Cartaz do filme no Brasil
Em Central do Brasil, a professora Dora (Fernanda Montenegro) trabalha escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Ainda que a escrivã não envie todas as cartas que escreve, guardando-as no baú da pensão – as cartas que considera inúteis ou fantasiosas demais -, ela decide ajudar um menino Josué (Vinícius de Oliveira), após sua mãe ser atropelada, a tentar encontrar o pai que nunca conheceu, no interior do Nordeste.
O filme está entre as produções brasileiras que obtiveram maior repercussão pelo mundo afora. Dirigido pelo cineasta Walter Salles (de Abril Despedaçado, Diários de Motocicleta e Na Estrada), o feito do filme pode ser igualado ao mesmo de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, ou de Tropa de Elite um e dois, de José Padilha. Fernanda Montenegro, que encarna Dora, a protagonista da história, fez história ao tornar-se a primeira (e única) atriz brasileira a receber uma indicação ao Oscar, concorrendo naquele ano com atrizes de peso como Emily Watson, Meryl Streep, Cate Blanchett e Gwyneth Paltrow, que acabou ficando com o prêmio. Uma lástima. O próprio filme também concorreu a estatueta de melhor produção estrangeira, mas acabou perdendo para o italiano A Vida é Bela. Água com açúcar.
De qualquer forma, a força de Central do Brasil fala mais alto que seu legado, especialmente ao retratar com tamanha fidelidade uma realidade que rodeia o povo brasileiro todos os dias. E é curioso que nosso país, ainda hoje enfrentando diversos problemas envolvendo pobreza, infraestrutura e analfabetismo, tenha uma imagem tão contrária no exterior, a de que somos um povo que vive em festejos e alegria. Sim, somos, mas por trás de tudo isto ainda existe um quadro depressivo e desolador no que se refere aos menos afortunados.
Dora (Fernanda Montenegro) é uma senhora de idade que trabalha escrevendo cartas para analfabetos na Central do Brasil. Um dia ela conhece Ana (Soia Lira) e seu filho Josué (Vinícius de Oliveira), e após um acidente fatídico que acaba tirando a vida de Ana, Dora acaba ficando com o garoto, mesmo a contragosto. Como o garoto não possui nenhum parente na cidade, Dora decide leva-lo para o interior, onde vive o pai do garoto, o qual este nunca teve a oportunidade de conhecer. Durante uma viagem pelo interior do Nordeste, ambos acabam se aproximando e formando um forte laço de amizade.
Como qualquer outro filme de Walter Salles, Central do Brasil é um filme de paisagens áridas e hipnotizantes, capturadas de tal forma pela câmera do diretor que o clima de solidão parece exalar para além da tela. Méritos para a fotografia de Walter Carvalho, que cria contrastes belíssimos entre as paisagens, trazendo um ar quase caseiro ao filme, mas que auxilia na convicção dos espaços onde a trama se situa.
O roteiro de Marcos Berstein e João Emanuel Carneiro evita estereótipos e mostra o povo brasileiro como ele é, ou apenas como qualquer ser humano é: cada um com seus próprios limites morais, seus dramas, suas angústias e seus desejos. A narrativa é bastante centrada na relação entre Dora e Josué, e em como estas duas figuras ainda desconhecidas uma para outra começam a se aproximar de forma inesperada. Curioso é perceber como Dora encaminha Josué por limites morais que ela mesma não segue em sua vida, devido a própria semelhança de sua história de vida com a história do garoto, como num esforço de oferecer para alguém semelhante as oportunidades e ensinamentos que a própria não recebeu. É uma relação complexa, mas tratada com bastante simplicidade pelo roteiro, o que é um dos pontos altos da fita. Cada momentos em que sentimos uma maior aproximação entre Dora e Josué gera uma emoção genuína.
E o elenco não faz por menos. Revisitar Central do Brasil nos dias de hoje é atestar, mais uma vez, de que Fernanda Montenegro é, de longe, a melhor atriz que o nosso cinema já teve. Sua atuação como a sofrida Dora é impecável, rica em sutilezas e detalhes, onde a atriz consegue dizer muito através de seus olhares e expressões tristes, duras, típicas de alguém que já apanhou bastante da vida. A emoção parece perscrutar não apenas o rosto da atriz, mas também os próprios sentimentos do espectador. E qual não foi a injustiça quando a atriz acabou não levando a estatueta naquele ano?
Vinícius de Oliveira, que interpreta Josué, também se sai surpreendentemente convincente para um ator mirim ainda em início de carreira, distanciando-se de qualquer artificialismo que pudesse torná-lo numa presença irritante. E reza a lenda que o diretor Waltinho Salles encontrou Vinícius na Estação Central do Rio de Janeiro enquanto trabalhava engraxando sapatos e que já havia testado mais de mil e quinhentas crianças para o papel que soubesse Josué, o que apenas acentua o fascínio pela própria história do filme.
Ao final, temos o desfecho iminente que se anunciava durante a jornada dos personagens. Fica a dor, a saudade, mas também a certeza que aquelas duas figuras ensinaram mais uma à outra do que qualquer outra pessoa poderia ter feito em suas vidas. Ambos retornariam para suas vidas, mas ela jamais seria a mesma. E pra finalizar, reescrevo aqui as tocantes palavras de despedida de Dora: “O dia que você quiser se lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso por que tenho medo de que um dia você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo.”
E como desfecho apoteótico do filme é a sua música tema: Central do Brasil, composta magistralmente por Antonio Pinto, filho do genial cartunista Ziraldo, e Jaques Morelenbaum, Central do Brasil, o filme, é um clássico.