seu personagem marcante é o “Homem sem Nome”, nem de longe um herói. No geral, um caçador de recompensas. Foi assim que Clint Eastwood atravessou “Por Um Punhado de Dólares”, “Por Uns Dólares a Mais” e “Três Homens em Conflito”, virando astro consagrado. Em 1968, com a obra-prima “Era Uma Vez no Oeste”, Leone fez a súmula do seu spaghetti western.

Na década seguinte, em 1971, Sergio Leone dirigiu o filme mais político e violento de sua carreira e o menos compreendido pela crítica e público, situado na fase mais brutal da Revolução Mexicana: “Quando Explode a Vingança”, que ele queria apenas produzir, mas acabou dirigindo por se desentender com o então diretor Peter Bogdanovich. Em seguida, ele partiu apenas para a carreira de produtor, ocasionalmente voltando à direção parcial, especificamente em duas direções não tendo seu nome creditado: “Meu Nome é Ninguém” e “Trinitty e Seus Companheiros.”

Somente treze anos depois de dirigir seu último filme completo, Sergio Leone encerraria sua carreira cinematográfica em 1984, com uma das melhores obras de gângster já produzida na história do cinema – “Era Uma Vez na América” – e isso depois de recusar a direção de nada menos do que “O Poderoso Chefão.” Acontece que “Era Uma Vez na América,” que originalmente tinha quatro horas de duração, foi selvagemente cortado pelo estúdio e, além disso, foi mal recebido pelo público. Isso deixou Leone desgostoso, o que acabou afastando-o de Hollywood.

Um ataque cardíaco, em 1989, levou esse genial diretor provavelmente para uma planície desértica, cercada de homens barbados de olhos azuis penetrantes, tipo o matador de ERA UMA VEZ NO OESTE, mulheres lindas, poeira e música de fundo com vozes e gaitas. Um lugar que certamente ele ajudou a criar e onde sempre se sentiu muito bem!

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MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA – UMA OBRA-PRIMA DE SAM PECKINPAH: O POETA DA VIOLÊNCIA

Cartaz de Meu Ódio Será Sua Herança

The Wild Bunch, EUA (1969), traduzido no Brasil para “Meu Ódio Será Sua Herança”, possui uma abertura intrigante onde a uniformidade com a longa e antológica sequência final do longa-metragem. O filme começa com um grupo de policiais uniformizados, montados a cavalo, entrando numa pequena cidade norte-americana decadente. O bando cruza com crianças que brincam no meio da rua, perto dos trilhos de um trem. Algumas tomadas esparsas mostram que a brincadeira infantil é um bocado cruel: os meninos jogaram escorpiões no meio de um formigueiro, e os bichos venenosos estão sendo devorados pelas formigas. Junto, há uma tenda onde um pastor exaltado prega a salvação da alma, ignorando a crueldade infantil contra os animais indefesos.

“Meu Ódio Será Sua Herança” encerra enfocando os remanescentes do mesmo grupo de homens que aparece no princípio. Eles não são policiais, e sim uma quadrilha de assaltantes de banco; aquele era apenas um disfarce, como o espectador logo vai descobrir na movimentada e sangrenta sequência que abre o filme com gosto de pólvora. Não há heróis aqui, nem vilões. Todo o longo espectro de personagens é moralmente questionável.

Na ocasião do fim do longa os foras da lei estão no México, e se dirigem para resgatar um dos membros do grupo, preso por um rebelde paramilitar chamado General Mapache (Emilio Fernandez). O violentíssimo tiroteio que se segue não apenas encerra o filme de maneira brilhante, mas fecha um círculo e explica a cena dos escorpiões da abertura; os escorpiões são uma metáfora para os bandidos.

Os escorpiões são intrigantes porque jamais estiveram no roteiro do longa-metragem. Na verdade, eles foram uma sugestão de Emilio Fernandez, que contou ao cineasta Sam Peckinpah como se divertia no deserto mexicano, quando era menino. Peckinpah percebeu a fascinante simetria e filmou o ataque das formigas aos escorpiões abusando de planos-detalhes. Ao fazê-lo, acabou concebendo uma das aberturas mais estranhas, criativas e interessantes do cinema contemporâneo.

Enquanto filmava nos sets poeirentos do México, é possível que o diretor não soubesse que estava colocando uma pá de cal no já combalido gênero western. Adepto dos chamados westerns crepusculares, que lamentavam a proximidade do fim do gênero por causa do crescente desinteresse das novas gerações de espectadores, “Meu Ódio Será Sua Herança” transportava para a história este lamento. Foi uma despedida honrosa e adequada, já que o filme não é ambientado nos anos de ouro do Velho Oeste, mas em 1913.

Às vésperas da Revolução Mexicana, o antigo código de honra dos homens violentos e beberrões já não valia mais nada. O mundo agora era urbano. Botas viravam sapatos engraxados, revólveres transformavam-se em metralhadoras. A violência migrava dos descampados empoeirados para as cidades grandes. O Velho Oeste dava os últimos suspiros. Esse é o grande tema da obra de Sam Peckinpah, e também o pano de fundo do mais controverso e impactante dos filmes que dirigiu.

Em 1969, “Meu Ódio Será Sua Herança” foi recebido da mesma forma que “Clube da Luta” foi em 1999: sob acusações pesadas de ser hiperviolento e gratuito, até mesmo fascista. Para alguns, Peckinpah glorificava a violência. Reza a lenda que o astro William Holden teve uma violenta briga com o cineasta, após ver o filme pronto e odiar o resultado final. A verdade é que o filme é tremendamente violento mesmo: somente no verdadeiro balé de sangue que é o duelo final, Peckinpah gastou doze dias e mais de 10 mil cartuchos de bala de festim.

Sim, é verdade que o filme apresentou uma nova maneira de representar a violência no cinema, utilizando pela primeira vez a câmera lenta para mostrar mortes cruas. Caprichando no sangue e no estilo, Peckinpah enfatizava o sangue e fazia as mortes ganharem um significado simbólico e poético que ultrapassa a morte em si. No cinema dele, morrer dói pra caramba. Mas muita gente não entendeu.

A péssima recepção do filme pelas plateias no mundo foi ajudada pela estrutura narrativa incomum. Um filme tradicional enfatiza o enredo ou os personagens; “Meu Ódio Será Sua Herança” não faz nenhum dos dois. Pike (William Holden) lidera o bando de assaltantes que se encaminha para uma última missão, que é roubar um trem carregado de armas para um rebelde mexicano. Eles são perseguidos por um grupo, liderado por Deke Thornton (Robert Ryan), cujo objetivo é capturar ou matar Pike.

Os dois já foram parceiros, anos antes, mas algo separou seus caminhos. Nenhum deles é retratado com profundidade; Peckinpah só oferece fragmentos do passado. Pike e Deke são homens duros, que mostram nos rostos cansados e nos ombros caídos o peso dos anos. Ambos são melancólicos. Sabem que estão ultrapassados pelo tempo. Sabem que o fim está próximo.

O grupo de Pike bebe o tempo todo e frequentemente cai na gargalhada com piadas bobas, como se estivesse à beira da histeria. O personagem de William Holden, ruminando as palavras e com o olhar perdido no horizonte, resume perfeitamente o clima do filme: eles pertencem ao passado. Não há futuro possível para gente assim.

“Meu Ódio Será Sua Herança” documenta a melancolia do fim de uma era, a troca de guarda entre duas gerações muito diferentes. À medida que encerrou o tempo dos faroestes e inaugurou a fase da hiper violência, representou a mesma coisa para Hollywood. Pouquíssimos filmes têm essa honra de serem marcos divisórios. Por isso, esse aqui é um clássico inesquecível.

Trailer MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA (The Wild Bunch), de Sam Peckinpah, WARNER, 1969

CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

MATAR OU MORRER (1952) – UM CLÁSSICO DO WESTERN AMERICANO

Este texto de hoje é deciado ao colunista fubânico Peninha

Realizado num período de perseguição política nos Estados Unidos (o macarthismo) e roteirizado por John W. Cunningham e Carl Foreman, um dos nomes da lista negra do senador Joseph McCarthy, High Noon (1952), ou Matar ou Morrer, tem no diretor Fred Zinnemann seu primeiro desafio, tornando o primeiro ponto notável dos bastidores desta obra-prima, que foi concebido como uma resposta simbólica ao “caça às bruxas” e à cisão que então se estabelecia em Hollywood.

Na pacata cidade de Hadleyville, no Novo México, quando o Xerife Will Kane, interpretado magistralmente pelo ator Gary Cooper, está prestes a se casar com a protestante, a jovem e belíssima Grace Kelly, recebe a notícia de que Frank Miller, interpretado pelo ator Ian MacDonald) – o psicopata que Kane havia prendido anos atrás – foi solto da prisão e estava preste a chegar no trem do meio-dia à cidade para a desforra.

Enquanto os três mais odiosos cúmplices de Miller esperam na estação, o Xerife tenta conseguir ajuda. Os habitantes da cidade se recusam a arriscar suas vidas por medo de vingança. Vários relógios revelam que o meio-dia está se aproximando. “Matar ou Morrer” se passa em tempo real, com a hora fatal se aproximando enquanto a música-tema, a balada “Do Not Forsake Me, Oh My Darling”, insiste em frisar os acontecimentos. Will Kane é deixado praticamente sozinho contra quatro vilões.

O assassino solto deve chegar a bordo do trem do meio-dia. Frente aos sentimentos conflitantes da população, ao desamparo por parte de seus antigos colaboradores e, especialmente, às súplicas de sua esposa, o Xerife enfrenta um dilema praticamente sem solução.

Esse é o pano de fundo que Fred Zinnemann utiliza para desenhar um painel do fim anunciado da época das conquistas. Os personagens são protagonistas inconscientes de seu próprio papel. Will Kane representa o desbravador, o precursor, o próprio espírito da colonização. Não por acaso ele está velho e prestes a se aposentar. Seu adversário, Frank Miller, não é um dos tradicionais vilões do velho oeste, cujo único fim era a morte, em combate ou na forca. Ele foi preso, julgado, sentenciado a passar a vida na cadeia, mas foi libertado.

Não se sabe por que ele foi solto, nem o filme se presta a dar um motivo concreto. Só se sabe que, em algum lugar longe dali uma espécie diferente de justiça se fez, e essa justiça colocou em liberdade um homem cuja primeira atitude é juntar-se aos seus capangas e buscar vingança. É nos personagens secundários, habitantes da cidade, entretanto, que se encontra a parte mais interessante da metáfora elaborada aqui.

Observando com atenção, percebe-se que neles a coragem foi substituída por precaução e o espírito aventureiro deu lugar ao desejo de estabilidade. Por mais que se envergonhem disso, os homens do povoado não reúnem em si a força para ajudar o xerife, entregando-o ao que todos consideram sua morte certa – ou seu suicídio, como descrevem alguns, o que seria uma forma de eximir-se da culpa por manter os braços cruzados. Um dos moradores da cidade chega a dizer: “Nós pagamos um bom salário ao Xerife e seu ajudante. Eles que resolvam”. A função do novo cidadão urbano seria, portanto, a de pagar seus impostos e esperar que os problemas desapareçam. Nada mais de iniciativa, nada de participação direta. Eles que resolvam o abacaxi.

A ganância também aparece aqui modificada pela nova ordem. Não são mais terras ou gado que interessam, os desejos da população da cidade são mais, digamos, atuais. O hoteleiro diz não gostar do Xerife, pois antes da chegada da lei e da ordem havia mais movimento em seu hotel. Eis uma crítica ao capitalismo selvagem, ao qual não importa que todos se matem, contanto que isso traga lucros. Já o assistente do Xerife recusa-se a ajudá-lo por não ter sido indicado para substituí-lo. Um novo Xerife chegaria à cidade no dia seguinte.

Nesse caso a cobiça é pelo cargo, e aqui, melhor do que em qualquer outro ponto, percebe-se que os tempos não são mais de força e coragem, mas de política e barganha. Eis que, como resultado de tudo isso, Will Kane é abandonado. Para que não se diga que os aspectos artísticos da obra não foram citados, vale lembrar que tanto a trilha sonora quanto a música tema cabem perfeitamente no filme, colaborando bastante para criar uma atmosfera de conflito interno no protagonista.

Gary Cooper oferece uma atuação na medida certa, sem exageros, mas que passa ao espectador a angústia de encontrar-se na situação em que se encontra. Há ainda algo de revigorante no papel da mulher em “Matar ou Morrer.” Também aqui se poderia dizer que o filme é precursor, mas seria difícil fazê-lo sem explicitar demasiadamente a conclusão da história. O mais importante é que a cena final representa o ocaso de uma era.

É verdade que a colonização não termina com o desfecho do personagem de Gary Cooper. Seu fim, porém, havia sido anunciado. O tempo de coragem, da marcha ao desconhecido, da vida e da morte pela força e pelas armas estava agonizando. A aventura do velho oeste chegava ao fim.

Não é à toa que “Matar ou Morrer” é considerado o segundo melhor western de todos os tempos pelo American Film Institute. Um filme inteligente, angustiante e que merece ser assistido por várias vezes. É simplesmente fantástico pelo seu caráter alegórico e revolucionário.

Esse foi um filme muito polêmico quando lançado nos States, principalmente por motivos políticos. O roteirista foi acusado pelos artistas e esquerdistas de ter incluído no roteiro passagens antidemocráticas, antiamericanas. Inclusive esse filme foi muito criticado por ninguém nada menos que o famoso cowboy John Wayne, que afirmava que o filme era antiamericano e não era um filme western e sim uma agressão à democracia estadunidense.

Causou tanta polêmica que foi até citado pelo presidente Ronald Reagan durante um dos seus pronunciamentos transmitidos pela TV. Mas apesar de toda controvérsia o filme foi um grande sucesso de crítica e de público, chegando a conquistar quatro oscars.

O filme é considerado um clássico do cinema, pois inova na abordagem do conflito em um plano mais psicológico e pela carga de suspense nele contido.

A fotografia é primorosa, de uma qualidade surpreendente, em glorioso preto e branco, ganhadora do prêmio oscar de melhor fotografia do ano.

O elenco é surpreendente. O papel principal foi antes oferecido aos atores Marlon Brando e Montgomery Clift que recusaram participar do filme por vários motivos, sendo o principal dele o recebimento de uma quantia muito irrisória para atuarem em papéis muito importantes, pois a quantia posta à disposição pela produção foram meros de setecentos mil dólares, uma quantia irrisória para um filme com grande elenco, mesmo para os tempos antigos, (1952).

Há de se notar que durante todo o filme, aparecem diversos relógios, todos marcando os minutos antecedentes ao meio dia. O filme é todo feito no horário real e essas cenas com os relógios têm grande impacto visual e bastante suspense, pois cada minuto antes do meio dia é de muita angústia para o personagem principal, o Xerife Cooper, pois todos os habitantes da cidade negam-se covardemente a ajudá-lo a combater com os bandidos vingadores, que vão chegar no trem das doze horas em ponto, com a intenção de matá-lo. Cada relógio em si se torna um dos personagens como testemunhas coadjuvantes do filme em questão.

Após o duelo final, o Xerife é elogiado pelos moradores da cidade que pedem para ele permanecer na cidade como defensor da lei. Nessa hora, o xerife faz uma cara de nojo e joga ao chão a estrela de xerife, num gesto de desprezo pela covardia dos habitantes que se recusaram a ajudá-lo a enfrentar os bandidos.

Esta cena, na época do lançamento do filme, foi muito criticada pelo ator John Wayne, que achou uma ofensa aos defensores da lei, que um xerife jogasse ao chão uma estrela que representava uma autoridade e ele achava também que com a cena ele estava jogando ao chão a estrela americana da democracia. Tudo picuinha política, isso porque o roteirista (Carl Foreman) tinha sido em prisca época membro do partido comunista americano. O macarthismo estava presente em toda esquina estadunidense. Era a época da caça às bruxas.

Nesse caso, ninguém contestou o gesto do Xerife, o que comprova que a política deturpa tudo e John Wayne sempre foi um “cowboy” político.

O resultado final do filme é primoroso, um grande diretor Fred Zinnemann, um grande ator Gary Cooper, que já tinha sido previamente ganhador de um Oscar, a atriz novata Grace Kelly e um elenco de apoio com celebridades, todas muito atuantes e muito experientes na atuação de filmes de faroeste, tais como: Thomas Mitchell, lloyd Bridges, Katy Jurado e Lee Van Cleef, é sem dúvida um dos melhores filmes western de todos os tempos.

Um grande clássico, tão grande como “Shane” (1963), do competente diretor George Stevens, ou “Rastros de Ódio” de (1956), do lendário John Ford, que são as melhores referências no padrão de qualidade do western americano.

Trailer Legendado

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O HOMEM QUE NÃO VENDEU SUA ALMA (1966) – UMA OBRA-PRIMA DE ZINNEMANN

Versão saída em Blu-ray

Na Inglaterra do século XVI, Henrique VIII (Robert Shaw) planejava se separar de sua primeira esposa para se casar com a fogosa (e bota fogosa nisso!!) Rainha Ana Bolena (Vanessa Redgrave), mas não recebe a aprovação de Thomas Morus (Paul Scofield), numa atuação soberba, impagável, um fervoroso católico que se tornou “Lord Chanceler”, um altíssimo posto que ele preferiu renunciar do que trair suas convicções. Entretanto, a importância de Sir. Thomas Morus era tão grande à época que mesmo após sua renúncia o rei continuou o perseguindo. Até que surgem “provas” que o incriminam como alta traição, um “crime” punido com a morte, sendo decapitado na Torre de Londres no dia 6 de julho de 1535, “antes das nove horas.”

(A MAN FOR ALL SEASONS (1966), ou O Homem Que Não Vendeu Sua Alma, é o primeiro de dois filmes em que o diretor Fred Zinnemann e a atriz Vanessa Redgrave trabalharam juntos. O posterior foi Julia de (1977). O ator Paul Scofield recebeu o Oscar de melhor ator pela atuação primorosa, mas não compareceu à cerimônia de entrega por ser avesso a comemorações. Com isso, sua estatueta de melhor ator foi recebida por Wendy Hiller, sua companheira de elenco. O orçamento do filme foi de US$ 3,9 milhões. Teve a sua refilmagem em (1988) com o mesmo título pelo ator e diretor Charlton Heston, que já havia trabalhado como ator principal em grandes clássicos do gênero, como Os Dez Mandamentos (1956), Bem-Hur (1959), O Planeta dos Macacos (1968), dentre outros. O homem que não vendeu sua alma ganhou nova versão e não decepcionou.

Como era de se esperar, um filme com esse objetivo e, ainda por cima, baseado diretamente em uma peça de teatro que seu próprio autor, Robert Bolt, transformou em roteiro cinematográfico, simplesmente não poderia primar pela ação no sentido mais esperado da palavra. Ela inexiste aqui e tudo, absolutamente tudo, recai no colo do incomparável trabalho dramático de Paul Scofield, no papel principal.

O ator, que começou sua vida artística no teatro, onde permaneceu focado praticamente a vida inteira, apesar de ter também aparecido em alguns filmes, viveu Thomas Morus na peça de Bolt tanto no West End de Londres, área da Região centro de Londres, Inglaterra, onde contém muitas atrações turísticas, quanto na Broadway, em Nova York. E foi a escolha do diretor Fred Zinnemann para viver o papel também nas telonas. No entanto, a produtora considerou que Paul Scofield não tinha nome para atrair audiência para o filme, com Richard Burton e Laurence Olivier sendo considerados para o papel. No entanto, o cineasta insistiu em sua escolha, brigou, ajudado por Bolt, especialmente depois que ele havia levado para casa o Tony de melhor ator justamente por seu trabalho na Broadway como Morus, em 1962.

Essa escolha foi extremamente acertada pelo diretor Fred Zinnemann. Paul Scofield interpretou Thomas Morus com um vigor impressionante, demonstrando com olhares, gestos e pequenos trejeitos corporais uma latitude dramática que vai da alegria em ver sua esposa no final de um dia estafante, passando pela surpresa e leve – mas elegante – desgosto em ver sua filha com um pretendente luterano e pelo encontro com seu amigo e rei nos jardins de sua moradia, até a veemente negativa em endossar o posicionamento do rei sobre o divórcio e novo casamento sem a benção do Papa.

O diretor Fred Zinnemann, por seu turno, não perde a oportunidade de manter sua câmera sempre parada e mirada no rosto de Paul Scofield em toda sua intensidade e profunda inteligência, construindo um personagem espetacular logo nos primeiros minutos da projeção, quando demonstra muito claramente sua integridade primeiro como advogado e, depois, como chanceler real.

O trabalho do ator Paul Scofield em O Homem Que Não Vendeu Sua Alma é um dos mais impressionantes trabalhos dramáticos da Sétima Arte, transformando um filme que é quase que completamente um teatro filmado e que, portanto, pode facilmente descambar para a monotonia, em uma obra realmente inesquecível, daqueles em que cada cena com a presença de Paul Scofield é um momento de se aplaudir. Sua presença é tão magnética e profunda, aliás, que todo o restante do elenco desaparece, até mesmo a espalhafatosa ponta de Robert Shaw como Henrique VIII e a assustadora aparição do imponente Orson Welles como o Cardeal Wolsey. Mesmo os atores que tem mais presença de tela, como John Hurt como Richard Rich e Leo McKern como Thomas Cromwell, por melhor que sejam os atores – e são mesmo excelentes – mínguam diante de Paul Scofield e a retitude moral e ética de Morus.

A equipe técnica que cuidou de O Homem que Não Vendeu sua Alma também não decepcionou. Figurinos corretamente suntuosos vestem o elenco que passeia por cenários em locação e alguns poucos construídos especialmente para o filme que se funde em um conjunto harmônico preciso que muito corretamente não tem nenhuma intenção de chamar atenção para si mesmo, deixando todo o espaço para que Paul Scofield e o restante do elenco brilharem como devem brilhar. A fotografia de Ted Moore, conhecido por seu trabalho na franquia 007, faz as cores ressaltarem da mesma maneira que ele as suga na medida em que o drama de Morus se torna cada vez mais sem saída, algo que a equipe de maquiagem e cabelo se esmera também em apontar.

Retratando um dos mais significativos momentos da história britânica sob o ponto de vista de um grande homem, o filme O Homem Que Não Vendeu Sua Alma é ao mesmo tempo uma aula de dramaturgia e cinema e de estadismo em sua forma mais pura. Todo político ou pretendente a político deveria no mínimo ser obrigado a absorver as lições que o Morus de Scofield passa aqui (já que pedir que estudem Thomas Morus talvez seja demais). O mundo político com certeza seria melhor mesmo se apenas um décimo da moralidade e honestidade do personagem fossem internalizadas.

“O Homem Que Não Vendeu Sua Alma” é uma grande lição de moral e ética que o diretor Fred Zinnemann nos deixou como legado.

Trailer O HOMEM QUE NAO VENDEU SUA ALMA, de Fred Zinnemann, COLUMBIA, 1966.

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FRANCISCO FÉLIX DE SOUZA, O MAIOR TRAFICANTE DE ESCRAVOS DO SÉCULO XVII

O maior traficante de carne humana do século XVII

No genial romance Quincas Borba (1891), Machado de Assis conta a história de Prudêncio, o escravo vítima de maus-tratos, alijamento, e que, tão logo se vê liberto, compra seu próprio escravo para, ato contínuo, surrá-lo e alijá-lo. Em tempos politicamente corretos, de idealização das vítimas, esse parece mais um exemplo do eterno niilismo do Bruxo do Cosme Velho.

Infelizmente a história mostra que a arte copia a vida, como nos revela o diplomata, historiador e maior africanólogo do Brasil, Alberto da Costa e Silva, 90 anos, que escreveu a excelente biografia do ex escravo baiano, Francisco Félix de Souza, Mercador de Escravos, publicada pela editora Nova Fronteira, em 2004, com 208 páginas. Biografia essa onde o diplomata e historiador traça um painel cruel, estarrecedor de como o maior traficante de escravo do mundo, filho de pai branco com mãe índio mestiça, de visão, astúcia, competência e eficiência, se tornou o maior mercador de escravos do mundo, que transportava da Grande Fortaleza de Judá, o mais terrível entreposto de escravos da história escravista, construído pelos portugueses no século XVI para armazenar carne humana viva!

Francisco Félix de Souza, apelidado de Chachá, nasceu em Salvador, provavelmente no dia quatro de outubro de 1754 e morreu em Benin, África Ocidental, no dia oito de maio de 1849, aos 94 anos. Filho de um português traficante de escravos e de mãe índia mestiça, foi alforriado aos dezessete anos, decidindo viajar para a África quando tinha por volta de vinte e três anos. Não se sabe se por desterro o motivo da viagem, acredita-se que tenha sido a negócios em nome da família, retornando depois de três anos ao Brasil.

Em 1800 decide se estabelecer definitivamente em Ouidah (Ajudá), no Golfo de Benin, ao que parece como comerciante privado. Posteriormente, com a falência de seus negócios em solo africano, passa a prestar serviços à guarnição do forte de São João Batista de Ajudá, pertencente aos portugueses, no reino do Daomé, atualmente território da República do Benin. Com a falta de nomeação de administradores para o forte, Francisco Felix de Souza passa a governador interino do entreposto, posição que abandona logo depois para se dedicar ao comércio de escravos cativos de guerra, exportados para o Brasil e Cuba, atividade já tornada ilegal até mesmo em Portugal e norte do Equador.

A vida de Francisco Félix de Souza foi transformada em filme, COBRA VERDE (1987), filmado no Brasil e na África, com o ator Klaus Kinski interpretando o controvertido traficante de escravos. Foi produzido e dirigido pelo competente diretor Werner Herzog, roteiro extraído do romance O VICE-REI DE UDÁ, do aventureiro inglês BRUCE CHATWIN. Mas foi graças a Alberto da Costa e Silva que, pela primeira vez, o tema foi tratado com apuro historiográfico. Sem deixar de lado o fascínio rocambolesco da sua vida pessoal, o aventureiro de Salvador que, na África, conseguiu poder, nobreza e uma fortuna calculada em US$ 120 milhões, que fez dele um dos três homens mais ricos do mundo. Mas, ao morrer, já decadente e sem prestígio, com 94 anos, deixou mais 53 mulheres, mais de 80 filhos e mais de doze mil escravos à deriva.

A vida de Francisco Félix de Souza, o Chachá de Ajudá, título honorífico lhe concedido na cidade de Uidá, é fascinante pelo seu espírito aventureiro, pela sua astúcia, tirania e crueldade, tornando-se o maior traficante de carne humana viva do mundo no século XVII.