JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

MULÉ RENDÊRA

“Olé, mulher rendeira,
Olé mulher rendá.

A pequena vai no bolso,
A maior vai no embornal.
Se chora por mim não fica,
Só se eu não puder levar.

O fuzil de lampião,
Tem cinco laços de fita.
O lugar que ele habita,
Não falta moça bonita.”

Mulher rendeira e os afazeres poéticos

Os bilros, com suas cabeças arredondadas substituem as canetas, a almofada substitui a mesa, e a linha, vai substituindo o papel, nos desenhares poéticos da renda e do ganhar o pão da vida. Poder-se-ia afirmar sem titubeio, são as muitas Coras Coralinas que, fazendo desenhos mágicos de renda, escrevem maravilhosos poemas.

Esse verdadeiro “Mundo Encantado” tem o nome de Beberibe, extensa área da orla marítima da Zona Metropolitana de Fortaleza. São apenas 79 Km para a capital cearense. Quando o vento favorece, alguns dizem sentir o cheiro da maresia açoitada, e, nas noites de luas brancas, ouve-se verdadeiras óperas trazidas pela calmaria noturna. Verdadeira poesia, sim senhor.

Mas, magia e poesia mesmo são as rendas. Mãos mágicas de anjos calejadas ou não, tecem em rimas incomparáveis, as mais belas peças que, com dignidade e por merecimento, levam as autoras a terem assentos nas vitrines poéticas mundo à fora.

Beberibe, onde as praias não são mais virgens, desfruta a boa vizinhança de Cascavel, Morada Nova, Russas, Aracati e Ocara. A magia indecifrável e indescritível das águas verdes – por momentos – e azuis, por outros tantos. Uma culinária afrodisíaca fantástica, com pousadas de bom nível com serviços e atendimentos perfeitos. Um verdadeiro paraíso, superado apenas pela beleza da renda, que as mágicas e poetisas rendeiras escrevem.

Mestra Raimundinha e a poesia da renda colorida

Distante apenas 137 Km de Fortaleza, a poesia da rendeira deixa um pouco de lado o branco e, com versos tão perfeitos quantos os de Beberibe, mas, coloridos, vamos encontrar as rendeiras do Trairi, também Região Metropolitana de Fortaleza.

Longe de ser deixada de lado, a tradição das almofadas, dos bilros propõe ganha a internacionalização colorida da renda em forma de poesia. A poesia das cores já alcançou, e está “botando banca” nas mais sofisticadas vitrines de Paris, Londres e Roma.

Diferentemente de Beberibe, Trairi, provavelmente por conta de nomes internacionais envolvidos com a arte cinematográfica, pintura e moda, já “reconheceu” o nome de Raimundinha, como Mestra. Responsável pela proliferação do colorido que sai das almofadas e mãos caprichosas e mágicas das rendeiras.

Com seus 72 anos de emancipação (desde 1951), Trairi já faz parte do mundo internacional da moda, gerando emprego e renda, e tem transformado a aconchegante e litorânea cidade numa atração turística do Ceará.

Rendeira de Aracati

Para o litoral sul da capital, distante aproximadamente 150 Km, a cidade de Aracati – emancipada em 11 de abril de 1747 – é o mais antigo e reconhecido polo da arte das rendas no Ceará. Inspiração musical, cenário de vários filmes, Aracati foi tombada “Patrimônio Nacional” pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), no ano de 2000.

Como se a arte secular de desenhar e tecer rendas não fosse suficiente, a cidade tem um dos mais belos e aprazíveis litorais do país. Pontificam mundo à fora, as praias de Canoa Quebrada, Quixaba, Fontainha, Lagoa do Mato, Retirinho e Majorlândia.

Rendeira eternizada em estátua

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

QUUUEEEERO MINHA MÃE!!!

Mãe jovem e nutrida amamenta fartamente

Hoje os festeiros que comemoram até desastre de trem lotado, fazem festa para as mães. O mundo capitalista estabeleceu isto. E vamos que vamos.

No controverso do mundo, algumas verdadeiras mães estão literalmente “jogadas num asilo” para idosos, enquanto filhos e filhas se fartam das benesses de uma riqueza material que não construíram.

Afinal, o que é mesmo ser Mãe?

É parir enfrentando todas as dores físicas que o parto natural impõe?

Ou, ser Mãe é criar, sem ter parido nem sofrido as dores físicas que o parto impõe, entregando as responsabilidades e os carinhos para uma Babá?

Ou, será que ser Mãe é estar sempre com o avental todo sujo de ovo, fazendo bolos para os filhos, mãos ensaboadas lavando fraldas, cuecas, calças, camisas e, de noite, adormecendo por cansaço?

Pois, dia desses, revi uma vizinha que conheci ainda criança, menina por assim dizer, em adiantado estado de gestação. Arrisquei uma pergunta, haja vista que a convivência de alguns anos me permitia isso:

– Eita, Ana Maria (nome fictício), tá chegando o dia, né mesmo?

Com o avanço tecnológico de hoje para esses casos, com a facilidade do ultrassom que descobre o gênero sexual, arrisquei a pergunta:

– E aí, vai ser menina ou menino?

No que ela, futura Mãe moderna, sem preconceito, sem isso e sem aquilo, estudante universitária que deve estar aprendendo só coisas boas e edificantes na Universidade, respondeu ao tempo que acariciava a barriga:

– Não sei! Ele ou ela que vai decidir!!!!!!

Puta que o pariu! É isso que é ser Mãe?

Se a imbecil que pretende ser rotulada de Mãe responde que, no futuro, caberá ao filho ou filha, decidir se será macho ou fêmea, quando o filho ou filha interna-la num asilo para idosos, será muito bem feito!

É mentira exagerada, quando alguma idiota vomita como tantas outras, afirmando:

– “A mulher será o que ela quiser”!

Mentira, porra!

A mulher (ou o homem) será o que estiver destinado a sê-lo!

Du-vi-d-ó-dó, que ela tenha nascido no Maranhão, viva quebrando coco babaçu, ou tenha nascido na Bahia e viva fritando acarajé – e de repente, “cisme em querer” ser Rainha da Inglaterra, e o seja!

Qualquer um será o que estiver destinado a ser!

Mãe desnutrida sugada pela cria faminta

O que se vê nos dias atuais e modernos que vivemos é o conceito deturpado do que seja Mãe. Aprendi com minha Mãe Jordina, e com minha Avó Raimunda, que, ser Mãe é ajudar a iluminar com a luz divina, da bondade, da obediência, da humildade, do respeito e sobretudo do crescimento pessoal na formação de uma futura nova família. Sem titubear e sem conceder descaminho. Isso, disseram elas, ser Mãe.

Aqueles que defendem a igualdade de gênero, com certeza vivem em depressão por que Pablo Vittar nunca vai parir um(a) filho(a) por parto natural sem cesáreo. Quero ver “Ele” contrariar a Natureza e parir um filho!

Quer dizer que, ser Mãe é parir?

É algo que pode ser discutido, haja vista que, “quem pariu Mateus, que o embale”!

OBSERVAÇÃO: Aceitando opiniões dos que pensam diferente de mim, aproveito para agradecer à minha Mãe, Jordina, por me ter trazido ao mundo, e à Deus por me manter vivo até hoje.

Assim, dedico esta pretensiosa crônica à Dona Jordina, e às minhas amigas Dona Quiterinha e Dona Aline, bem como às demais mães que ainda não tive o prazer de conhecer.

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

A CHULIPA E A TIRADA DO SELO

A chulipa ou cachuleta

Está muito enganado, quem pensa que a criançada dos tempos que passaram e hoje estão mais distantes que o catavento do Moinho procurado por Don Quixote e Sancho Pança, vivia apenas para tocar a campainha na frente das casas e se esconder, ou para pegar uma vara de bambu e derrubar goiabas e mangas da vizinhança.

Fomos felizes, sim!

Para que felicidade maior e melhor, que fabricar suas próprias pipas (arraias, no meu Ceará), dá-lhe linha e ficar lanceando quando o vento era favorável?

Para que felicidade maior e melhor, que soltar o pião num chão apropriado, colocá-lo na mão e mostrar para o mundo as suas habilidades – tão próprias de uma criança feliz?

E o álbum de figurinhas?

E as revistas do Recruta Zero, Tio Patinhas, Pato Donald, Sobrinhos do Capitão, isso sem contar a felicidade de amealhar moedas no cofrinho de barro, para comprar o álbum anual do Super-Homem ou do Fantasma?

A gente até viajava escutando os sons dos tambores e mensagens transmitidas selvas à dentro!

Qualquer um gostaria de possuir o “anel do Fantasma”, nera não?

E as visitas nos domingos e feriados aos parques infantis, e a sorte de usufruir de guloseimas como roletes de cana, cocadas, quebra-queixos, sorvetes, picolés e pipocas?

Não. Nossa felicidade e algumas das nossas brigas não se resumiam a isso!

Existiram os dissabores, sim senhor!

Além do dedão do pé magoado e enrolado com um pedaço de pano velho, que acabava nos “proibindo” de jogar as peladas na rua, ficávamos “putos de raiva” com a chulipa na orelha – que alguns rotulam de cachuleta.

Cabelo cortado apropriado para “tirar o selo”

Outra mania que não era de bom grado, era a “tirada do selo” do cabelo cortado todo mês – alguns por recomendações maternas, para evitar a proliferação de lêndeas e piolhos.

Diferentemente de hoje, quando muitos jovens de forma afrescalhada, calçamentando o caminho da viadagem (com a conivência dos pais), deixam o cabelo crescer para alimentar um modismo idiota, os pais do passado, “obrigavam os filhos” a cortar os cabelos com “máquina zero”. Também por motivos econômicos, pois o corte seguinte demoraria mais.

E era por conta desse corte “raspado com máquina zero”, que as cabeças ficavam apropriada para “tirar o selo”.

Dava uma confusão danada. Causava até briga!

Mas, convenhamos, era gostoso!

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

CHEGUEI – ANDANDO NO CAMINHO ILUMINADO POR DEUS

Eu hoje aos 80

Minha Santa Avó me disse: “30 de abril de 1943 foi uma sexta-feira. Não havia parteira, muito menos carro ou cavalo para levar a parturiente até ao hospital mais próximo – esse, também não existia. Só na capital. A solução encontrada, foi ela mesma (a Avó) criar coragem e fazer o parto, pois o maior trabalho seria mesmo da Mãe”.

O pai trabalhando. Não havia charutos. Também não havia preparos, nem água para o primeiro e necessário banho. Tia Maria assumiu como “Auxiliar de Parteira” e teve que botar a sela no jumento, e ir ao açude buscar um caminho d´água. Tudo fora do contexto.

A tesoura usada para o corte do cordão umbilical, por falta de uso, estava enferrujada e sem corte. Nunca alguém pensara em fraldas ou berço – e isso talvez explique a minha paixão por redes.

– Força muié, mais força, a cabeça está aparecendo!

Era o comecinho da tarde do dia 30. Afastados dali por alguns metros, o barulho dos chocalhos pendurados nos bodes e o gluglu fora de motivo e propósito do peru, denunciavam que, no chiqueiro algo estranho estava acontecendo – e não era nenhuma “Revolução dos Bichos”.

– Nasceu, é um menino!

Tia Maria chegara com o caminho d´água. Nem precisou esquentar no fogo, pois o sol abrasador entre a casa e o açude se encarregara disso. Enquanto a Avó “amolava” o lume da tesoura na pedra de amolar para cortar o cordão, Tia Maria despejava gotas de Anasseptol na bacia, em seguida, a água.

Vovó cortou o cordão umbilical. Isso, imagino, explica minha paixão edipiana por ela.

A tarde caminhava para sua metade e, ainda que sem motivos, os chocalhos voltaram a fazer barulho, o galo cantou, ainda que não fosse madrugada e, um pouco distante dali, o Vem-vem cantou, provavelmente dando graças à Deus.

Anos depois, vim saber que, 30 de abril é o “Dia Internacional do Jazz”.

Dez anos depois disso, mais precisamente em 1953, a mudança para a capital. Sem eira nem beira ou algum parente que pudesse nos receber por alguns dias (provavelmente muitos), erguemos uma palhoça na praia do Pirambu, num local onde ninguém frequentava. Ficamos nos alimentando de siri.

A vida continuou e o sofrimento amainou. Papai começou a trabalhar. Um amigo nos cedeu uma casa em construção e ali moramos por uns cinco anos. No bairro Bela Vista.

Matriculado no Grupo Municipal São Geraldo. Quatro anos no primário, mais um ano para o Exame de Admissão ao Ginasial no Liceu do Ceará. Quatro anos no ginasial e mais três no científico. O Exército e um convite inusitado do Comandante (Coronel Celestino Nunes de Oliveira) para fazer o CPOR. Não aceitei, pois já tinha destino definido como objetivo.

Primeiro trabalho na Organização Silveira Alencar e em seguida na The Western Telegraph Co. Ltd. O dia 31 de março de 1964 mudou tudo. Desmanchado um namoro de mais de cinco anos e a mudança em 1969 para o Rio de Janeiro.

Árbitro de Futebol, em 70, experimentei pela primeira vez pisar no gramado do Maracanã, para apitar o jogo Fluminense 2 x 2 Olaria pelo campeonato juvenil.

Em 1973, o casamento. Em 1978, nascia Ana Karina, a primeira filha, hoje com 45 anos. Em 1983 a separação no casamento. Trabalhos na Marcovan, na Federal de Seguros, na Cosigua e, finalmente na Reser, quando encerrei meu ciclo carioca e, em 1987 mudei para São Luís. Antes, em 1981, a graduação em Jornalismo.

No mesmo ano de 1987, a mudança para São Luís e um novo relacionamento familiar com Edna Maria. Três filhos: Anna Paula (Jornalista), Érica Luíza (Enfermeira) e João Felipe (Nutricionista e Fisicultor).

Hoje, aposentado, segurando forte na mão de Deus, vivendo com os mesmos valores encaminhados pelos avós e pais, estou aqui com vocês. Parece que a missão ainda não foi concluída. Deus é quem vai decidir, como sempre decidiu tudo que a mim diz respeito.

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

S A R A V Á !

São Jorge Guerreiro

Oração a São Jorge

“Eu andarei vestido e armado, com as armas de São Jorge. Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem ao meu corpo chegar, cordas e correntes se quebrem sem ao meu corpo, amarrar.

São Jorge, cavaleiro corajoso, intrépido e vencedor; abre os meus caminhos. Ajuda-me a conseguir um bom emprego; fazei com que eu seja bem visto por todos: superiores, colegas e subordinados. Que a paz, o amor e a harmonia estejam sempre presentes no meu coração, no meu lar e no meu serviço; vela por mim e pelos meus, protegendo-nos sempre, abrindo e iluminando os nossos caminhos, ajudando-nos também a transmitirmos paz, amor e harmonia a todos que nos cercam. Amém”.

(Rezar 1 Pai Nosso, 1 Ave Maria e 1 Glória ao Pai)

São Jorge nasceu no ano 275, na antiga região da Capadócia, hoje, parte da Turquia.

O pai de Jorge era militar e veio a faleceu numa batalha. Após a morte do pai, Jorge e sua mãe, Lida, mudaram-se para a Terra Santa. Lida era originária da Palestina, possuía instrução e muitos bens, e conseguiu dar ao filho Jorge educação esmerada.

Ao atingir a adolescência, Jorge seguiu a carreira de muitos jovens da época e entrou para a carreira das armas, pois tinha um temperamento naturalmente combativo. Graças a essas qualidades o imperador Diocleciano deu a ele o título nobre de conde da Capadócia.

Jorge, o Luiz

Dito isso, mais precisamente no bairro Bela Vista, em Fortaleza, capital do Ceará, aos 23 dias deste mês de abril, no ano de 1954, das entranhas da dona Jordina, nasceu Jorge, que recebeu de bônus o Luiz.

E, exatamente neste ano da Graça de Deus de 2023, usando o bônus de Luiz, Jorge retornou às entranhas das cavernas divinas da Capadócia, após ter cumprido a missão de lutar contra alguns dragões, vencendo-os.

Jorge Luiz era o caçula dos sete irmãos que vieram ao mundo pelos sofrimentos, favores e zelos de dona Jordina. Esperamos – os dois que ainda estão cumprindo suas missões terrenas – que esteja sentado num bom lugar. Por merecimento e pela justiça e piedade divina.

“Neste 23 de abril a Igreja Católica reverencia São Jorge, um dos santos mais venerados por seus fiéis. Na Umbanda esse dia é dedicado a Ogum, o Orixá Guerreiro.

Mas muitos Candomblecistas com passagem pela Umbanda também festejam Ògún nesta data. Já os Candomblés tradicionais festejam Ògún (em yorubá, senhor da luta, senhor da guerra) no mês de junho.

Ogum é o Senhor dos caminhos, patrono da agricultura do povo Yorubá, por isso aqui no Brasil este Orixá representa a luta pela sobrevivência. É o Orixá dono do ferro e de todos os utensílios feitos deste metal. Protege os maquinistas, motoristas, pilotos, engenheiros, mecânicos, lutadores de artes marciais, soldados e cirurgiões, já que o bisturi a ele pertence”.

Saravá!

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

O CORAL NOTURNO DAS CIGARRAS

“A cigarra é um inseto conhecido por todos, principalmente pela sua tremenda cantoria. Em algumas épocas do ano, o som é tão alto que chega a incomodar algumas pessoas.

Assim como outros animais, o canto é uma forma de comunicação, seja para atacar, avisar do perigo ou até mesmo para a reprodução. Este último é o motivo pelo qual as cigarras tanto cantam. Elas estão à procura de um parceiro, sendo que o responsável por todo o barulho é o macho”.

Ao todo, existem em torno 1500 espécies de cigarras, vivendo nos trópicos ou na bacia do Mediterrâneo, alimentando-se de seiva de plantas. Sua vida varia entre 4 e 17 anos, dependendo da espécie.

A cigarra – espécie homóptera da família cicadidae

A claridade do fim da tarde está terminando. O sol, importante rei, está se recolhendo no horizonte, para voltar no dia seguinte, mais forte e luminoso para sua tarefa e seu mister planetário.

Cansado da capina da tarde, ainda tenho forças para sentar sobre um dos cambitos, enquanto arrumo as ferramentas em lugar fácil para pegá-las de volta na manhã seguinte.

Ando e sento na ponta da calçada. Ao lado, Vovô limpa o cachimbo, preparando-o para enchê-lo de novo e dar uma cachimbada antes de ir banhar no açude.
Quase sussurrando, comenta comigo:

– Alimpamo um bom pedaço hoje. Amanhã a gente termina pela manhã, faz a coivara de tarde e taca fogo. Dois dias adispois, a gente começa a semear o milho e o feijão!

Como se ninguém falasse nada, escuto distante dali o cântico triste do vem-vem, ao mesmo tempo que algumas andorinhas, em rodopios pegam mosquitos.

Vovô, antes de levantar para ir ao açude, garante:

– A chuva não vai demorar muitos dias. Os mosquitos estão avisando!

Aquele diálogo com ares de monólogo conseguiu tirar minha atenção e nem percebi que a claridade ora embora. Silêncio total. E aquele silêncio inodoro, petulantemente traz consigo a impressão de algum cheiro.

E pergunto a mim mesmo: silêncio tem cheiro?

De jasmim?

De açucena?

Entre uma dúvida e outra, percebo o barulho imaginário de duas cortinas se abrindo como num teatro em que eu, sozinho, privilegiado, ouvia as características iniciais de um cântico coral. Cigarras, provavelmente aos milhares, em acordes mil garantiam o início da apresentação regida pela maestrina Natureza.

Perguntei a mim mesmo:

– Por que, e para que, ou para quem, as cigarras cantam?

Há quem afirme, provavelmente sem qualquer entendimento, que as cigarras cantam até morrer. Isso não é verdade. O cantar é, uma realidade, exclusiva dos machos, com o objetivo de atrair e envolver as fêmeas para o acasalamento.

“Tanto a fêmea quanto o macho possuem um órgão na região do abdome que funciona como se fosse uma caixa acústica. Entretanto, só no macho é encontrada uma membrana que produz movimentos que permitem a emissão do som. O som é tão alto que pode atingir cem decibéis.

Após a reprodução, as fêmeas botam seus ovos e morrem. Depois de saírem dos ovos, as jovens cigarras (ninfas) entram na terra e ficam lá até a época de reprodução. Elas alimentam-se da seiva retirada das raízes das plantas, enquanto aguardam o momento certo para cavarem túneis que as levem de volta à superfície. Algumas espécies de cigarras podem ficar até 17 anos enterradas, sendo um dos insetos que possuem a vida mais longa.

Chegada a época de reprodução, geralmente nos meses quentes do ano, elas saem e sobem nas árvores. Nesse momento elas sofrem metamorfose, transformando-se em insetos adultos. Os machos adultos iniciam, então, uma nova cantoria para atrair as parceiras”.

OBS.: Estes três parágrafos são de autoria de Vanessa Sardinha.

Cigarras em acasalamento

O coral continua cantando – com o objetivo proposto pela Natureza, e pelos machos! – e eu, absorto e embevecido, continuo “pregado” na ponta da calçada, tentando entender alguns segredos e privilégios de todos os seres vivos criados por Deus.

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

ESCAPAR FEDENDO

Jovem correndo – “escapou fedendo” de agressão

Ausente desde 1967, faço hoje uma “visita” ao meu Ceará, mais propriamente Fortaleza, cidade que me acolheu nas melhores e mais construtivas fases da vida. Não. Não estou presente fisicamente – e bem que gostaria!

Visito e relembro os bons tempos.

Quando mudei para o Rio de Janeiro, tive dificuldades na adaptação – no fundo, eu ainda não me acostumara a ouvir um linguajar diferente daquele com o qual convivia antes, em Fortaleza.

Falar ou escrever no idioma japonês ou hebraico, sem entende-los, é a mesma coisa que pescar num rio, de caniço, sem isca. Coisa infrutífera.

Texto escrito no idioma japonês

Texto escrito em hebraico

Falar a mesma coisa, com palavras diferentes. Essa é a nossa diversão que se torna difícil ao mesmo tempo. Atravessando o Atlântico e chegando em Lisboa, vamos saber que, quem entra na “bicha”, estará entrando na “fila”. Lá, quem se aproxima de um “paneleiro”, estará se aproximando de um “baitola” que, no Brasil é o frango, veado, qualhira, fresco e até xibungo. Os do meio e coloridos estão tentando unificar, pregando pelo uso de “gay”. Mas, no fim, todos gostam de “queimar a rosca”.

Pois, saiba aquele que ainda não sabe, que, “escapar fedendo” de algo, é, também, ficar livre do que parecia inevitável. Coisa de cearense, com vários significados e sentidos. Empatar um jogo de futebol nos minutos finais do acréscimo garantido pelo Árbitro, é a mesma coisa que “escapar fedendo” da derrota!

O chulo entra em campo e afirma que “bater uma bronha”, é a mesma coisa que se masturbar.

“Tirar pino” dentro do ônibus ou qualquer lugar, hoje é conhecido como importunação, assédio, e chega ao Maranhão como “saliência”.

Marmanjo “tirando pino” no transporte coletivo

Quer frescar, fresque. Mas não venha com frescura!

Vais querer “tirar gosto” com a mulher, vai?

Seu Zé, quanto que é o preço de uma quarta de feijão?

Dona Maria, a senhora vai lavar roupa hoje?

Menino, pare de danadice!

Xipe gato!

Seu Zé, me venda meia banda de pão, com manteiga passada!

Quanto foi o jogo da “mundiça” onte?

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

MENINO “MALINO” – AS BRINCADEIRAS DA ROÇA

Libélula, também conhecida como “Mané-Mago”!

Vou continuar na roça. Saí da roça, mas a roça nunca saiu de mim. Não quero sair, nem vou deixar que ela saia. Me faz bem e massageia o ego, relembrar os momentos da construção da minha vida vivida na roça.

– O papeiro é meu!

É. Era assim que eu gritava alto, para que os outros irmãos ouvissem, quando minha velha e falecida Mãe estava na cozinha preparando a papa ou o mingau da minha irmã mais nova – hoje também falecida.

– Tá certo. O papeiro é seu, mas vai ter que lavar depois!

Era assim que minha Mãe concedia a preferência pelo papeiro – e talvez fosse pela obrigação de ter que lavar, que nenhum outro irmão se aventurava a gritar “o papeiro é meu”.

E foi lavando aquele papeiro que, desde os 22 anos de idade aprendi a cozinhar tudo numa cozinha. E, acreditem, não sou nenhum Master Chef, mas não faço vergonha. Posso garantir que sou “especialista” em feijão. Por isso me interessei tanto pela “fava rajada” que, certa vez, como convidado, comi num encontro no Apipucos.

Mas, o assunto da roça é outro. É como a gente brincava – pelo menos eu – e como a gente se envolvia psicologicamente com as brincadeiras que, quase na sua totalidade, eram inventadas por nós mesmos.

Tudo começava com a preparação de uma garrafa. Tinha que ser branca e estar bem lavada por dentro e por fora. Uma rolha feita de sabugo de milho servia de lacre.

Tudo preparado e lá íamos nós, pegar “Mané-Mago” que, depois, na escola e estudando Ciências Naturais, aprendi que o nome científico era “Libélula”, também conhecida popularmente como tira-olhos ou libelinha em Portugal, e como lavadeira ou jacinta no Brasil, é um inseto alado pertencente à subordem Anisoptera. É considerado um dos primeiros insetos a surgir na Terra. No meu Ceará é conhecida como “Mané-Mago”, independentemente de ser macho ou fêmea.

Eu jogava um “campeonato” comigo mesmo. Era campeão “aquele” que conseguisse pegar o “Mané-Mago” mais bonito e mais colorido. Passei a estranhar que eu mesmo era sempre o campeão.

O troféu era sempre uma mariola ou um pedaço de rapadura roubado na despensa da Avó. Ao vice-campeão, sempre eu também, era garantido um troféu muito estranho: uma pequena cuia de farinha seca misturada com açúcar. Isso tudo sem direito a coroa de louros!

Eis que, hoje, sei o significado de tudo aquilo: o amor pela roça e suas coisas que nos fazia crianças saudáveis.

Calango verde sempre teve a minha preferência nas brincadeiras

Outra brincadeira – ou entretenimento – habitual, era “pegar calango verde”. Bicho arisco que fugia rápido, ou se deixava pegar por entender que nenhuma criança o faria mal algum.

A “armadilha” era preparada com um palito de coqueiro. Verde e flexível, o palito tinha sua ponta mais fina transformada num laço que, seguro – para o calango não conseguir escapar, quando laçado – nos proporcionava alegria.

Para alguns, não sei precisar, mas essas coisas transformadas em brincadeiras infantis, nos aproximavam tanto da Natureza, quanto a maravilha que é “cagar no mato”!

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

UMA VOLTA AO PASSADO – UM MERGULHO NO TEMPO

Garrafas vazias “valiam ouro”

Vou ao êxtase quase orgástico, quando, quase oitentão, pego um barquinho de papel e me deixo transportar em sonhos e lembranças pelas corredeiras do caudaloso rio da vida.

Um prazer indescritível voltar ao passado – relembrando as coisas boas e atos dignificantes.

Roubar as meias de náilon do pai para fazer as bolas usadas nos jogos de “gol a gol” das tardes em traves montadas com pedras e tijolos nas ruas ainda por asfaltar. Era apenas um entretenimento.

Lembro bem que, naqueles tempos, a chuva não provocava enchente nas ruas e bairros. A água encontrava facilmente o lençol freático e seguia seu caminho traçado pela geologia da Natureza.

Jogar chuço, castelo de castanhas de caju, peteca ou bola de gude. A meninada de hoje não conhece esses apetrechos e suas utilizações. Só os celulares com smartphone e muitos “apps”.

“Eu preciso te falar,
Te encontrar de qualquer jeito
Pra sentar e conversar,
Depois andar de encontro ao vento.

Eu preciso respirar
O mesmo ar que te rodeia,
E na pele quero ter
O mesmo sol que te bronzeia,
Eu preciso te tocar
E outra vez te ver sorrindo,
E voltar num sonho lindo
Já não dá mais pra viver
Um sentimento sem sentido,
Eu preciso descobrir
A emoção de estar contigo,
Ver o sol amanhecer,
E ver a vida acontecer
Como um dia de domingo.”

Utensílios imprestáveis de alumínio

As tardes dos domingos eram especiais. Lembro bem. Lembro muito bem. Menino pobre, filho de pais pobres que se deleitavam quando viam que os pratos colocados à mesa, não estavam de todo vazios. Havia alguma coisa para aplacar a fome. Comida comprada com o dinheiro do trabalho honesto. Aquilo era edificante. E serviu como bons paralelepípedos, calçando as estradas da vida.

Quantas e quantas vezes este quase oitentão saía procurando nos pés das cercas e muros, as garrafas vazias ou panelas velhas e peças de alumínio que não tinham mais utilidade e eram jogadas fora.

Uma vez por semana, toda semana, o homem montado num animal, passava pelas ruas do bairro comprando garrafas vazias e peças de alumínio sem uso. Pagava bem.

O dinheiro “apurado” garantia o ingresso ao cinema nas tardes dos domingos. Também comprava revistas em quadrinhos, e até sobrava para comprar figurinhas para preencher os álbuns.

Tempos bons. Tempos idos que não voltam mais. Mas que fizeram parte da vida honesta e simples de muitos.

Da minha, inclusive.

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

O FAROL!

“Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer

Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer”

Jangada improvisada de Dico

Hoje tentarei lhes contar uma pequena estória de Dico, cidadão cearense nascido em Pacajus, mais propriamente no povoado de Guaiúba. Raimundo na pia batismal, que a família transformou em “Dico” tão logo saiu do “gatinho” para o caminhar forte e seguro.

Entre o ver a luz da maternidade dada pela mãe, até o criar cabelos nos peitos e nas partes pudentas, Dico conhecia mesmo era a enxada, a foice – que manuseava com maestria – o machado e o rachar lenha para o consumo diário na cozinha. Tinha extrema habilidade, também, no pescar curumatás, traíras e piaus no Açude Novo.

Cresceu, namorou e “mexeu com o que não devia, antes do tempo” – e isso acabou lhe custando um casamento antes do dia e da hora marcada. Na roça, nos tempos em que os filhos obedeciam aos pais, era assim. Ajoelhou, tinha que rezar.

Certo dia Francisca passou mal. Chamaram a Dodoca rezadeira, e essa quase deixou o pé de arruda em esqueleto, de tantos tirar galhos com folhas – a arruda murchou de tanta reza, mas Francisca não melhorou. Dico foi aconselhado par levar Francisca para a cidade, onde certamente conseguiria resolver aquele problema intempestivo na vida deles.

Numa primeira visita a solução pareceu distante. Seria necessária uma estadia mais prolongada na capital, o que acabou proporcionando a mudança definitiva do casal – com os filhos – para encontrar a facilidade do atendimento médico.

Sem profissão, trabalhador da agricultura na Guaiúba, Dico mudou com família e tralhas para a capital. O dinheiro economizado durante dias, serviria para custear o tratamento e, caso necessário, a compra de medicamentos.

A solução imaginada por Dico para alimentar a família, foi a pesca. Inteligente, Dico improvisou uma jangada e foi ao mar. Foi pescar o dicumê da família.

O homem não conhecia nada do mar – que vira poucas vezes – e acreditou que tudo seria resolvido em poucas horas. Tudo parecia fácil na maré vazante. E, sozinho, Dico foi pescar. A poucos metros da arrebentação, se deixou levar. Não se deu conta que logo estaria distante da orla marítima. Se deixou levar.

Farol que orientou Dico

Dico tinha um sonho: queria pescar o maior “pirarucu” que alguém tivesse pescado algum dia.

As horas foram passando. A noite chegou e nada de Dico conseguir pescar o “pirarucu”, coisa que, inicialmente parecia fácil. Mas não era.

Longe da costa, sem uma lamparina – que não levara por achar que voltaria cedo com o maior pirarucu já pescado – as dificuldades só aumentavam. Nada de peixe. A preocupação, agora, era com a volta para casa.

A escuridão foi – finalmente – importante para que Dico, já desesperado, avistasse um farol que, pela distância sugeria a proximidade da orla marítima.

As luzes do farol acabaram ajudando Dico. Foi avistado por uma equipe de socorristas que, com muito trabalho lhe prestou ajuda e ajudou no resgate.

Um dos socorristas, atônito, perguntou:

– Ei siô, que bom que o encontramos. Fique tranquilo, vamos leva-lo para a orla. Conseguiu pescar muitos peixes?

Agradecido pelo socorro, Dico respondeu:

– Não. Não consegui pescar o meu “pirarucu”!

No que o socorrista, entre incrédulo e ansioso, acrescentou:

– É! “Pirarucu” o senhor jamais pescaria!

Sem entender, Dico perguntou:

– Por que?

Pirarucu, o gigante dos rios amazônicos

Ao que o socorrista respondeu:

– Senhor, vamos pra casa. O senhor queria pescar “pirarucu” no mar?