JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

DUAS GLOSAS

Ontem eu fui surpreendido por uma espécie de êxtase que só me acomete quando tenho contato com algo que, para mim, é sublime demais como arte.

O poeta tabirense Marcílio Pá Seca Siqueira enviou-me pelo WhatsApp uma glosa sobre o mote do poeta Júnior Monteiro, e eu ouso em dizer que ambas as construções – mote e glosa – beiram a perfeição na construção de uma poesia no estilo próprio.

O mote:

“Minha vida sem ela é um xadrez
Que não tem mais a peça da rainha.”

Eis o que Marcílio inspirado divinamente escreveu:

Tá sem cor e sem vida o tabuleiro
O meu bispo sem cetro e sem batina
Meu cavalo pendeu caiu a crina
Meu peão sem a dama e sem roteiro
O meu rei sem castelo e sem dinheiro
Minha torre sem luz e camarinha
A rainha cansada de ser minha
Deu um xeque na minha embriaguez
“Minha vida sem ela é um xadrez
Que não tem mais a peça da rainha”

Diante de tão extraordinária composição, e seguindo a visão do tabuleiro criado por Marcílio, eu me arrisquei em glosar também.

De minha mente saíram os seguintes versos:

Eu tentei dar um roque foi em vão
Sou um rei acuado e sem saída
Quanto mais eu me mexo na partida
Mais eu sinto que perco a posição.
Já não tenho nenhuma proteção
‘Tou cercado e exposto sob a linha
Do amor, que era só o que mantinha
Certa fé na vitória e solidez
“Minha vida sem ela é um xadrez
Que não tem mais a peça da rainha.”

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

PAULO BENÍCIO

O nosso maluco mais beleza nos deixou ontem.

Acary perde um dos seus patrimônios humanos mais caros.

E eu me lembrei agora de quando um deputado estadual, tentando a reeleição para Assembléia Legislativa do nosso estado, apertava-me o juízo a fim de votos através do meu apoio em Acary, não respeitando a minha vontade de ficar à margem naquela eleição.

Eu disse para ele “não insista que não vou me meter nessa campanha. Mas, se você quiser, eu tenho um amigo, Paulo Benício, que na última eleição municipal ficou na suplência da Câmara de Vereadores”.

O deputado se mostrou interessado e nós marcamos um encontro entre ele e Paulo Benício, no sábado à noite, lá no Bar de Augusto.

Na hora marcada o deputado, que voltava de Caicó, chegou em minha casa e nós marchamos para o encontro.

Eu liguei para Paulo. Em poucos minutos ele chegou com aquele cabelão, um short dois números a mais que o ideal, uma camiseta sem gola idem e, nos pés, um par de tênis estranhos.

Eu o apresentei com as pompas merecidas, tecendo os melhores elogios ao “homem público Paulo Benício”, enquanto ele próprio ia repetindo muito sério “isso! Isso!”, concordando comigo.

O deputado, cheio de cerimônias, levantou-se e apertou a mão de Paulo chamando-o de senhor, reiterando o prazer que era conhecê-lo. Mas olhou para mim um pouco desconfiado, tanto pela aparência, quanto pelo microfone meio enferrujado na mão do meu amigo.

Já Paulo, com aquele jeito meio bruto dele, disse logo “vamos ao que interessa. Quanto você tem pra me dar pelo apoio?”

O deputado se mostrando assombrado lhe perguntou quantos votos ele tivera.

– Nove! – rasgou Paulo orgulhoso e ainda mais sério. – Eu fiquei na vigésima sétima suplência – respondeu com aquele seu jeito de valorizar ainda mais as tônicas das palavras.

Ao saber o potencial político e a posição de suplente de Paulo, o deputado olhou para mim e exclamou com olhar de tristeza:

– Jesus…

– Vou deixar vocês fecharem o negócio – falei me despedindo e deixando-os lá, planejando o pleito.

O certo é que Paulo, reencontrando-me no outro dia, “p… da vida” com o deputado, falou-me com raiva:

– Aquilo é um liso! Pedi quinhentos mil reais, e ele veio me oferecer um guaraná – disse pondo os dois cantos da boca para baixo, fazendo uma careta de insatisfação. – Num me traga outro daquele nunca mais! ‘Tá ouvindo?

Deixará saudade no coração do nosso povo.

Fará discursos nas praças do céu.

O outro Jesus com certeza lhe dando a mesma corda, que este aqui sempre deu.

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

ÂNGELO E AUGUSTO

Eu tenho buscado, a fim de não parar ante os diários com notícias tétricas da atualidade, agarrar-me nas coisas trazendo alegria e sensação de paz.

Nessa busca encontrei o perfil do Instagram da pedagoga @lucigmaia.

Mãe de autistas, gêmeos, Luci (imagino que os próximos a chamem assim) é uma mulher além do seu tempo. Não se prendeu às dificuldades dos filhos, tampouco aos preconceitos certamente muito mais fortes e latentes na sociedade dos anos oitenta, e criou seus filhos Ângelo e Augusto com o verdadeiro amor e zelo que de uma mãe se espera.

Não se absteve da responsabilidade de mãe, nem parou nos reclames e mi-mi-mis dos que se fazem coitados, quando poderiam se fazer vencedores.

Uma mulher que passei a admirar com toda a minha devoção.

Parece-me que, altruísta social, Luci nos entrega diariamente vídeos dos seus filhos com a finalidade de “educar” e incentivar outros pais. Não sei se ela tem consciência, porém, os vídeos vão além desse papel. Eles alegram, divertem, emocionam demais e trazem paz na alma de quem os assiste, independentemente se temos anjos como os dela.

Ângelo e Augusto nos transmitem algo recheado de muita pureza. Não obstante suas limitações, ensinando-nos uma lição sublime: a felicidade reside no lugar onde a alma é mais simples.

Obrigado, Luci!

Portanto, quero dividir com vocês, queridos leitores deste JornaL da Besta Fubana:

ÂNGELO E AUGUSTO

São dois anjos na terra encarnados
Dois presentes de Deus para este mundo
Que num ato de amor firme e profundo
Nos mandou esse par de abençoados.
Já cresceram por muitos sendo amados
Cada dia despertam mais paixão
No sorrir de um irmão para outro irmão
Aprendemos a arte da bondade,
Inocência, pureza, sem maldade,
Como sermos melhor de coração.

Vão prendendo a nossa atenção
Na inocência, crianças já crescidas
Alegrando decerto outras vidas
Lhes enchendo de paz e emoção.
Nesses gêmeos já vemos a ação
De um Deus muito bom e provedor
Por usar Seu poder de criador
E fazer na candura dois tão belos,
Nos trazendo gigantes tão singelos
Deus mostrou o Seu mais perfeito amor.

Outra vez obrigado, Luci.

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

LEMBRANÇAS DO MEU AVÔ CHIQUINHO

Sempre invejei quem na vida teve a figura dos avós.

Eu não tive.

Aliás, tenho o infortúnio de haver nascido treze anos depois da exata data em que minha avó paterna Norinha partiu deixando dez filhos. O mais velho contando quase vinte e três anos, o caçula contando sete meses incompletos.

Daí fui em segredo compartilhado apenas comigo mesmo na hora de dormir, quando rezava em sussuros pelos de minha família, adotando os avós dos amigos mais chegados: Birina e Seu Ciço Muniz avós de Tunéa, D. Perpétua avó dos meninos de D. Miriam, D. Ana avó dos meninos de Dodó; além do casal de vizinhos Baixinho e Toinha, que de fato nos ensinaram, a nós lá de casa, a chamá-los de avô e de avó.

Meu avós maternos morreram bem antes de eu nascer. Vovó Maria Pequena nos meados dos anos cinquenta, vovô Chico Ciano em sessenta e dois.

As únicas lembranças que ainda carrego de um avô de sangue são as lembranças de Vovô Chiquinho. Elas são apenas três. Uma delas eu já lutei para apagá-la.

Eu cheguei na casa do meu tio-avô Zeca Sapateiro, e vovô conversava com sua irmã Mariana. Uma perna estirada e a outra dobrada. Sentava-se “à meia bunda” numa balaustrada.

– Tome a bença do seu avô – ordenou-me a tia-avó.

–  Abença vovô?

Ele assanhou meus cabelos sorrindo, abençoou-me e perguntou por papai.

–  ‘Tá trabalhando – respondi. E essa lembrança acaba aqui.

A outra memória são apenas de suas calças azuis, para lá e para cá em um dia de festa. Eu sob a mesa do seu café, brincando com meu tio caçula, fruto do segundo casamento, mais velho que eu alguns meses.

A terceira lembrança, triste memória, traz Vovô Chiquinho deitado em seu último leito, não acordando para me dar a benção que eu, inocentemente, lhe pedi segurando o caixão com minhas duas mãos.

Eu tinha apenas três anos e nove meses.

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

MINHA AGONIA (Últimos versos)

Eu vivo lá no passado
Meu futuro se perdeu
Não tenho sequer presente
– Este tempo não é meu –
Parece que a natureza
Gerou-me para a tristeza
Quando o amor floresceu.

Sem luz, vivendo um breu,
Minha alma inquieta
Não crê mais que o tempo passa
Virou alma abjeta
Não sonha, não sente dor,
Hoje não crer mais no amor
Deixa aqui de ser poeta.

O silêncio me completa
De agora em diante
Os versos se calarão
Não falarão do instante
De quando nos misturamos
Do quanto nós dois gozamos
No tempo pouco distante.

Porque nós passamos do tempo.

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

UMA GLOSA

Sobre este mote criado por meu amigo Manoel Pinheiro Netto

“A saudade é a dor que faz doer
E que marca em meu peito a cicatriz”,

e lembrando de uma pessoa muito querida que perdeu sua filhinha aos quatro anos de idade, eu escrevi a seguinte glosa:

Num minuto se foi minha alegria
Meu tesouro, meu tudo, meu amor,
O meu ar se perdeu, restou-me a dor
No lugar onde ela me sorria.
Minha vida tornou-se agonia
Num instante, fiquei tão infeliz
Que estar no lugar dela eu quis
Mas foi ela que Deus quis recolher
A saudade é a dor que faz doer
E que marca em meu peito a cicatriz.

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

CAVALO ALADO

Ah, se desse d’eu voar
Com você em mim montada
Cruzando os céus do espaço
Dando no ar rabeada…
Você agarrada em mim
Subindo e descendo assim
Num voo, em galopada.

E nessa viagem alada
Eu feito aquele pavão
Mysterioso e formoso,
Fogoso nessa ação,
Fazendo um voo dos sonhos
Dando razantes medonhos
Co’as asas dessa paixão.

Se tudo isso é ilusão
Eu não quero acreditar
Que sou como um passarinho
Que se cansou de voar
E por delírio me faço
Cavalo alado, de aço,
Para você cavalgar.

Sem temer tempo no ar
Sem respeitar o espaço.

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

SONHO E REALIDADE

Eu me deixei escondido
Numa esquina da rua,
Te vi sob a luz da lua
Sem por ti ser percebido.
O teu vestido comprido
De um tecido encarnado
No teu corpinho colado
Prendeu mais minha visão
Me fez perder a razão
No singular rebolado.

Meu olhar admirado
Te acompanhou na calçada
Com minha vista vidrada
Em cada passo, teu, dado.
Para ficar complicado
Chegou-me a inspiração
Atiçou meu coração
Por toda beleza tua
De vermelho, sob a lua,
E ante a minha visão.

Se isso tudo é paixão
Não divulgada, vivida,
Se sempre correspondida
Eu não sei te dizer não.
Só sei que perco a razão
Quando te vejo passando
Na realidade, ou sonhando,
Em teu vestido encarnado
De longe teu rebolado,
Segue assim me inspirando.

E eu sigo preso em ti.

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

FANÁTICO

Cada vez que eu te vejo
Dispara meu coração
Em virtude da beleza
Ante a minha visão
E se não posso tocar-te
Deixa apenas mirar-te
Com minha admiração.

Se acaso disseres “não”
Respeitarei teu querer
Prometo cegar meus olhos
– Sofrendo não sei viver –
Melhor ser cego de guia
Do que não ter a alegria
Por não poder mais te ver.

Porém, se eu merecer
De ti, essa permissão
Seguirei com mais respeito
E sem perder a razão
Louvar-te-ei em meus versos
De sentimentos dispersos
Em disfarçada paixão.

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

APENAS MAIS UMA SAUDADE

Fiz do sofá minha cama
Sofrendo de madrugada
À mesa nem sento mais
Não consigo comer nada
Sem ter mais o que fazer
Vivo só de padecer
Com saudade da amada.

Quem não sabe o que é sofrer
Diz logo que é um drama
Por certo nunca sentiu
Da saudade a sua chama
Queimando o peito da gente
Como uma brasa bem quente
No coração de quem ama.