JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

NOTÍCIAS DE PORTUGAL

Lisboa. Novas notícias dos jornais portugueses, para sentir diferenças entre as culturas da terrinha de nosso Brasil.

AULAS MAIS CEDO. Estudo publicado na revista Nature Communicatios com quase 40 mil alunos, em Singapura, prova: aulas mais cedo significam piores notas. Confirmando estudos anteriores publicados na Science Advances e na Frontiers in Human Neuroscience. A sugestão, pois, é começar aulas às 10:00 horas. E por aqui, no Brasil, como seria?

CASAS. Má notícia para quem queria comprar uma. Primeira página de O Público ‒ OP diz “Portugal está entre os 10 países da zona do euro onde rendas e preços das casas mais sobem”. Quem não aproveitou a crise, por aqui, hoje deve estar chorando.

CHARGE. Num bar, cidadão diz “O principal princípio ético é ter vergonha”; e, o outro, “Isso de vergonha compra-se onde?”. Considerando o número de condenados (ou processados) hoje em cargos importantes no Brasil, ou passeando livres em Copacabana, essa graça parece ter sido feita para nós.

CLUBE DE MULHERES. Surge o primeiro clube de futebol dirigido só por mulheres, em Portugal. A notícia parece piada pronta. Que a cidade em que está é a Vila Baixa da Banheira, na margem do Tejo. E o time, não podia ser outro, é o Banheirense.

CORRUPÇÃO. No Onefootball disse Diamantino Miranda, ex-jogador e hoje comentarista da CMTV, sobre desmandos no Benfica: “Se cada corrupto andasse com uma lâmpada no cu, Portugal hoje parecia Las Vegas”.

DESTINO. A revista Visão conta uma história incrível. A de Bruce Hollywood, que nasceu no Japão mas foi adotado, ainda bem jovem, por um casal americano ‒ que, antes de viajar de volta a seu país, contou à mãe biológica o nome que a criança teria. Mais tarde, já Coronel da Força Aérea dos Estados Unidos, esse filho quis encontrar sua mãe biológica. Mas, dela, sabia só o nome, Nobue Ouchi. E a cidade em que morava, Shizuoca. Pediu ajuda e o governo japonês respondeu indicando que nada poderia fazer. Decidiu ir até lá, confiando que a sorte ajudasse nesse encontro. Começou a passear, pelas ruas da cidade, sem sequer saber direito como começar. Até que viu, num letreiro, seu próprio nome, Restaurante Bruce Hollywood. Perguntou, a um garçom, o nome do proprietário. Era ela. Sua mãe. O Destino é um Deus sem nome.

EDUCAÇÃO. Em Tel Aviv (Israel), na escola Aron Singalovsky, só 1/3 dos alunos fazem faculdade. Os demais vão para cursos profissionais, sobretudo nas áreas de robótica e informática. E com salários bastante altos. Seria um bom caminho também no Brasil?, eis a questão.

ESTÁTUA DE MIQUELÂNGELO. Mais conhecida estátua do mundo, com 5 metros de altura, é David de Michelangelo (di Lodovico Buonarroti Simoni). Está hoje, depois de 350 anos exposta ao relento, na Galleria Degli Uffizi (Florença, Itália). É aquela do “Parla”. Agora o jornal Povo anuncia que, numa escola de Tallahassee (USA), pais protestaram pela exibição, aos alunos, de um homem nú. “David pornográfico”, segundo O Sol. Com possíveis perturbações nos alunos. Citando o Daily Mail, o jornal informa que Hope Carrasquilha, professora há mais de 26 anos e diretora da escola, acabou demitida.

FACADAS. O Jornal de Notícias anuncia que “denunciado por assaltar assassina testemunha com 9 facadas”. É bom Moro começar a se preocupar, que a vingança corre solta. Por falar nisso, lembro Fernando Pessoa (Os Preceitos Práticos…): “É melhor matar com honra do que ameaçar de morte, porque os mortos já não pensam em vingar-se”.

IRAN. Polícia avisa às mulheres que o uso de hijab é obrigatório mesmo dentro dos automóveis. Já no cantão suíço de Saint-Gall, 67% dos habitantes, em plebiscito, votaram a favor da “proibição da burca em espaços públicos”. Imitando a região vizinha de Ticino. Só para lembrar não existe lei, na Suíça, regulando as formas de vestir. Devendo, esse assunto, ser decidido em cada cantão.

MARROCOS. Capa de OP dá “Casbahs, sentinelas do passado à procura de um lugar no futuro”. Porque as antigas construções, no local, são perfeitamente “adaptadas ao clima”. E, restauradas, “se convertem em belas pousadas”. O futuro, às vezes, é o passado.

MENDIGOS. O Congresso de Luxemburgo acaba de aprovar lei proibindo mendigos, nas ruas, entre 7:00 e 22:00 horas. Não é a primeira, na Europa. Alguns cantões da Suíça inovaram essa prática no ano passado. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vai examinar o caso. A esperança é que declarem violar os direitos básicos da cidadania.

QUOTAS. A partir desse ano letivo (começa em setembro), segundo OP, “universidades e politécnicas terão vagas para alunos mais pobres”. Em vez das quotas raciais, como no Brasil, serão quotas sociais. Abrindo um debate que, breve, vamos ter que fazer também no Brasil.

SEXTA-FEIRA. Está em curso, por aqui, o projeto de uma semana de 4 dias. O Diário de Notícias anuncia projeto-piloto já com 99 empresas que encerram seus expedientes na quinta, para voltar a funcionar só na segunda seguinte. A Assembleia Nacional avisa que, se der mesmo certo, vira lei. Será que algo assim, no Brasil, daria certo?

TRABALHADORES DO SEXO. OP dá notícia em primeira página. O MTS (Movimento das Trabalhadores do Sexo) reage a Acórdão do Tribunal Constitucional que decidiu a “despenalização do latrocínio simples”. Em Portugal essa gente é muito organizada. Falta ver se algo assim pode ocorrer no Brasil.

TRÊS PAIS. OP anuncia que a Comissão de Ética do governo Costa (do PS) autorizou registros de nascimentos em que não constem o nome da mãe (caso das barrigas de aluguel); podendo, ao invés, ter o nome de até 3 pais. Sei não…

P.S. José dirigiu-se ao Pingo Doce (Porto). Para comprar azeite. Deixou carteira em casa e levou só uma cédula de 10 euros. Na hora de pagar, ela escapou da mão. E o cidadão que estava atrás, na fila, gentilmente pegou. Já se preparando para agradecer, José viu aquele estranho pôr o dinheiro no bolso da própria camisa.

– Perdão, mas a cédula é minha.

– O que está no chão é de quem pegar.

E não devolveu. Para indignação de José, da caixa, e de todos os funcionários e clientes que assistiram a cena. Depois de algum tempo, quando o cidadão já se dirigia para seu carro, decidiu ir atrás. Ele e uma pequena multidão que assistiu a cena. Para fazer nem sabia o quê. O tal senhor chegou na sua caminhonete de luxo, pôs as duas sacolas no chão, tirou do bolso a chave, tocou nela e a porta do bagageiro começou lentamente a subir. Foi quando José se abaixou e agarrou uma sacola em cada braço, com pronta reação do outro

– Elas são minhas.

– Correção, sr. dr., o que está no chão é de quem pegar.

E saiu correndo com suas compras.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

CONVERSAS DE ½ MINUTO (28)

Lisboa. Mais conversas, em livro que estou escrevendo (título da coluna). Como sexta passada foi o dia de Santo Ivo, padroeiro dos advogados, hoje só com eles. Com nós, melhor dizendo.

* * *

ADMALDO MATOS, advogado. Com caso para decidir, na Secretaria da Fazenda de Pernambuco, chamou o procurador João Pinheiro Lins e pediu parecer. Ele

‒ O que deseja?

‒ Só diga o que achar certo.

E João, balançando os dedos no rosto de Admaldo, sentenciou

‒ Está pensando o quê? Eu não estou aqui para obedecer nenhuma lei, meu papel é só dar fundamento jurídico às arbitrariedades da administração.

* * *

ANTÓNIO VALDEMAR, escritor. Lembrou casos reais ocorridos nos tribunais de Lisboa:

– Advogado: Qual foi a primeira coisa que disse o seu marido quando acordou, aquela manhã?

– Testemunha: Ele disse Onde estou?, Berta.

– Advogado: E por que é que se aborreceu?

– Testemunha: O meu nome é Célia.

* * *

– Advogado: Aqui no tribunal, para cada pergunta que eu lhe fizer, a sua resposta deve ser oral, está bem?

– Testemunha: Sim.

– Advogado: Que escola frequenta?

– Testemunha: Oral.

* * *

– Advogado: Doutor, antes de fazer a autópsia, o senhor verificou o pulso da vítima?

– Testemunha: Não.

– Advogado: O senhor verificou a pressão arterial?

– Testemunha: Não.

– Advogado: O senhor verificou a respiração?

– Testemunha: Não.

– Advogado: Então é possível que a vítima estivesse viva quando a autópsia começou?

– Testemunha: Não.

– Advogado: Como é que o senhor pode ter a certeza?

– Testemunha: Porque o cérebro do paciente estava num jarro sobre a mesa.

– Advogado: Mas ele ainda poderia estar vivo?

– Testemunha: Sim, é possível que estivesse vivo a tirar o curso de Direito em algum lugar!!!

* * *

FERNANDO LYRA, ministro da Justiça. Lyra me procura, feliz,

‒ A Câmara de Vereadores de Caruaru (Pernambuco) decidiu dar meu nome a um novo conjunto habitacional que vai ser inaugurado. Por favor, redija o parecer da Comissão de Justiça para fundamentar a votação.

‒ Má notícia, amigo. É que você vai precisar ir para o céu, antes. A Lei 6.454/77 só permite nome em “logradouros e monumentos públicos” depois que o cidadão morre. Infelizmente. Ou não, que você ainda está vivo.

Foi embora irritado. Um mês depois, mostrou lei criando o “Conjunto Habitacional Fernando Soares Lyra”. E parecer da Câmara firmado por um jurista/vereador. Dizia mais ou menos assim (resumo):

‒ Há homens mortais e aqueles eternos. Para os primeiros, o tempo conta. Já para os outros, não. Que, por tudo que fizeram, jamais serão esquecidos. A lei dos nomes vale só para mortais. E, nunca, para eternos ainda em vida. Como Fernando Lyra. Por isso, nada impede que se dê o nome do ministro a esse Conjunto Habitacional.

E Fernando completou

‒ Juristas bons são os de Caruaru.

* * *

GENTIL MENDONÇA FILHO, advogado trabalhista. Fomos colegas de classe no Colégio Nóbrega. E próximos, ao longo de nossas vidas. Começo de fevereiro, vésperas do Carnaval, estava num quarto de hospital e pediu para falar comigo. Foi a última conversa que tivemos. Vesti avental de papel, máscara no rosto, essas coisas de proteção para os pacientes e entrei. Ele, sem meias palavras,

– É danado, amigo Zé Paulo.

– Pare com isso, Gentilzinho, amanhã você já está bom.

– Levei os exames que o doutor pediu, perguntei o que é que eu tinha, e sabe o que ele respondeu?

– Não…

– Doutor Gentil, o senhor está apodrecendo.

Pouco depois acabou, no dia 11, quinta feira. Na véspera, foi quarta-feira de cinzas. Agora, as cinzas eram ele. Vida injusta. “E para ti, ó Morte, vá a nossa alma e a nossa crença, a nossa esperança e a nossa saudação!”, palavras de Fernando Pessoa (Bernardo Soares, no Livro Desassossego). Quando refiz o diálogo, escrevi “Você está morrendo”. Sua viúva, Paula, a quem pedi autorização para contar essa história, corrigiu

– Foi assim não, eu estava presente.

Riscou morrendo e escreveu, em seu lugar, a palavra correta, apodrecendo. Viva Gentil.

* * *

GIBRALDO MOURA COELHO, advogado penalista. Na Ditadura, quando Nilo Coelho foi nomeado governador de Pernambuco, a gente ficava dizendo ao velho comunista

– Agora você vai se apresentar, dando ênfase no sobrenome, como Gibraldo Coelho (assim era conhecido). Só para ter vantagens, nas delegacias, por pensarem que é parente do governador.

– Parem com isso, por favor, todos sabem que sempre fui oposição.

– Nada, Gibraldo, você quer mesmo é faturar.

E foi tanta brincadeira que tomou uma decisão drástica. Trocou de nome. Passando a ser, para todos os fins, Gibraldo Moura. Na placa do escritório, nos papéis, no catálogo telefônico, nos cartões de visita. Só não contava é que o governador que substituiu Nilo Coelho fosse José… Moura. Como ele, agora, Gibraldo Moura. E não perdi a oportunidade

– Bicho inteligente, virou Moura só para se aproveitar do sobrenome.

– Aqui para nós, amigo, Ele não foi justo.

– Ele quem?, Gibraldo.

– Deus, Zé Paulo. Deus.

* * *

(MARCELO NAVARRO) RIBEIRO DANTAS, ministro do STJ. Em 14/07/2022, mandou mensagem

– Viva os 107 anos do glorioso América Futebol Clube, de Natal.

Após o que completou

– Outro evento, de menor importância, são os 233 anos da Revolução Francesa.

* * *

Mandou foto de placa em barzinho que frequenta, na Praia de Pirangi (RGN),

‒ Pão na chapa:
Com manteiga, 2,50.
Com margarina, 2,00.
Sem manteiga, 1,50.
Sem margarina, 1,00.

* * *

Ao pensar nas dores da alma, escreveu

– Amargura?
Amar cura.
Solidariedade?
Só lhe dar a idade.
Morri?
Amar, ri.
Sentimento?
Sem ti minto.
Jamais?
Já, mas…

* * *

ROBERTO ROSAS, advogado. Lembrou que perguntaram ao Ministro Orozimbo Nonato, do Supremo,

– O senhor foi juiz?

– Fui.

– E quando largou o apito?

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MAIS IMPOSTOS ???

Lisboa. A Reforma Tributária, tão esperada por todos e tão festivamente anunciada pelo governo Lula, deve ser vista com (muito) cuidado. E vou começar essa conversa lembrando que o professor Arthur Laffer (da Universidade de Chicago), ao examinar a Hawley–Smoot Tariff Bill (1930), enunciou tese que acabou conhecida como Curva de Laffer. Para ele, a arrecadação pode ser aumentada só até certo limite. Após o que, a cada novo tributo, ela diminui. Ocorre que, ao enunciar sua Curva, Laffer imaginava que dito limite se daria por volta de 70% do PIB. Posteriormente (1984), os professores Cristina e David Sobel (da Universidade de Berkeley) estudaram melhor sua planilha. E chegaram a um patamar diferente, bem menor e hoje consensualmente aceito pelos economistas, de 33%. A partir daí, a sociedade recusa-se a pagar mais. E começa a se proteger. Com evasões e práticas poucos nobres, por vias lícitas ou ilícitas, esse o mundo real. Sendo bom lembrar que, no Brasil, andamos bem acima desse limite prudencial, já perto dos 40%. Quase o dobro da média dos demais países da Latino-América. E não dá mais para aumentar tributos. Simplesmente isso. Ou não daria, se bom senso houvesse.

Certo que a Reforma Tributária proposta pela PEC 45/2019, e apoiada pelo governo, passa a concentrar a tributação no consumo. Sobretudo com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços ‒ IBS, uma espécie do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) em vigor no Primeiro Mundo. Em substituição a IPI, ICMS e outros tributos com a mesma lógica. Problema é que União, Estados e Municípios querem mais. O desejo explícito desses todos, declarado quase, é sempre só a elevação da carga tributária. Razão pela qual já se pode pressentir que não vai dar certo.

Começando pelos municípios, faz pouco os prefeitos fizeram a 24ª Marcha de Brasília. E já receberam promessas da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de que vai haver aumento de receitas para eles. Mesmo com o ministro Haddad declarando, aos prefeitos da tal Marcha, que “o sistema brasileiro é o mais caro do mundo”. Para ser coerente, jamais se poderia corresponder a essas demandas tornando tudo ainda mais caro. E vai “aumentar receitas”, palavras de Tibet, a partir de onde? O governo silencia.

Se falo em prefeituras, toco apenas em um ponto que poderia engordar suas contas. Faz pouco perguntei ao amigo Rui Moreira, prefeito do Porto (Portugal), 3 vezes eleito por fora dos partidos políticos como candidato independentemente (lá pode, aqui não), qual seu salário. De 1.500 euros, respondeu. Cerca de 8 mil reais. E qual o salário dos vereadores? Só para lembrar, o Brasil é o único país do mundo em que vereadores recebem salários. Lá se chamam Conselheiros Municipais. E é de 35 euros por sessão, a cada comparecimento. Cerca de 200 reais. O suficiente para taxi e um lanche. Com 2 sessões por mês. As reuniões se dão na própria sala do prefeito. Custo zero para a prefeitura. Segundo nossa Constituição (art. 29-A), os totais de despesas com Câmaras de Vereadores, no país, variam entre 7% (municípios com até 100 mil habitantes) e 3.5%, (para os que tenham mais que 8 milhões). O Recife está na faixa dos 4.5%. Para quem goste de comparações, nossa Câmara de Vereadores do Recife custou, só no ano passado (2.022), quase 220 milhões (mais exatamente, 219.352.890,50). Recursos que poderiam ser destinados a outros gastos do município, inclusive educação e saúde, sem que fosse necessário qualquer aumento de arrecadação com novos tributos.

Nos estados basta ver que primeira coisa que fizeram, este ano, foi voltar os tributos sobre combustíveis. Quando todos os contribuintes desejam redução no preço, até para ajudar na recuperação econômica do país depois de uma pandemia. Como uma ironia sem sentido, o ministro Haddad falou em nome dos 27 governadores dizendo que a reforma “coloca o cidadão acima de tudo”. Assim, como?, senhor ministro. Cobrando ainda mais? Fosse pouco, o ministro Alexandre de Moraes ignorou o Congresso Nacional e já autorizou os estados a compensar as perdas tidas, no governo passado, com o “teto do ICMS”. Mesmo com lei determinando essa redução. Para o Supremo, o Congresso vale muito pouco. Ou nem isso.

Já com relação ao Governo Federal, a marca é a da gastança desenfreada. As primeiras medidas foram simbólicas. Como dobrar o número de ministérios (para acomodar aliados), com enorme aumento da máquina. Ou criar 4 cargos de Adidos Tributários, nas embaixadas de países que falem português ou espanhol, com salários de 100 mil reais. “Para quê?”. Como o gaúcho “em louca arrancada”, do mestre pernambucano Ascenso Ferreira (Gaúcho), “Pra nada!”. No caso, até agora, para acomodar irmãos de ministros. Seria cômico… O salário mínimo já aumentou além da inflação. É pouco, sei bem. Só que são 4 bilhões a mais, por ano, para a Previdência.

Acrescente-se 50 bi para limpar contas dos devedores, às custas do BNDES, promessa de campanha. A elevação da faixa de isenção do IR, outra promessa de campanha, que segundo a XP Investimentos vai corresponder a mais 216 bilhões em 4 anos. E ainda 9 bilhões (por enquanto) para a Argentina, imitando um roteiro que conhecemos bem, imitando Angola, Cuba, Venezuela. E de onde vem tanto dinheiro? Vamos emitir? Se for, a inflação vai explodir. E ninguém se espante caso surja um Imposto sobre Dividendos, bem distante dos padrões do Primeiro Mundo. Ou um Imposto sobre as Grandes Fortunas, que não existe em nenhum país importante do planeta. E nem se sabe o quê, mais. Única certeza, portanto, é que vamos ter (ainda) mais impostos.

Segundo especialistas, também vem por aí um novo “Arcabouço Fiscal” a ser proposto pelo governo. Problema é que, segundo os jornais, destoa de quase todos os países que adotaram Regra Fiscal similar. E, segundo os economistas, ele só correria o risco de funcionar bem quando ocorresse: a) grande aumento de arrecadação, que não haverá; b) grande crescimento do PIB, também não; ou c) grande inflação, essa bem provável.

Para sorte nossa, são só previsões de gente que tem errado muito. E é sempre bom lembrar Roberto Campos (As melhores frases…) que dizia “Há 3 maneiras de o homem conhecer a ruína: a mais rápida é pelo jogo; a mais agradável, com as mulheres; a mais segura, seguindo os conselhos de um economista”. Ou lord (John Maynard) Keynes, em frase que lhe é atribuída, “Para o economista prever o passado representa a glória, e descrever o futuro sua perdição”. Provavelmente não será dele. A mais parecida com esta que encontrei, na sua obra (em Teoria geral do emprego), foi “A verdadeira dificuldade não está no aceitar ideias novas, mas escapar das antigas”. Em resumo, brasileiras e brasileiros, dois caminhos estão traçados: para os pessimistas, chorar; e, para os otimistas, rezar. Muito.

PS. Foi cassado Dalton Dallagnol, Deputado Federal mais votado do Paraná (344.917 votos). É tempo de vingança. De sangue. A Democracia chora.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

PODER SUPREMO

Lisboa. A democracia, segundo o ex-Primeiro Ministro da França Pierre Mendès France “é, antes de tudo, um estado de espírito”. E, se assim for, quem deveria mandar era o povo. Só que infelizmente, por aqui, esse Poder não somos nós, povo, mas o próprio Supremo. Prometo passar um tempo sem falar dele, fique o leitor tranquilo. Mas não dá para calar, agora. Que este silêncio seria quase cumplicidade.

Ao Supremo, já não basta ser o único Tribunal similar, no mundo, que não é só uma Côrte Constitucional. Nem também o único, no mundo, que admite decisões monocráticas. É pouco. Ele, agora, se acostumou a invadir a esfera de competência dos outros poderes da República. Em violação aberta à Constituição, (art. 2º, “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”). E a própria competência, expressa e limitada, do próprio Supremo (art. 102, I “julgar”, II julgar”, e III “julgar”, somente.

A esfera do Poder Executivo, por exemplo, invade quase todos os dias. Desde proibir nomeações para cargos a vedar helicópteros voando sobre as favelas. A da semana passada foi dizer que um indulto, concedido pelo Presidente, não vale. Mesmo contra regra expressa da Constituição que lhe confere esse poder de “conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos institucionais em lei” (art. 84, XII). Sem nenhum condicionamento a qualquer exigência. Segundo o Estadão, é que os ministros “estão indo à desforra”. E se trata só de “vingança”, palavras do jornal. Assino em baixo.

Já no Poder Judiciário é todo dia. Como faz pouco, em decisão monocrática e fora de qualquer recurso, quando o ministro Toffoli (que não fazia parte do processo) mandou para casa um corrupto, Prefeito de cidade do Amapá, condenado em última instância com sentença transitada em julgado.

Agora, mais uma vez, é o Poder Legislativo. Está sendo votado, no Congresso, um projeto de lei das Fake News. O Ministro Alexandre de Moraes foi filmado levando papéis, segundo a imprensa um Projeto, ou alterações ao que estava em curso, para entregar ao relator Orlando Silva (PCdoB). A rigor não poderia, ética ou funcionalmente. Que, quase com certeza, vai julgar casos com base nessa lei. E deveria ser imparcial. Como a mulher de Cezar (Pompeia Sula), não lhe bastaria ser isento (objetivamente), mas aos olhos de todos parecer isento. E não é, sem dúvida possível.

Mas o que afinal fará agora?, eis a questão. Vai é legislar ele próprio, Supremo, tudo leva a crer. Já fez isso, antes, muitas vezes. Como, em 2019, para criar os crimes de “homofobia e transfobia”, que seriam equivalentes ao de “racismo”.

Fosse pouco vai fazer ainda mais, a partir do próximo dia 19/05, quando (é o que se diz) vai proibir a demissão de empregados. Sem ouvir o Congresso. Se acharem injustas as atuais leis trabalhistas, senhores, saiam do Supremo e se candidatem. Para apresentar, acaso eleitos, um Projeto de Lei. Mas converter uma Côrte, feita para julgar, em órgão fazedor de leis, é um acinte.

Segundo a Folha SP, nesse caso das Fake News, o projeto “cria risco de controle estatal”. E O Globo sugere que o Supremo vai invocar suposta “omissão legislativa”. Só conheço um caso semelhante, no mundo, em que isso (quase) ocorreu. Quando na Itália se retardava na votação do Bozza Mammi (um projeto do ministro das Comunicações, Oscar Mammi). E a Côrte de Cassação notificou, o Congresso, de que não poderia mais ficar naquela posição de “self restraint” (usou, no ofício, essa expressão norte-americana). O que fez com que a nova Lei das Comunicações italiana fosse logo votada, pelo Congresso. Não sendo preciso criar nada pela Côrte. A pergunta é se, nesse caso das fakes, o Congresso será mesmo omisso. Haverá consenso, no mundo, e estaríamos sem legislar por aqui? Aos fatos, senhores.

Nos Estados Unidos, país reconhecidamente democrático, não existe uma única lei sobre o tema. Zero. E na Europa? Um país, Alemanha, tem lei sobre o tema, a Netzdg. Outros começaram a copiar. Mas a comunidade Europeia foi logo em frente e já se pronunciou. Quando o provedor não tenha “Capacidade Editorial”, ele é considerado só hospedeiro. Sem que se lhe possa imputar nenhuma responsabilidade. Fora disso, aplica-se a Lei de Imprensa. Tudo segundo o “Digital Services Act”. Sem nenhuma invenção que possa levar à censura.

Pessoalmente, creio que o tema deveria ser objeto de um tratado. Em que se buscasse a convergência de todos os países. Depois da Primeira Guerra, com a Convenção de Genebra, os países estabeleceram regras uniformes para notas promissórias (1930) e cheques (1931). Antes, no século XIX, acertaram regras para valer nas guerras. Por exemplo protegendo a Cruz Vermelha (depois, também o Crescente Vermelho), para garantir tratamento humanitário aos feridos. Por aí. Em algum momento, vai ser mesmo necessário fazer uma Convenção similar, para o tema. Só que não há nenhum movimento em curso, ainda.

No caso, o Congresso tem o poder de decidir ainda não ser tempo de fazer uma lei como essa das fake news. É direito seu. Por não haver consensos mínimos, ou ante o risco de cair na censura. Tudo sugerindo que melhor seria discutir o tema com mais calma. E mais gente. Em vez de fazer tudo às pressas. E depois votar, ou não. Isso não é “omissão legislativa”, senhores. É só uma decisão, do Poder Legislativo, por não legislar.

Ocorre que o Supremo não ouve ninguém. E vai fazer sua própria lei. A do projeto Alexandre de Moraes, provavelmente. Ou outra, que venha pronta do Palácio de Planalto. Isso está certo? Será bom para o “estado de espírito” da Democracia? Nossa Côrte maior, que deveria zelar para que a Constituição fosse respeitada, emite sinais frequentes de que está assumindo o protagonismo de outro papel. Por fora dessa Constituição. Para além dela. Recordo comentário de Fernando Pessoa a seu amigo (e futuro biógrafo) João Gaspar Simões, em 11/12/1931, “Pasmo hoje, com vergonha inútil, de quanto admirei a democracia e nela cri”. Pois é.

PS. Lula nomear seu advogado Cristiano Zanin, para o Supremo, não é uma escolha. É um deboche.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

AQUI JAZZ

Domingo foi o Dia Internacional do Jazz. Criado pela Unesco e anunciado, ao público, por Herbie Hancock ‒ um mago do piano, quem já ouviu sabe por quê. Volto ao passado (de vez em quando faço isso, espero não seja por conta da idade). Tudo começou em 1969, tinha 20 anos e cursava o quarto ano de Direito na Católica. Foi quando a Ditadura decidiu que não podia mais estudar no Brasil, e em nenhum outro lugar se possível (depois, ainda me proibiriam de ensinar). Não em razão das notas, aqui para nós. Mas por ser presidente do Diretório Acadêmico, imagino. Que pedir democracia, naquele tempo, era crime. Manda quem pode, obedece quem tem juízo ‒ ou pensa que tem, o que dá no mesmo. E acabei nos Estados Unidos.

Estávamos em Nova Iorque, na Universidade de Columbia (no subway, uma parada antes da 114 st. e do Harlem ‒ no tempo em que o Harlem era o Harlem, senhores) e íamos, todas as noites, ao Village Gate. Pagando só 5 dólares para ouvir semideuses da música e o mais puro jazz. Primeiro entrava Thelonious Monk, negro enorme que mal cabia no piano, dedos que mal cabiam nas teclas, e tocava como se fosse um predestinado. Só para ele e os anjos. Depois subia no palco outro negro, magro e elegante, com um pistom dourado – primeiro assim que vi, na vida. Era o grande Miles Davis. E ficavam tocando, os dois juntos, até muito depois de todas as horas razoáveis – para estudantes como nós, claro.

Já em Harvard, na cidadezinha de Cambridge (onde fica a universidade, separada de Boston pelo Charles River), o programa nos fins de semana era ir a Tanglewood ‒ pequena propriedade rural entre Lenox e Stockbridge. Seu gramado bem verde ia descendo, sem pressa, até um lago. Dentro do terreno, pequeno palco para orquestra. Ouvíamos a famosa Sinfônica de Boston, então regida por William Steinberg. Na entrada, recebíamos dois cobertores: um para forrar a grama, húmida, outro para proteger do frio. Mais uma caixa com sanduiches. E lá ficávamos algumas horas, de olhos fechados, ouvindo a orquestra. Talvez fosse o paraíso e não soubéssemos disso.

Anos depois, estava dando um curso em Harvard (por conta da UNESCO) e pretendi voltar a Tanglewood. O maestro, agora, era o consagrado japonês Seiji Ozawa, maravilha. Ocorre que, quando fui comprar as entradas, a mocinha da bilheteria disse, com ar de tristeza, “a temporada de sinfônica já acabou”. Para não perder a viagem perguntei se haveria, por lá, algum evento. E ela, como se fosse pouco, “Tony Bennett com a orquestra de Tommy Dorsey” ‒ apenas a orquestra, que seu inspirador morreu em 1956. E ficamos, deliciados, ouvindo esse que só não era o maior cantor do mundo por ter tido o azar de nascer na mesma época de Francis Albert (Frank) Sinatra. Em resumo, uma tarde inesquecível.

Agora circula, na internet, um vídeo com esse cantor de Nova Iorque, Anthony Dominick Benedetto. Quase 97 anos e com Alzheimer, iria ser apresentado ao público apenas para receber homenagens. Ocorre que, ao subir no palco, ele como que se iluminou. Ganhou vida. Cantou cerca de 15 músicas e saudou, sorrindo, Lady Gaga que entrava em cena para o acompanhar. A mesma que, apesar de encontros frequentes, havia tempos não sabia mais quem era. Até que, findo o espetáculo, voltou para seu mundo de sombras.

Volto ao presente. O Village Gate não existe mais; é apenas uma velha casa, agora vazia, com placa desbotada por cima. Tanglewood já não tem aquele ar de campo, mudou, é um anfiteatro enorme. E Tony Bennett nem sabe mais quem é. Seja como for, viva o jazz. Sugiro duas rádios, na internet, para quem se interesse: a Kjazz, de Los Angeles; e a Jazz Radio, de Paris. Se preferir música clássica, tem a BBC de Londres, com 5 canais ‒ um deles só para sinfonia, outro só para ópera. Proust (A fugitiva) recomendava saborear o passado “não de uma vez, mas grão a grão”. Assim seja, também, nas lembranças. Penso num poema de Pessoa (Há quase um ano não escrevo) e repito, com suas palavras, que ando com “saudades de mim”.

P.S. Para despedida, e sem sair do tema, lembro historinha do advogado (quem diria?) Ary (Evangelista) Barroso. Morreu de tanto beber. Em pleno carnaval, e ao perceber que a cirrose hepática o iria vencer, escreveu seu epitáfio num papel e pediu à mulher, Ivone, que pusesse no seu túmulo:

‒ Aqui jaz um homem que odiava jazz.

Ary embirrava mesmo com tudo. Segue uma prova disso. Já no hospital, os amigos convenceram (o recifense) Antônio Maria que não poderia ver Barroso morrer sem se reconciliar com ele. Maria concordou. Se abraçaram, emocionados. E Ary, com voz fraca, pede que Maria cante uma música dele, Ary. Maria, então, cantou Aquarela do Brasil. Ary aplaudiu, emocionado, e implorou que Maria lhe pedisse para cantar uma música do próprio Maria (Ninguém me ama, Manhã de Carnaval, tantas).

‒ Não precisa, Ary,

Preocupado com o fato de que não teria forças para cantar. Mas concordou.

‒ Tá certo. Ary Barroso, por favor cante uma música minha.

‒ Não posso, Maria, que não conheço nenhuma.

‒ Porque é um canalha.

‒ E você um cafetão.

E morreram brigados. No caso do túmulo só não entendo é que a mulher de Ary, por pirraça (deve ter tido lá suas razões), não atendeu seu último desejo (salve Noel). Acontece.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

VIVA PERNAMBUCO

Em um dia como o de amanhã (22 de abril), a data é oficial, o Brasil foi descoberto. Mas seria bom voltar no tempo e ver isso com mais vagar, seja para precisar melhor a data, seja para situar o papel de Pernambuco nesse descobrimento. Em seu Discurso de Posse na Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras, Marco Maciel declarou que “Pernambuco é um sol a brilhar no infinito”. Referia-se ao hino de nosso Estado, claro. Mas, também, a uma história que vem de longe e nos orgulha. Em nossa terra, permitam dizer com modéstia bem pernambucana, o Brasil nasceu. Quando, em 26/01/1500, Vicente Yáñez Pinzón (por esse feito condecorado pelo rei Fernando II, de Aragão) desembarcou no hoje Cabo de Santo Agostinho, por sua expedição então logo denominado Cabo de Santa Maria da la Consolación. Um ancoradouro natural, onde está o Porto de Suape. Assim que chegou, pronunciou frase que entrou para os livros “Esse é o lugar de mais luz da terra”. E tudo bem antes do tal 21 de abril.

Trata-se da mais antiga viagem, documentalmente comprovada, ao território nacional. Desde quando a esquadra de suas quatro caravelas partiu de Palos de la Frontera, em 19/11/1499. Tudo como bem descrito pelos cronistas (historiadores) da época, Pietro Martire D’Anghiera e Bartolomeu de las Casas. Não sendo reivindicada pela Espanha, sua posse, apenas por caberem essas terras a Portugal ‒ em razão do Tratado de Tordesilhas. Dando-se que por ele, de 1494, restaram divididas as terras “descobertas e por descobrir” a partir de meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão, no arquipélago de Cabo Verde. A oeste, caberia ao reino de Castela (Espanha). E, a leste, Portugal. Onde estava Pernambuco, descoberto por Pinzon.

Só que nem sempre a descoberta do Brasil foi comemorada nesse 22 de abril. Até 1817, de dava em 3 de maio. Tudo culpa do historiador Gaspar Correia (1495-1561); que imaginava ser, a data, homenagem ao próprio nome dessas terras ‒ então Ilha de Vera Cruz (e, logo depois, terra de Santa Cruz). Celebrando-se, em dito 3 de maio, o Dia da Santa Cruz. Até quando aqui veio dar a família real, tangida por Junot, general preferido por Napoleão, O filho dileto das vitórias. E, com essa família, veio também a Carta de Pero Vaz de Caminha. Aquela em que pedia ao Rei D. Manuel, O Venturoso, um emprego para seu genro Jorge d’Osoiro. Morrendo Caminha, em Calicute, sem saber que seu pedido, em favor do destrambelhado genro, foi afinal atendido. Sendo, tal carta, lida com atenção pelo padre Manuel Aires de Casal; sabendo-se então, por ela, que o Monte Pascoal foi afinal avistado num 22 de abril. Fosse pouco, a data chegou a ser um feriado nacional. Em boa hora revogado por Getúlio Vargas, junto com outras datas comemorativas, por achar demais tanta folga para os brasileiros.

Mas outras dúvidas persistem. Para o escritor potiguar Lenine Pinto, por exemplo, Cabral chegou ao Brasil em 1500, mas não na Bahia; e, sim, no Rio Grande do Norte. Indicando, com argumentos convincentes, que o Monte Pascoal, primeiro ponto de terras que teria sido avistado por Cabral, simplesmente não é visível a partir do mar. O que viu Cabral, na verdade, teria sido o Pico do Cabugi ‒ no interior, hoje a uma hora de automóvel do litoral. Um monte que atende perfeitamente, esse Cabugi, à descrição de Cabral. Por ser visto com destaque, ainda hoje, pelos marinheiros. E muitos acreditam nisso. Entre eles, o ministro do STJ Marcelo Navarro.

Em Portugal, também se diz que primeiro descobridor dessas terras teria sido, na verdade, Duarte Pacheco Pereira, navegador luso que Camões definia como “Aquiles Lusitano”. Duarte escreveu, em 1505, o livro Esmeraldo de Situ Orbis; indicando que ele próprio teria chegado em algum ponto da costa entre o Maranhão e o Pará, entre novembro e dezembro de 1498; daí se dirigindo ao norte, alcançando a foz do Amazonas e a ilha de Marajó. No livro está que “É achado nela (na terra descoberta) muito e fino Brasil. Com outras muitas coisas de que os navios nestes reinos vêm grandemente povoados”. Não sendo tornada pública, dita viagem, por saber Portugal que caberiam, as terras, ao Reino de Castela, em razão do Tratado de Tordesilhas (como vimos, de 1494). Sem qualquer outra prova, tudo se baseia somente nesse relato. E muitos, hoje, acreditam que assim aconteceu mesmo. Como o escritor português Miguel Souza Tavares. Fique o registro.

Seja como for, hoje como sempre, é prova de bom gosto e de sabedoria sempre dar vivas a Pernambuco.

P.S. Vênia para louvar nosso estado em uma pequena história. Tudo começou com dona Celina Pina, mulher do doutor Sizenando Carneiro Leão. Antônio, seu filho querido, iria ser doutor pela Sorbonne. A realização de um sonho. No dia da viagem, o Aeroporto dos Guararapes estava cheio com família, empregados, amigos, vizinhos, o mundo inteiro para dar adeus a Toinho. Na hora do embarque, a mãe o chamou para conversar.

‒ Queria lhe dar três conselhos, filho. Um, estude muito para ser o primeiro aluno da classe. Dois, de noite, não saia para beber nem raparigar. Três, e nunca diga a ninguém que nasceu em Pernambuco.

Toinho estranhou.

‒ Minha mãe, os dois primeiros conselhos até entendo, mas esse terceiro?

E ela completou

‒ É por ser muita falta de educação contar vantagem.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

PRESENTES…

Fernando Pessoa começa poema (O marinheiro) dizendo “Falar no passado ‒ isso deve ser belo, porque é inútil e faz tanta pena…”. Seja como for, e mesmo inútil, esse caso do presente das joias me leva a dois momentos de um passado que passou. A eles, pois, recordar é viver.

1. A Câmara dos Deputados decidiu providenciar um novo Regimento Interno. E o secretário da mesa diretora, deputado Waldir Pires ‒ depois seria ministro da Previdência no governo Sarney e governador da Bahia (1987/1989) ‒ pediu que redigisse minuta para ser votada. Em razão só de nossa amizade. Sem nenhuma remuneração pelo trabalho, não custa lembrar. Fiz isso a partir de regimentos entre si muito semelhantes, nos países do Primeiro Mundo. Sem inventar novidades. Apenas escolhendo as melhores regras, nas boas democracias. Sobretudo em relação à moralidade no exercício da função pública. Inclusive proibindo que parlamentares pudessem ter emissoras de rádio e televisão. Já é assim, na Constituição; só que no mundo real, por interpretação muito discutível do próprio Congresso Nacional, acabaram esses parlamentares apenas sem poder ocupar cargos de direção nas empresas. E quem quiser saber quantas estações foram deferidas a parlamentares, pelos governos (de direita ou de esquerda, civis ou militares, tanto faz), vai se assustar. Ali vale a Regra de São Francisco, é dando que se recebe.

Outra providência foi também vedar que parlamentares (como empresas controladas por eles ou familiares) pudessem firmar contratos com o governo. Especialmente tomando grana em bancos públicos. Outra farra. Até perceber, nas conversas tidas, que Deputados estavam querendo outra coisa, um Regimento de Etiquetas. Não pode falar alto, dizer palavrões, distratar colegas, por aí. Foi o que disse ao dep. Waldir Pires. E completei indicando que, se assim fosse, bastaria cortar os 18 primeiros artigos e começar o Regimento pelo art. 19. Respondeu que iria votar como entreguei. Até hoje. Palavras ao vento.

Ocorre que um dos artigos que redigi era, precisamente, o dos presentes. E o que vale (valia, naquele tempo, não deve ter mudado), nos países democráticos, é não poder exceder 10%, no valor, dos salários dos Deputados. O mesmo com almoços, jantares, viagens, lembranças. Exceção apenas com presentes de natureza claramente pessoal, como um quadro retratando o deputado. Mas, mesmo assim, apenas quando não houvesse interesse, de quem oferece o presente, em nenhum projeto que estivesse em votação na Câmara. Era (é) uma boa regra. E deveria valer não só para Deputados Federais. Além deles também para Vereadores, Deputados Estaduais, Prefeitos, Governadores, Senadores, Ministros e, sobretudo, Presidentes da República.

2. Agora o outro caso. Chegam, na minha sala, dois velhinhos. O caso era simples. Adotaram uma criança de meses, nascida em Portugal. E este filho, já homem feito, agora os sustentava. Mas cometeu dois pequenos delitos (já nem lembro quais). Foi então definido, em interpretação fria dos regulamentares, que deveria ser deportado. O desespero dos dois decorria do fato de que o rapaz estava sendo devolvido à terra natal, onde não conhecia ninguém. Quando sua vida estava já estruturada por aqui. Até empresas tinha. E, sem seu filho perto, como sobreviveriam esses velhos? Pedi que o caso fosse reestudado com atenção; e a recomendação que depois recebi, no ministério, foi que melhor seria não extraditar. Devendo por aqui mesmo cumprir pena. E permanecer no Brasil, depois. Aceitei a decisão (com alívio) e disse aos velhos, que logo comunicaram essa boa nova ao filho.

Por conta de algum problema nas comunicações, essa decisão não chegou à Polícia Federal. E no avião da TAP estavam já o extraditado, algemado, tendo ao lado um policial federal que o acompanharia para que fosse entregue às autoridades portuguesas. Só que o jovem, surpresa para todos, subiu na poltrona e começou discurso dirigido aos outros passageiros: “Absurdo, a extradição foi revogada e a polícia não quer respeitar a decisão”, por aí. Resultado, o avião todo ficou ao lado do rapaz, exigindo que a Polícia Federal confirmasse aquilo que havia dito. Verificado o erro, permaneceu mesmo no Brasil.

Dias depois, os velhos foram de novo à minha sala. Para agradecer. A mulher havia bordado, ela própria, uma toalha de mesa. Era presente. Renda fina. Foi a forma deles de dizer obrigado. E tomei uma decisão lamentável. Respondi que não poderia receber, pois o valor excedia os 10% de meu salário (ainda tinha na memória aquele Regimento da Câmara dos Deputados que redigi). E o olhar de frustração, ou lamento, ou só tristeza enorme da velha dói em mim, até hoje, como flecha. Pudesse voltar o passado e, perdão, teria aceito o presente. Claro. Mesmo que, depois, entregasse ao ministério para por em alguma mesa de lá. E seguiu a vida. E cada qual no seu caminho. E não eram joias. E era só uma toalha. E nem era tão cara.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

PRIMEIRO DE ABRIL

Sábado passado foi 1º de abril. E talvez seja bom lembrar quando passou, esse, a ser considerado o Dia da Mentira. Segundo versão mais aceita, é preciso voltar no tempo. Até quando começava, o ano civil, em 21 de março (data do início da primavera europeia). Com celebrações que tinham seu clímax, precisamente, no tal 1º de abril. Em Roma, era a Festa da Primavera. Isso até fins de 1564. Quando o rei Carlos IX da França, atendendo recomendação do Concílio de Trento (1545 a 1563), fez coincidir o início do Ano Novo com a data da circuncisão de Jesus (assim se acredita), 1º de janeiro. Aposentando o calendário Juliano, até então vigente. Com o Papa Gregório XIII logo depois, em 1582, editando a bula Inter Gravissima, institucionalizando o novo sistema para todos os países católicos. Em sua homenagem, a partir daí, esse calendário passou a ser conhecido como Gregoriano. Convertendo 1º de abril, segue-se, no Dia do Ano Falso. Mas só bem depois, na França, começou a sua má fama. Desde aquela época um trouxa, por lá, é chamado Poisson d’Avril (peixe de abril). Tanto que Napoleão, ao casar com Maria Luísa da Áustria num 1º de abril (de 1810), ganhou precisamente esse apelido ‒ Poisson d’Avril. O nome é o mesmo em muitos outros países. Na Inglaterra, April Fool. Polônia, Prima Arrives. Escócia, Gowk (cuco). E por aí vai.

As brincadeiras ganharam, também, os meios de comunicação. Em um primeiro de abril de 1848, por exemplo, começou a circular em Pernambuco um jornalzinho chamado, não por acaso, A Mentira. Sua primeira manchete foi a morte do Imperador Pedro II. Só que Pedro II, como sabemos, morreu muito depois ‒ em 1891, na distante França. Mas essa é outra história. Os casos mais conhecidos de notícias mentirosas correm mundo. A BBC noticiou, em 1957, ter descoberto uma árvore de espaguetes. Em 1999 foi anunciado, no Rio Grande de Sul, que a grande Fernanda Montenegro havia ganhado o Oscar. Não era verdade mas deveria, pois ela merece. Em 1º de abril de 2000 o Google disponibilizou, ao público, uma página de buscas chamada Mentalplex, capaz de ler a mente das pessoas. Com ela, não seria mais necessário digitar o que se quer saber teclando na barra de busca. Bastaria olhar fixamente uma bolinha de cristal colorida, disponível na página. Com multidões de usuários tentando por dias conseguir operar o novo sistema, sem sucesso, até saberem ter sido só uma peça. Em 2008, o site de relacionamentos Orkut anunciou que mudaria seu nome para Iogurt. Sem contar o Jornal do Commercio (do Recife) que em 01/04/2018, na segunda capa da primeira página, deu manchetes como essas:

• País elimina corrupção.
• Políticos brasileiros são todos honestos.
• Brasil sem inflação vive a era de pleno emprego.
• Refinaria, um exemplo de boa gestão.
• Náutico, Sport e Santa nas semifinais da Libertadores.
• Boa Viagem fica livre dos tubarões.

Na literatura, são muitos exemplos. Como o do maior matemático inglês do sec. 19, Charles Lutwidge Dodgson, autor (entre outros livros) de Tratado Elementar dos Determinantes. E só bem mais tarde, em 1856, escreveu Alice no País das Maravilhas. Romance assinado por um pseudônimo, Lewis Carroll. Sendo o L e C, na capa, um anagrama imperfeito e invertido de C e L, os dois primeiros nomes civis desse professor de Oxford. Assim também se deu com Charles Dickens, que escreveu David Copperfield. O autor, CD, convertido em seu personagem, DC. LC é também, em inglês, o próprio som (pronunciado naquela língua) do nome de seu personagem Alice. Por coincidência, também se chamava Alice (Liddell) uma jovem amiga do autor. São muito diferentes; mas, no fundo, são semelhantes. Alice era mulher, LC homem. Ela jovem, LC velho. Ela não acreditava em Deus, LC um luterano empedernido. Ela quase analfabeta, LC um mestre. Alice era LC ao contrário. Como sugere no título do livro que veio a seguir, ele próprio seria Alice Através do Espelho. Seja como for deu tão certo que seu livro é, depois da Bíblia, o mais citado na literatura universal. Nele, vemos de tudo. Inclusive, e aqui chegamos ao ponto que nos interessa, essa curiosa definição que nos remete a um dia como o de sábado passado, “As falsas tartarugas são aquilo de que são feitas as falsas sopas de tartarugas”. Uma mentira dentro de outra mentira.

Pensando bem, a verdade é o que menos importa, nesse mundo em que hoje vivemos. Hannah Arendt, no seu Entre o Passado e o Futuro (Debates), escreveu: “A busca desinteressada da verdade tem uma longa história; caracteristicamente, sua origem precede todas as nossas tradições teóricas e científicas, incluindo nossa tradição de pensamento filosófico e político”. Já o Padre António Vieira diz, nos Sermões (37): “Mentem as línguas, porque mentem as imaginações; mentem as línguas porque mentem os ouvidos; mentem as línguas porque mentem os olhos; e mentem as línguas, porque tudo mente e todos mentem. Como os ouvidos são dois e a boca uma, sucede que, entrando pelos ouvidos duas verdades, sai pela boca uma mentira”. Mas, já encerrando, é impossível deixar de falar em nosso Brasil. Que, num 1º de abril, deu-se o Golpe de 1964. Depois, para não ficar mal com a história, trocaram tudo. A data ‒ que voltou um dia para ser, oficialmente, 31 de março. E o nome do evento ‒ que, em vez de Golpe, virou Revolução. Numa espécie de alusão à Revolução Francesa. Como se os enfants de la patrie (meninos de rua) e todo o resto do povo estivesse, nas praças públicas, em favor do movimento. O que, sem dúvida, é uma mentira.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

“LEVE” ?

Janeiro de 2010. Lula, presidente da República, estava indo a Davos ‒ onde receberia, no dia 29, o prêmio Estadista Global do Fórum Econômico Mundial. Mas seu avião fez parada, no Recife, para que inaugurasse uma UPA. Dá para acreditar? Problema foi ter, aqui, passado mal. O médico da presidência, destacado para a caravana oficial, era ortopedista e não conseguia definir o que tinha. Razão pela qual o levaram ao Hospital Português. Eduardo Campos, então governador de Pernambuco, estava preocupado. Que a imprensa entendia ser, aquele mal-estar, decorrente de uma discussão que tivera com o presidente. Pediu, então, que fosse atendido pelo doutor Murilinho Guimarães. Esse diminutivo, no nome pelo qual é conhecido, se deve a ser filho do grande advogado, e Reitor da UFPE, Murilo Guimarães (o mesmo acontece comigo; que, para os mais velhos, continuo sendo Zé Paulinho).

Murilinho Guimarães é consagrado (internacionalmente) especialista em pulmão. E, só para constar, estava em uma degustação de vinhos (norte-americanos), outra de suas muitas especialidades. Foi, correndo, ver de que se tratava. E, depois dos exames, o diagnóstico que deu foi “pneumonia, associada a hipertensão e dispneia como manifestações de uma sepsis se instalando”. Os da comitiva afirmaram que teria que viajar, naquela mesma noite, para a Europa. E Murilinho “vai morrer”; por não ser capaz de suportar, naquele estado, as grandes altitudes de um voo sobre o Oceano Atlântico. Lula falou com o médico Roberto Kalil. Decidiram que melhor seria ir até São Paulo, onde ficaria sob os cuidados do Sírio Libanês. E que o avião voaria, para lá, abaixo dos mil metros. Evitando os riscos da pressurização. Assim deve ter se dado, que chegou a seu destino sem maiores problemas. E Celso Amorim foi designado para representá-lo, naquele prêmio.

Entram em cena Franklin Martins e Dilma Roussef, ponderando que a versão de uma hipertensão leve seria melhor, politicamente. “A verdade é um cachorro que tem que ficar preso num canil”, dizia Shakepeare (Rei Lear). Pediram que Murilinho desse, nas televisões, esse diagnóstico. “Perdão, mas o que ele tem é pneumonia”. E recusou se prestar a esse papel subalterno. O médico do presidente, mesmo não sendo especialista, foi encarregado de dar a versão falsa (enquanto Murilinho ficou retido, numa sala, até que o último repórter se fosse do local). Tudo correu bem. O público acreditou. E a história seguiu seu curso. Pouco depois Dilma acabou presidente(a); Lula condenado (por Juiz, TRF do RGS, STJ) e preso por corrupção, descondenado e solto pelo ministro Fachin (do Supremo), para em seguida voltar a ser presidente; e Franklin, ano passado, lançou um muito interessante (e grosso) livro sobre músicas de campanhas políticas.

“A história se repete”, dizia Maquiavel em O Principe. Enquanto Marx respondeu “só como farsa”, em 18 Brumário. No caso, vale considerar que “a prática é o critério da verdade”. Uma frase comumente atribuída ao dito Marx, quando está mais alinhada ao pensamento leninista ‒ ver Berger, Guérin, Korsch e Pannekoek (que, depois da Revolução Russa, rompeu com o leninismo). E se assim for basta ver o que aconteceu, agora, para definir qual dos dois pensadores tem razão. Lula, segundo Kalil, se apresentava com “pneumonia leve”. Ninguém perguntou a razão de não ter sido, esse diagnóstico, dado pelo médico que o atendeu em Brasília, cabendo isso a um amigo íntimo que sempre o acompanhou. Sem que se entenda como declarou ser “leve”, a tal pneumonia, sem ter sequer auscultado o pulmão do paciente. Pelo visto, Kalil é mais amigo de Lula do que da verdade ‒ perdão, caro leitor, trata-se apenas de uma brincadeira com a famosa frase de Aristóteles Amicus Plato (sed) magis amica veritas (Platão é amigo mas ainda mais amiga deve ser a verdade). Como a viagem à China foi cancelada, apesar de sua enorme importância, o cenário sugere não ter sido tão “leve”, assim, a tal “pneumonia”. O diagnóstico sugerido, pelo Palácio do Planalto, foi claramente falso. De novo. Como antes. Prova de ter mais razão o florentino, que o prussiano. A história se repetiu mesmo, e não como farsa.

Essa introdução, mais longa talvez de que deveria, tem só a intenção de questionar a Grande Mídia do Sul. O Globo estampou em primeira página (edição do sábado passado), o que os demais grandes jornais de lá também deram, “Com pneumonia leve Lula adia viagem à China em um dia”. Depois se veria ser (bem) mais que um dia. Quase dois meses. Só detalhe, para eles. E seguiram, no mesmo caminho, para conforto e alegria do Palácio do Planalto. Parecendo sócios em um projeto de poder. Mas essa notícia está jornalisticamente correta?, eis a questão. Pelos manuais de redação o certo seria dizer “Segundo o médico Roberto Kalil, tem pneumonia”. Ou “pneumonia leve” se quisessem. E jamais o que saiu. Caberia então perguntar, ao ministro Alexandre de Morais, não considera isso fake news? Se for mídia social, contra esse governo, o cidadão se arrisca a ser preso. Mas se forem grandes jornais do Sul, a favor desse governo, e mesmo sendo uma notícia claramente falsa, isso parece não incomodar o famoso ministro. Como se todos os envolvidos, inclusive o ministro, fossem jogadores de um mesmo time. Parceiros. Juntos. Só mesmo rindo.

Para encerrar, apenas lembrar que Deus deve ser brasileiro. Como dizia o pai de Fernando Sabino, “no fim tudo acaba bem”. A saúde de nosso presidente está em ordem e respiramos aliviados. A Grande Mídia, nos dias de hoje, continua se pautando por interesses (muito) discutíveis. E a única pergunta é: Será essa a imprensa que precisamos, e desejamos, em nossa pobre Democracia?

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

MANIAS DE ESCRITORES (Final)

Lisboa. Encerro, aqui, esta série com manias de escritores. E já vou dizendo que Tom Wolf (tinha quase 2 metros) escreveu seu A fogueira das vaidades a lápis, com os papéis em cima de uma geladeira com a porta aberta – que era grande o calor na casa e vinha de lá um friozinho agradável. Para desespero de sua pobre mulher, que não podia congelar carnes. James Boswell internava-se em bordeis por semanas, anunciando que tinha 5 relações por noite (o que lhe valeu 17 doenças venéreas) e em Berlim acabou sendo inspiração para ninguém menos que (Giacomo) Casanova. Boswell tomava 25 xícaras de chá, cada vez que sentava na mesa, em meio a uma procissão de tiques nervosos ‒ ficando a piscar, tossir, pigarrear, fungar, fazer caretas e ter faniquitos. Pedro Nava prendia os móveis da casa no chão, com pregos, para que ninguém os tirasse do lugar. Samuel Becket precisava ter uma parede branca, em frente, que sem isso não conseguia escrever. Drummond adorava falsificar a assinatura de seu chefe, Gustavo Capanema, primeiro no Ministério da Educação e depois no SPHAN, em bilhetes que mandava para os amigos. James Joyce passava quase todas as noites nos bares; e, quando amanhecia, cantava canções irlandesas, com sua voz de tenor, para desespero da vizinhança. Groucho Marx dizia “não entro em clubes que me aceitem como sócio”.

Flaubert lia cada página que acabava de escrever em voz alta, vezes sem conta, para conferir se o ritmo e a sonoridade eram os que imaginou ao escrever. Mesmo fazendo parte do Realismo, para ele o faire vrai contava menos que o viser sub beu. Franz Kafka, famoso autor de A metamorfose, fazia o mesmo por outras razões. Sem que ninguém entenda, só para dar gargalhadas. John Wayne, o grande cowboy do cinema, tinha medo de cavalos. Já Nelson Rodrigues, o Anjo Pornográfico (segundo Ruy Castro), por estranho que possa parecer era um pudico. E nunca dizia palavrões. Pablo Neruda usava tinta verde. Goethe, Lewis Carroll, Victor Hugo e Virginia Wolf escreviam em pé. Vinicius de Moraes, como Agatha Christie e o dr. José Paulo (pai), em banheira com água morna. Proust, George Orwel e Truman Capote, deitados. O mesmo Capote, supersticioso, que jamais deixava no cinzeiro mais que três guimbas de cigarro; e, o que passasse desse número, punha no bolso do paletó.

Mallarmé não usava qualquer pontuação; e, raramente, punha um ponto final em seus textos. João Cabral de Melo Neto (Questão de pontuação) dizia “Viva equilibrando-se entre vírgulas”. Saramago, exagerado, no Evangelho segundo Jesus Cristo escreveu 21 delas antes de um ponto para encerrar cada frase. Já em Caim, 19. Na média 20, portanto. Continuando, com João Cabral, “Todo homem aceita o homem/ Que viva em ponto de exclamação”. Pessoa chegou a escrever poema (sem título, 1914) com esses pontos em todos os versos: … “A ciência/ Pesa tanto e a vida é tão breve!/ Entrai por mim dentro! Tornai/ Minha alma a vossa sombra leve!/ Depois, levando-me, passai!”. Alexandre O’Neil, num de seus Poemas gráficos!, colocou 11 deles inclinados mais um comentário “Não abuses de mim”. Ainda completou, sem que se entenda bem, “Os espanhóis/ Até numa palavra, só me martirizam:/ Caramba!”. Tom Wolfe escreveu mais de mil, em sua Fogueira! E a rainha Vitória, coitados de seus contemporâneos, salpicava pontos de exclamação em todas as frases!

Fernando Pessoa, ao terminar seus textos, costumava escrever expressões como Last chapter ou End of the book. Tinha também o especial gosto de encerrar poemas em inglês, em francês e mesmo em português, com a palavra End. Ou, imitando filmes americanos da época, usando alegóricos The end. Nos poemas de sua própria língua, quase sempre, era Fim. Às vezes, incorporado aos versos, como (sem título, 28/8/1927) “Escrevi numa página em branco, Fim”. Razão pela qual sigo seus passos e encerro, esta série, dizendo apenas FIM.