JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

AS BRASILEIRAS: Fideralina Lima

Fideralina Augusto Lima nasceu em 24/8/1832, em Lavras da Mangabeira, CE. Líder política e destacada figura do “coronelismo”, na região do Cariri Cearense. Teve papel relevante na Revolução de 1914, conhecida por “Sedição de Juazeiro”, movimento messiânico liderado, entre outros, pelo Padre Cícero. Recebeu as alcunhas de “matriarca” e “governadora” do Nordeste e inspirou Rachel de Queiroz no seu romance Memorial de Maria Moura.

Filha de Isabel Rita de São José e do tenente-coronel João Carlos Augusto, herdou a veia política do pai, que chegou a ser deputado provincial. Desde cedo cultivou o espírito de liderança e passou a comandar os negócios da família com o falecimento do pai, em 1856, e exercer o poder político após o casamento com o major Idelfonso Correia Lima, com quem teve 12 filhos. Manteve o poder político na região por longo tempo através dos casamentos arranjados por ela mesma entre seus filhos com as sobrinhas e as filhas com os filhos e sobrinhos de chefes políticos da região.

Momento marcante em sua história política foi quando teve que derrubar seu próprio filho – Honório Correia de Lima – da chefia da Intendência local, cargo equivalente a prefeito, em 1907. Na disputa política pelo poder em Lavras, seu filho Honório entrou em conflito com seu irmão, o coronel Gustavo Augusto Lima. Segundo este, a política do irmão se mostrava contrária a alguns interesses da família e entraram em conflito armado. A matriarca, chamada a encontrar uma solução, tomou o partido do coronel e enviou seus próprios homens à luta com ordens expressas para que não atirassem no filho Honório.

Ao final do conflito, Honório se rendeu e se mudou com a família para Fortaleza. O poder ficou com o coronel Gustavo e dividiu a família. A matriarca deve participação decisiva na “Sedição de Juazeiro”, movimento messiânico surgido quando o local despontava como cidade sagrada, também conhecida como “Nova Jerusalém”, para onde se dirigiam milhares de fiéis em busca dos milagres do Padre Cícero. Devido ao crescimento da cidade com os romeiros, deu-se o movimento de reivindicação de autonomia política do município com seu desligamento da cidade do Crato. A separação pacífica não foi possível e desencadeou a revolta da população contando com a liderança de Floro Bartolomeu e do Padre Cícero no embate com as forças do governo provincial, em princípios de 1912. O chamado “Pacto dos Coronéis” levou mais de 20 mil pessoas às ruas de Fortaleza e derrubou o governo de Antonio Nogueira Acióli em 24/1/1912.

Em seguida, o coronel Franco Rabelo foi eleito presidente da Província e o movimento de emancipação da cidade foi retomado com apoio dos fiéis do Padre Cícero, os homens de Floro Bartolomeu e um batalhão armado patrocinado por Fideralina. Foi decretado estado de sítio no Ceará e o conflito só terminou em março de 1914, com o envio de tropas do governo federal ao Ceará. Como troféu, Juazeiro foi elevada a categoria de cidade em 23/7/1914 e o Padre Cícero tornou-se a figura mais importante da região.

Alguns livros publicados em Fortaleza dão conta da trajetória política da matriarca: Fideralina Augusto: mito e realidade (2017), de Dimas Macedo; Uma matriarca do sertão: Fideralina Augusto Lima (2008), de Melquíades Pinto Paiva e A Vocação Política de Fideralina Augusto Lima (1991), de Rejane Augusto. Em sua crônica publicada na revista O Cruzeiro, Raquel de Queiroz disse que a matriarca lavrense “foi a mais famosa dona do Nordeste, e a senhora de maior cartaz do seu tempo… foi uma espécie de rainha sem coroa, foi uma legenda”. Hoje, no centro de Lavras é mantida a Casa-Museu de Dona Fideralina, recheada de fotos e uma biblioteca adquirida pelos herdeiros e aberta à visitação pública.

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OS BRASILEIROS: José Leite Lopes

José Leite Lopes nasceu em 28/10/1918, no Recife, PE. Físico, escritor, professor especializado em física quântica e cientista de renome internacional. Criou o CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Física e articulou a fundação da CNEN-Comissão Nacional de Energia Nuclear; CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a FINEP-Financiadora de Estudos e Projetos.

Filho de Beatriz Coelho Leite e do comerciante José Ferreira Lopes, perdeu a mãe ao nascer e foi criado pela avó Claudina. Realizou os primeiros estudos no Colégio Marista e ingressou no curso de Química Industrial da Escola de Engenharia de Pernambuco, em 1935. Aí manteve amizade com seu mestre Luiz Freire, através do qual tomou gosto pela ciência. Iniciou o curso de Física na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro, em 1940 e concluído em 1942. Neste período deu aulas no ensino secundário e trabalhou no Instituto de Biofísica. Em 1943 realizou pesquisas no Departamento de Física da FFCL/USP e no ano seguinte ganhou uma bolsa de estudos do governo dos EUA, onde iniciou o doutorado na Universidade de Princeton.

Sob a orientação de Wolfgang Pauli, prêmio Nobel de Física 1945, recebeu o título de Ph.D em 1946 e no mesmo ano foi nomeado professor de Física Teórica e Física Superior na Faculdade Nacional de Filosofia. Nos anos 1956-1957, a convite de Richard Feynman, foi Pesquisador Visitante no California Institute of Technology. Manteve contatos regulares com os físicos Cesar Lattes, Occhialini e Powell, junto aos quais realizou a descoberta do “Meson Pi” utilizando radiação cósmica incidindo em Emulsão Nuclear. Aproveitando a publicidade desta descoberta, alargou o ciclo de amigos cientistas brasileiros, incluindo Mario Schenberg, e fundaram o CBPF, em 1949. Seu papel de criador de instituições de pesquisas ultrapassou as fronteiras do Brasil e alcançou a América Latina. Em fins da década de 1950 sugeriu ao Ministério das Relações Exteriores e à UNESCO a criação de um Centro Latino-Americano de Física-CLAF, criado em 26/3/1962, reunindo 20 países.

Através de um bolsa de estudos da Fundação Guggenheim, foi trabalhar no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, em 1949-1950, a convite de Robert Oppenheimer. Na ocasião escreveu, junto com Richard Feynman, um trabalho referente a descrição do “Deutron”. Um de seus famosos artigos – A Model of the Universal Fermi Interaction -, de 1958, foi a base de outros estudos e suas teses foram comprovadas pelos cientistas Abdus Salam, Steve Weinberg e Sheldon Glascow, que foram premiados, em 1979, com o prêmio Nobel de Física por um trabalho inspirado por Leite Lopes. Os temas que mais o atraiu foram a unificação da forças eletromagnéticas e fracas; teorias das forças nucleares; reações fotonucleares; modelo de estrutura de léptons; estudos sobre possíveis léptons e quarks com spin 3/2, sem falar no tema Ciência & Sociedade que permeia toda a sua carreira, destacando-se o papel da Ciência no Desenvolvimento dos Países do Terceiro Mundo.

Perseguido pelo governo militar de 1964, passou a viver na França, onde foi lecionar na Faculdade de Ciências de Orsay, a convite de Maurice Lévy e permaneceu até 1967. Aí estimulou 5 jovens estudantes de engenharia pernambucanos a seguirem carreira científica na Física, os quais fundaram o Departamento de Física da UFPE-Universidade Federal de Pernambuco. Em 1981, a UFPE retribuiu-lhe o gesto com a concessão do título de Doutor Honoris Causa. Foi vitimado com o AI-5, em 1968, teve os direitos políticos cassados e foi aposentado compulsoriamente em 1969. No ano seguinte foi convidado para lecionar na Universidade de Strasbourg, onde ficou até 1985 e retornou ao Brasil para dirigir o CBPF até 1989.

Além de cientista, teve papel destacado como professor dedicado. Atuou em várias fases da carreira de físico em defesa do ensino em vários níveis. Traduziu, junto com Jayme Tiommo, o famoso livro Física na escola secundária, de Oswald H. Blackwood (Ed. Fundo de Cultura, 1961). Escreveu 20 livros indicados em cursos universitários e outros sobre as relações entre ciência e sociedade. Costumava dizer que “Os cientistas atualmente têm que se preocupar com o problema da educação básica e não podem ficar em seus castelos de marfim. Eles devem dedicar algumas horas por mês (…) e entrar em contato ou fazer com que os colégios secundários ou professores os convidem para dar palestras sobre os últimos avanços da Ciência, como eu fiz. Isso é uma obrigação das universidades.”

Um aspecto menos conhecido de sua biografia é seu apreço pela pintura. Dizia que “precisava pintar pois precisava fazer as mãos trabalharem também junto com o cérebro”. Pintou dezenas de quadros a óleo e muitos desenhos. Seus temas preferidos eram a religião, além de quadros abstratos. Ao completar 80 anos, a crítica de arte Miriam de Carvalho, junto com alguns amigos, organizaram uma exposição de 30 obras no Iate Club do Rio de Janeiro. Faleceu em 12/6/2006 e seu nome passou a denominar diversos logradouros públicos e o Aeroporto de Ribeirão Preto.

Entre os títulos honoríficos e prêmios obtidos, destacam-se: Medalha Jubileu de Prata da SBPC; Medalha do CNPq no 30º aniversário dessa instituição; Prêmio Estácio de Sá de Ciência (RJ); Ordem do Rio Branco, grau de grande oficial; Medalha da Universidade Louis Pasteur, Strasbourg, França; Ordre des Palmes Academiques; Ordre National du Mérite; Prêmio México de Ciência e Tecnologia para a América Latina; Prêmio de Ciência da UNESCO; Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.

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AS BRASILEIRAS – Maria Tomásia

Maria Tomásia Figueira Lima nasceu em 6/12/1826, em Sobral, CE. Foi a principal mulher pioneira na luta pela abolição da escravatura no Ceará, em 25/3/1884, antecipando a Lei Áurea de 1888. Neste dia, reconhecido em Lei como Data Magna do Ceará desde 2011, é feriado estadual.

Filha de Ana Francisca Figueira de Melo e José Xerez, nascida em berço aristocrata. Foi educada e alfabetizada ainda criança e tornou-se uma boa oradora com acesso livre em todas as classes sociais. Casou-se aos 15 anos com o fidalgo Rufino Furtado e ficou viúva ainda jovem com 8 filhos. Pouco depois contraiu o segundo casamento com o abolicionista Francisco de Paula de Oliveira Lima e mudaram-se para Fortaleza.

Tanto quanto, ou ainda mais que seu marido, envolveu-se no movimento abolicionista e foi cofundadora e primeira presidente da “Sociedade Cearense Libertadora”, em 8/12/1880, reunindo 22 mulheres de famílias influentes na sociedade cearense. No mês seguinte foi criado o jornal Libertador, através do qual as mulheres passaram a divulgar suas ideias e iniciar efetivamente a campanha abolicionista. Começaram de modo radical, organizando greves e facilitando fugas de escravos, mas logo passaram a utilizar a propaganda para convencer os senhores a libertarem seus escravos e buscar recursos para comprar a alforria de alguns escravos.

Para arrecadar fundos, foram realizados muitos bazares e o movimento chegou a receber ajuda financeira do Imperador Dom Pedro II. Na primeira reunião da Sociedade, as abolicionistas assinaram 12 cartas de alforria e em seguida conseguiram convencer os senhores de engenho a alforriar 72 escravos. A partir daí o movimento abolicionista tomou corpo com o envolvimento de boa parte da sociedade local até 25/3/1884, quando o presidente da Província -Sátiro de Oliveira Dias- anunciou: “O Ceará não possui escravos”.

Não foi uma lei, mas era uma “Declaração de Direito de Liberdade”. Na ocasião Maria Tomásia foi homenageada e aclamada “Incansável Protetora dos Cativos”. O ato declaratório manteve a chama pela luta libertadora e fortaleceu as articulações dos abolicionistas em todo o País. A criação da Sociedade Cearense Libertadora 8 anos antes da Lei Áurea estimulou outras províncias a batalhar pela proclamação do fim da escravatura no País, possibilitando a proclamação da República no ano seguinte.

Maria Tomásia faleceu em 1902 e seu nome encontra-se hoje esquecido, inclusive dentro do “Movimento Negro”, devido a falta de divulgação sobre os antecedentes da Abolição da Escravatura. Na intenção de mitigar este esquecimento, o deputado federal Dr. Jaziel Pereira apresentou Projeto de Lei, em 2020, para inscrever o nome de Tomásia Figueira Lima no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Mas, por enquanto, a intenção é apenas um projeto.

O município de Redenção, a 64 km. de Fortaleza, anteriormente denominado Acarape, recebeu este nome em devido a ser a primeira cidade do Brasil a libertar os escravos. Para manter a memória deste pioneirismo, a cidade mantém o “Museu Senzala Negro Liberto” aberto à visitação pública e sedia a UNILAB-Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, desde 2009.

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AS BRASILEIRAS: Hipólita Jacinta

Hipólita Jacinta Teixeira de Mello nasceu em 1748, em Prados (MG). Proprietária rural e uma das poucas mulheres, junto com Bárbara Heliodora, a ter participação ativa na Inconfidência Mineira. Financiou parte do movimento separatista, atuou como “pombo correio” de seus integrantes e cedeu sua casa para as reuniões preparatórias da insurreição.

Filha de portugueses e esposa do inconfidente e coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, foi descrita como uma mulher culta e de fino trato. O casal não teve filhos, mas ela adotou duas crianças: um menino abandonado na porteira de sua fazenda e outro, que veio a ser padre e deputado provincial no período 1866-67. Foi madrinha de diversas crianças pobres na região e deixou, em testamento, certa quantidade de ouro para os pobres que viviam na “Freguesia dos Prados”.

Alertou os inconfidentes com informações sobre o traidor Joaquim Silvério dos Reis, além de enviar diversos bilhetes sigilosos sobre Tiradentes e sua prisão no Rio de Janeiro. Enviou ao padre Carlos Correia de Toledo e Mello o bilhete: “Dou-vos parte, com certeza, de que se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim Silvério dos Reis e o alferes Tiradentes, para que vos sirva ou se ponham em cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e mais vale morrer com honra que viver com desonra.”, demonstrando coragem e seu envolvimento no levante. Além de se arriscar na distribuição de bilhetes entre os insurgentes, destruiu documentos comprometedores após a derrocada do movimento.

Ao perceber o fracasso do movimento, tentou alertar o coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, aconselhando-o a se precaver e preparar uma reação. Com a derrocada do movimento, seguido pela Devassa, a Coroa Portuguesa sequestrou todos seus bens e o marido foi sentenciado ao degredo perpétuo em Moçambique. Na esperança de obter o perdão da Coroa, mandou fazer um cacho de banana em ouro maciço e mandou de presente à Maria I de Portugal. Mas o presente foi interceptado pelo então governador da Capitania de Minas Gerais. Após um longo processo judicial, que durou até 1808, ela conseguiu reaver boa parte de seu patrimônio e veio a falecer em 27/4/1828 e foi sepultada na Igreja Matriz de Prados. Em 1999 foi condecorada postumamente pelo Governo de Minas Gerais com a Medalha da Inconfidência.

No ano 2000 a cidade de Prados prestou-lhe homenagem com um monumento na forma de uma pirâmide na Praça Dr. Viviano Caldas, trazendo a reprodução de trechos de um bilhete aos inconfidentes. Em julho de 2022 o Caminhão-Museu do Projeto República da UFMG esteve em Prados, onde foi realizado o evento “Hipólita Jacinta, a mulher que estava lá”, com a presença da ministra do Supremo Tribunal Federal Carmen Lúcia, da cantora Zélia Duncan, da roteirista Antonia Pellegrino e da historiadora Heloisa Starling, coordenadora do Projeto República.

O esquecimento a que foi relegado as mulheres de dois inconfidentes -Bárbara Heliodora era esposa de Alvarenga Peixoto- fez com que elas ficassem apenas nas notas de rodapé dos livros de história. No caso de Hipólita, tal realidade foi amenizada em abril de 1999, quando o então governador de Minas Gerais Itamar Franco concedeu-lhe postumamente a medalha da Inconfidência, maior honraria do Estado. Na ocasião, a procuradora do Estado Carmen Lúcia discursou: “Dona Hipólita segue como exemplo na ‘doidice’ de um mundo no qual a igualdade humanizadora ainda é luta contra tantas cruéis formas de desigualdade”.

Sua memória ainda se encontra viva na cidade de Prados não apenas no monumento localizado na praça central. Em 2000, o então prefeito Paulo de Carvalho Vale deixou registrado parte da história da cidade e de Dona Hipólita no livro De Prados, da Ponta do Morro para a Liberdade, publicado pela Editora Armazém de Ideias. Em abril de 2023 ela foi a primeira mulher a entrar no “Panteão dos Inconfidentes” (Museu da Inconfidência, ência”, em Ouro Preto).

Jornal da Band antecipa a notícia que saiu ontem na Folha de São Paulo (29/4/2023. Pg. B6)

O jornalista diz que ela foi mais importante no movimento que seu marido, o inconfidente Francisco Antonio de Oliveira.

JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

OS BRASILEIROS: Roquette-Pinto

Edgard Roquette-Pinto nasceu em 25/9/1884, no Rio de Janeiro, RJ. Médico legista, escritor, ensaísta, professor, antropólogo, etnólogo e um dos pioneiros da radiofusão no Brasil. Era, de fato, um polímata, i.é, versado em diversas áreas. É considerado o pai de radiodifusão no Brasil com a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, doada ao MEC-Ministério da Educação, com o objetivo de impulsionar a educação. Com este mesmo objetivo criou o INCE-Instituto Nacional de Cinema Educativo, em 1932.

Ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, diplomado em 1905. Porém, foi estudar os “sambaquis” no litoral gaúcho e no ano seguinte já era professor-assistente de Antropologia no Museu Nacional. Tornou-se um dos mais conceituados antropólogos do País e foi Delegado do Brasil no Congresso de Raças, realizado em Londres em 1911, e aproveitou a viagem para estudar na Europa. Em 1916 foi professor de história natural na Escola Normal do Distrito Federal e retomou a medicina em 1920, lecionando fisiologia na Universidad Nacional de Asunción, Paraguai. Mas a antropologia lhe interessava mais que a medicina. Em 1912 integrou a Missão Rondon e manteve os primeiros contatos com os índios Nambiquaras. Recolheu vasto material etnográfico e publicou, em 1917, o livro Rondônia – Antropologia etnográfica, que veio a se tornar uma obra clássica da antropologia brasileira.

Seus estudos demonstraram que a miscigenação racial brasileira não produziu “tipos raciais” degenerados ou inferiores, conforme pregavam alguns “cientistas” da época. Para ele o problema dos brasileiros não se encontrava na raça miscigenada e sim nas questões sociais e políticas, sobretudo na falta de educação e saúde pública. Foi um entusiasta do cinema e, na condição de diretor do Museu Nacional por 16 anos (1915-1936) organizou a maior coleção de filmes científicos no Brasil. Em 1932, fundou a Revista Nacional de Educação e no mesmo ano, com o decreto do Governo Vargas obrigando a exibição de filmes nacionais, criou e dirigiu o Instituto Nacional de Cinema Educativo-INCE. No mesmo ano criou o Serviço de Censura Cinematográfica. A pedido de Gustavo Capanema, convidou o cineasta Humberto Mauro para trabalhar com ele. O INCE produziu mais 300 documentários no período 1936-1964.

Seu interesse pelo rádio deu-se em 1922, na comemoração do I Centenário da Independência do Brasil, quando foi organizada uma grande feira internacional. O Rio de Janeiro foi visitado por empresários de todo o mundo, quando os norte-americanos trouxeram a tecnologia da radiodifusão, na época o assunto principal dos EUA. Para testar o novo meio de comunicação, instalaram uma antena no morro do Corcovado e realizaram a primeira transmissão radiofônica no Brasil -um discurso do presidente Epitácio Pessoa-, que foi captado em Niterói, Petrópolis e em São Paulo. Sua reação foi imediata: “Eis uma máquina importante para educar nosso povo”.

Tentou convencer o governo federal a adquirir os equipamentos apresentados na Feira, mas não conseguiu. Mas convenceu a Academia Brasileira de Ciências e em 20/4/1923 fundou a segunda rádio do País: Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A “história oficial” conta que foi a primeira emissora do país. Na verdade, a primeira foi a Rádio Clube de Pernambuco, em 1919. Pouco depois criou e passou a dirigir a revista Electron, especializada na nova tecnologia com diagramas de receptores da época. Em 1936 fez a doação de sua emissora ao MEC, tendo Gustavo Capanema como Ministro, e passou a ser chamada Rádio MEC. Em 1940 foi eleito diretor do Instituto Indigenista Americano do México.

Foi um intelectual com participação ativa em diversas instituições. Desde 1927 integrava a ABL-Academia Brasileira de Letras e foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade de Geografia, da Academia Nacional de Medicina. Foi Também presidente de honra da Associação Brasileira de Antropologia e um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro. Na condição de diretor do Museu Nacional da UFRJ, em 1926, organizou ali a maior coleção de filmes científicos no Brasil. Foi presidente do 1º Congresso Brasileiro de Eugenia, em 1929, um tema considerado relevante na comunidade científica da época. Para ele o estudo da Eugenia deveria ser aplicado na melhoria das condições físicas e mentais da população brasileira, sem excluir negros e mestiços.

Com o surgimento da TV na década de 1950, esforçou-se para criar uma TV Educativa, tal como tinha feito com o Rádio e conseguiu do governo Vargas a concessão de um canal de TV em 14/3/1952. Apesar de planejada nos mínimos detalhes e possuir financiamento aprovado pela Câmara Municipal do Distrito Federal, o plano não saiu do papel. Não obstante seu empenho neste projeto, não conseguiu realizá-lo e faleceu amargurado em 18/10/1954. Ainda vivo foi homenageado com seu nome dado a mais antiga premiação da televisão brasileira, o “Troféu Roquette-Pinto”, criado em 1950. A última edição desta comenda se deu em 1982. Como homenagem aos seus estudos científicos, seu nome denomina várias espécies de plantas e animais: Endodermophyton Roquettei, Alsophila Roquettei, Roquetia Singularis, Phyloscartes Roquettei e Agria Claudia Roquettei.

Além de um grande número de artigos científicos e conferências, deixou alguns livros publicados, com destaque para Guia de antropologia (1915), Elementos de mineralogia (1918), Conceito atual da vida (1920), Seixos rolados: estudos brasileiros (1927), Ensaios de antropologia brasileira (1933), ensaios brasilianos) 1941. Como biografia e estudos sobre seu legado, temos: Antropologia brasiliana: ciência e educação na obra de Edgard Roquette-Pinto, publicado em 2008 pelas editoras da UFMG e Fiocruz; Edgard Roquette-Pinto, na Coleção Educadores do MEC, de Jorge Antonio Rangel, publicado em 2010 pela Fundação Joaquim Nabuco; Em busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro, de Vanderlei Sebastião de Souza, publicado em 2018 pela Editora da Fundação Getúlio Vargas.

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AS BRASILEIRAS: Gaiaku Luíza

Luiza Franquelina da Rocha nasceu em 25/8/1909, em Cachoeira, BA. Mais conhecida como Gaiaku Luíza de Oyá, a denominação para Mãe- de-Santo na religião do Candomblé. Seu Terreiro “Roça do Ventura” foi tombado como patrimônio cultural pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia em 2006. Inspirou Dorival Caymmi a compor o samba O que é que a baiana tem? e estabeleceu um “padrão” da baiana quituteira mantido até hoje em Salvador.

Nascida e criada numa família descendente de africanos escravizados e dirigentes de terreiros do Candomblé. Diz-se que nasceu predestinada a ser uma dirigente religiosa. Porém, só veio a saber disso mais tarde, quando foi sacramentada, em 1945, aos 36 anos. Se casou em 1936 com o alfaiate Aristóteles, que a abandou pouco depois após o falecimento da primeira filha. Grávida da segunda filha, e sem condições de se manter, voltou a Cachoeira e foi acolhida pela mãe. Pouco depois foi iniciada na nação Ketu e mais tarde foi confirmado que seu santo de guia era da nação Jeje.

Em meados de 1938 vendia acarajé em seu tabuleiro no centro de Salvador e teve um encontro com Dorival Caymmi, um jovem de 25 anos, que pediu para fotografá-la. No ano seguinte Caymmi gravou a música – O que é que a baiana tem? – descrevendo o modo como Gaiaku Luiza se vestia. A música foi apresentada em 1939 no filme Banana da terra, estrelado por Carmen Miranda vestida paramentada como baiana e gravada no mesmo ano nos EUA, constituindo-se num sucesso internacional que projetou Caymmi e estabeleceu o padrão do vestuário da baiana.

Eles nunca mais se encontraram, até que em 2005 ela tomou coragem, telefonou para Caymmi e tiveram um breve diálogo, que não prosperou: “Olha, a baiana de 1938 ainda está viva”. Quem? A do acarajé?”, perguntou Caymmi já idoso e desligou o telefone. Em 1944 foi iniciada na nação Jeje-Mai e recebeu o cargo de Gaiaku no ano seguinte. Em 1952 fundou o Terreiro “Humpame Ayono Huntoloji’, em Salvador, no Parque São Bartolomeu, e passou a trabalhar formando novas mães-de-santo. Em 1963 adquiriu um sítio em Cachoeira, para onde transferiu seu Terreiro e permaneceu até 20/6/2005, quando veio falecer aos 94 anos.

No ano seguinte Marcos Carvalho lançou sua biografia Gaiaku Luiza e a trajetória do Jeje-Mahi na Bahia, pela Editora Pallas, no Rio de Janeiro, enfocando seu aspecto religioso. Em 2013 Nívea Alves dos Santos apresentou a dissertação (Mestrado na área de Estudos Étnicos e Africanos) na UFBA-Universidade Federal da Bahia, intitulada “Entre ventos e tempestades: os caminhos de uma Gaiaku de Oiá” e disponível  clicando aqui. Em 2018 a dissertação foi transformada em livro, lançado pela Editora da UFBA.

No “Livro do Registro Especial dos Espaços Destinados a Práticas Culturais e Coletivas” da Bahia, seu Terreiro se apresenta como um verdadeiro celeiro de resistência cultural e religiosa e Gaiaku Luiza é vista como “uma das mais prestigiadas mães-de-santo do Recôncavo Baiano e uma das mais importantes e emblemáticas sacerdotisas da história das religiões de matrizes africanas no Brasil e nome fundamental para a resistência do Candomblé Jeje no Brasil nas últimas décadas”. Em 2013 ela inspirou o samba-enredo da Escola de Samba Acadêmicos do Sossego: “De Luiza D’oyá a Carmem Miranda. O que é que a baiana tem?”

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OS BRASILEIROS: Liêdo Maranhão

Liêdo Maranhão de Souza nasceu no Recife, PE, em 3/7/1925. Dentista, folclorista, escritor, escultor, cineasta, fotógrafo e pesquisador da cultura popular. Segundo Ariano Suassuna, “é um dos maiores conhecedores da literatura de cordel do Brasil”.

Teve os primeiros estudos em colégios do Recife e formou-se pela Faculdade de Medicina, Odontologia e Farmácia do Recife, em fins da década de 1940. Logo após a formatura, na condição de carnavalesco “juramentado”, fundou junto com seu irmão a Escola de Samba Estudantes de São José, o bairro onde nasceu e passou toda sua juventude. Frequentava diariamente o Mercado de São José, ponto de encontro com os tipos que se tornaram os protagonistas de seus livros. Sua intimidade com o Mercado resultou no livro O mercado, sua praça e a cultura popular do Nordeste: homenagem ao centenário do Mercado de São José 1875-1975, publicado em 1977 pela Prefeitura do Recife.

Segundo Mark J. Curran, chefe do Departamento de Línguas Estrangeiras da Universidade do Arizona, EUA, “é um monumento sobre a cultura popular do Nordeste”. Para Raymond Cartel, diretor do Centro de Pesquisa Luso-Brasileira da Universidade de Sorbonne, em Paris, “é a maior autoridade das ruas do Recife”. No início da década de 1960, viajou para a Europa, onde passou 3 anos e conheceu 11 países. Fez estágio como dentista no Hospital de La Pitié, em Paris. Com o auxílio de uma bolsa de estudos, estagiou no Hospital Provincial de Madrid. Após muitas viagens de carona, lavar pratos em restaurantes, carregar e descarregar caminhões, tocar pandeiro e trabalhar em teatros, casou-se com a espanhola Bernarda Ruiz e retornou ao Brasil, indo morar em Olinda.

Em 1964, passou a fazer esculturas em madeira, sendo premiado no Salão de Arte do Estado de Pernambuco. Participou do “Atelier + 10”, em Olinda ao lado de artistas plásticos como João Câmara e Vicente do Rego Monteiro. Por essa época ingressou no PCB-Partido Comunista Brasileiro e foi Secretário de Finanças do Diretório Municipal. Participou do Movimento de Cultura Popular do Recife no primeiro mandato do governo Miguel Arraes. A partir de 1967, iniciou uma viagem pelo interior do estado em busca de folhetos de cordel para uma pesquisa sobre os cangaceiros. Queria saber como é o cangaço visto pelo povo.

Apaixonou-se pela literatura de cordel e fez um documentário em 16 mm registrando os folhetos na década de 1970, intitulado O folheto. Mais tarde publicou O folheto popular: sua capa e seus ilustradores, publicado pela Editora Massangana, em 1981. Como conhecedor da poesia popular, colaborou com artigos na Revista Equipe, dos servidores da SUDENE, e do Jornal Universitário, da UFPE. Como escultor, foi premiado no XXX Salão Oficial de Arte do Museu do Estado de Pernambuco. Ao longo da vida, tornou-se um colecionador da cultura popular, incluindo objetos e documentos raros, como os livros sobre medicina popular e culinária nordestina, além de folhetos de cordel.

Sua casa, em Olinda, tornou-se um museu folclórico, transformada hoje em “Casa da Memória Popular”, contendo mais de 2 mil fotos e cerca de 10 mil itens dispostos à visitação pública. Na condição de memorialista, deixou publicado alguns livros indispensáveis ao conhecimento da cultura nordestina: Classificação popular da Literatura de cordel (Editora Vozes, 1976), O povo, o sexo e a miséria ou o homem é sacana (Ed. Guararapes, 1980), Conselhos, comidas e remédios para levantar as forças do homem (Ed. Bagaço, 1982), Cozinha de pobre (Ed. Bagaço, 1992), Marketing dos camelôs do Recife (Ed. Bagaço, 1996), A fala do povão: o Recife cagado-e-cuspido (Edição do autor, 2004), Rolando papo de sexo: memórias de um sacanólogo (Ed. Livro Rápido, 2005).

Após seu falecimento, em 2014, a Prefeitura do Recife perpetuou sua presença com uma estátua de bronze em tamanho natural na praça do Mercado, seu ponto de encontro com a cultura pernambucana e com os recifenses.

JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

AS BRASILEIRAS: Jovita Feitosa

Antônia Alves Feitosa nasceu em Tauá, CE, em 8/3/1848. Conhecida pelo apelido Jovita, alistou-se para a Guerra do Paraguai, em 1865 como Voluntária da Pátria. Foi vestida de homem, mas logo foi descoberta e seguiu assim mesmo para o Rio de Janeiro, como 2º sargento. Aclamada pelo público, tornou-se heroína nacional sem ter sido incorporada ao Exército, e foi inscrita no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria através da lei nº 13.423, de 27/3/2017.

Filha de Maria Rodrigues de Oliveira e Simeão Bispo de Oliveira, perdeu a mãe aos 12 anos e foi morar com um tio no Estado do Piauí. Pouco antes dos 18 anos alistou-se no Exército, disfarçada em roupas masculinas. Sua disposição e demonstração de coragem comoveu o presidente da Província do Piauí, Franklin Dória, que a aceitou como voluntária, recebendo farda e embarcando para o Rio de Janeiro. Ao chegar foi recebida como personalidade pública, atraindo a atenção de todos que queriam conhecer a mulher que desejava ir à guerra.

Transformada de repente em celebridade, foi notícia em todos os jornais cariocas, chegando a ser comparada a Joana D’Arc em prosa e verso. Sua fama chegou a causar a publicação de um livreto – Traços biográficos de Jovita: Voluntária da Pátria – escrito por Vivaldo Coaracy e publicado pela Typografia Imparcial de Brito & Irmão, em 1865. No entanto, sua incorporação ao Exército foi recusada pelo Ministro da Guerra. Seus apoiadores tentaram revogar a interdição e chegou a ser recepcionada pelo Imperador Dom Pedro II, em 18/9/1865, pedindo-lhe uma intervenção, que não foi atendida. Para custear seu retorno a Teresina, foi organizado um espetáculo beneficente entre os apoiadores. Ao chegar foi recebida pela família com certa frieza e teve dificuldades em se manter no mundo de onde viera.

Desiludida, voltou ao Rio de Janeiro e passou a levar uma vida precária. Conforme noticiou um jornal “arremessou-se no caminho da perdição e da amargura”. Conheceu o inglês William Noot, funcionário da Rio de Janeiro City Improvements Ltd. e passaram a namorar. Em pouco tempo, o rapaz teve que voltar à Londres e deixou um bilhete de despedida que ela não leu por não saber inglês. Em 9/10/1867 foi até a pensão do rapaz; soube de seu retorno à Londres; ficou abalada; foi até o quarto que ele ocupava e pediu para ficar só por um instante. Como demorou mais que o previsível, foram ao quarto e a encontraram deitada na cama com um punhal cravado no peito. Deixou um bilhete declarando que ninguém a havia ofendido e que se matava por motivos que só ela e Deus conheciam.

O nome de Jovita foi esquecido até os últimos 30 anos, quando reapareceu em livros que mesclam mito e realidade. A prostituição e o suicídio de certa forma desapareceram no imaginário nacional e para muitas pessoas ela morreu em batalha. Sua memória foi também recuperada como heroína da luta das mulheres pela igualdade de direitos. Esta é uma das conclusões a que chegou o historiador José Murilo de Carvalho em seu livro Jovita Alves Feitosa: voluntária da pátria, voluntária da morte, publicado pela Editora 34, em 2019. O livro traz a reprodução de diversos documentos de época, notícias de jornal, depoimento dado à polícia, diversos poemas escritos em sua homenagem, fotografias etc. Sua inclusão no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria revela, de certo modo, os critérios sobre a inclusão de nomes no referido livro.

JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

OS BRASILEIROS: Pascoal Carlos Magno

Pascoal Carlos Magno nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 13/1/1906. Advogado, ator, poeta, crítico literário, dramaturgo, diplomata e “agitador cultural oficial” no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960). Foi um dos renovadores do teatro brasileiro ao criar a figura do diretor teatral e impulsionar a formação e profissionalização de atores.

Filho de Filomena Campanella e Nicola Carlomagno, imigrantes italianos, teve sua primeira atuação na peça Abat-Jour, em 1926. Em seguida passou a exercer a crítica literária n’O Jornal. Junto com sua amiga Ana Amélia Mendonça, fundou a Casa do Estudante do Brasil-CEB, em 1929, mesmo ano em que formou-se em Direito. No ano seguinte foi premiado pela ABL-Academia Brasileira de Letras por sua peça Pierrot. Ingressou na carreira diplomática e passou 3 anos na Europa, regressando ao Brasil em 1936. Voltou decidido a modernizar o teatro brasileiro e inicia uma campanha para a criação do Teatro do Estudante do Brasil-TEB, inaugurado em 1938.

Inspirado nos teatros universitários europeus, tinha dois propósitos: estabelecer uma função pedagógíca, com a formação teatral, e outra artística, com a função do diretor teatral. Em 10/2/1938 publicou um anúncio no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro: “Estão convidados os estudantes de ambos os sexos que estejam interessados no Teatro Universitário[…]. À maneira do que se efetua nas universidades europeias e americana, este núcleo teatral realizará um movimento de cultura por intermédio do teatro”. O TEB foi bem-sucedido e 10 anos depois estava apresentando a peça Hamlet, de Shakespeare, e revelando o talentoso ator Sergio Cardoso. No ano seguinte (1949) comandou o “Festival Shakespeare”, onde foram encenadas as peças Romeo e Julieta, Macbeth e Uma noite de verão.

Pouco antes, em 1946, sua peça Tomorrow will be diferente foi encenada em Londres e outras cidades da Europa, tendo boa aceitação da crítica. A fim de tornar o TEB conhecido em âmbito nacional, realizou uma extensa turnê pelo norte e nordeste do Brasil, em 1951. Por esta época afastou-se do TEB e criou e Teatro Duse (atual Teatro Duse-Casa Pascoal Carlos Magno) em seu casarão no bairro Santa Teresa, revelando autores como Antonio Callado e Rachel de Queiroz, e funcionou com entrada franca até 1956. Neste ano, o presidente Juscelino Kubitschek toma posse e elege-o “agitador cultural oficial”, encarregando-o de dinamizar a cultura e buscar talentos artísticos em todo o País.

Iniciou em 1958 com o 1º Festival Nacional de Teatros de Estudantes, no Recife, reunindo mais de 800 jovens, revelando João Cabral de Melo Neto, com a peça Morte e Vida Severina , e de Antônio Abujamra como diretor teatral. O 2º Festival ocorreu em Santos (SP), com 2 mil estudantes e a revelação de José Celso Martinez Correia, Etty Fraser e Amir Haddad. O 3º se deu em 1961 em Brasília com 23 grupos teatrais. No ano seguinte realizou o 4º Festival em Porto Alegre, com mais de mil participantes. O 5º Festival foi realizado em 1968 na Guanabara.

Com tal desempenho, foi nomeado secretário-geral do Conselho Nacional de Cultura, em 1962, quando organizou a “Caravana da Cultura”, percorrendo os estados Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas com 256 jovens em espetáculos teatrais, de dança e música. Com o Golpe Militar de 1964 foi afastado da carreira diplomática, mas não deixou de continuar como “agitador cultural”. Em 1965 criou a “Aldeia de Arcozelo” em Paty do Alferes (RJ), uma fazenda histórica que recebeu como doação de João Pinheiro Filho, com o propósito de fazer uma escola de teatro e local de retiro de artistas. Para realizar o empreendimento, teve que vender seu casarão de Santa Teresa e gastou todos seus bens no projeto. Mesmo assim, realizou aí o 6º e último Festival de Teatro, em 1971.

Hoje a Aldeia de Arcozelo abriga o Centro Cultural Pascoal Carlos, mantido pela FUNARTE-Fundação Nacional de Artes, numa área de 51.000 m². Porém, segundo informações obtidas na Wikipedia, o local está abandonado em precário estado de conservação, fruto do descaso das autoridades e com visitação suspensa. Seu último projeto cultural foi a “Barca da Cultura”, que navegou pelo rio São Francisco de Pirapora a Juazeiro levando espetáculos pelas cidades no percurso.

Ao completar 70 anos, Carlos Drummond de Andrade prestou-lhe homenagem com uma crônica publicada no Jornal do Brasil, em 16/1/1976, concluindo: “por sua vida curtida e generosa, hoje deveria ser feriado nacional”. Faleceu em 24/5/1980 e 2 anos depois foi homenageado com seu nome dado ao teatro de Hamburgo (RS). Em 2009 Fabiana Siqueira Fontana apresentou uma dissertação de mestrado na UFRJ, transformada em livro publicado em 2016 pela FUNARTE: O teatro do Estudante do Brasil de Pascoal Carlo Magno. Trata-se do histórico da modernização do teatro brasileiro. Segundo o crítico Yan Michalsky “Pascoal Carlos Magno, pessoa física, foi na verdade uma instituição: sozinho, embora sempre ajudado por legiões de jovens que ele sabia contagiar com a mística das suas utopias”.

JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

AS BRASILEIRAS: Maria Lenk

Maria Emma Hulga Lenk Zigler nasceu 15/1/1915, em São Paulo, SP. Primeira nadadora brasileira a estabelecer um recorde mundial, é pioneira da natação moderna ao introduzir o nado borboleta nos Jogos Olímpicos de Verão de 1936, em Berlim. Foi a única mulher do País a integrar o Swimming Hall Fame, nos EUA. É “Patrona da Natação Brasileira”, conforme Lei nº 14.418/2022.

Seus pais -Rosa e Paul Lenk-, imigrantes alemães, vieram para o Brasil em 1912. Aos 10 anos contraiu uma pneumonia dupla e os pais acharam que a natação faria bem à menina. Na ausência de piscinas, ela teve que aprender a nadar no rio Tietê. um local onde praticava-se esportes e banho recreativo. Aos 17 anos já era uma atleta de nível internacional. Foi a primeira mulher sul-americana a participar das Olimpíadas de Los Angeles, em 1932. Nos anos seguintes venceu 4 vezes a tradicional “Travessia São Paulo a Nado”.

Trata-se de um importante campeonato de natação, saindo da Ponte da Vila Maria até a Ponte das Bandeiras, ao lado do Clube Esperia, realizado nas décadas de 1930 e 1940. Na preparação para os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1939, quebrou 2 recordes mundiais individuais, nos 200m e 400m peito. Preparou-se para competir na XII Olímpiada, de 1940, que não ocorreu devido a II Guerra Mundial. Nos anos seguintes excursionou pelos EUA, participou de muitas competições e quebrou 13 recordes. Aproveitou a estadia para realizar um curso de educação física na Universidade de Illinois e tornou-se membro vitalício da Sociedade Americana de Técnicos de Natação.

De volta ao Brasil, em 1942, encerrou a carreira de atleta profissional e participou da criação do curso de educação física na Universidade do Brasil, atual UFRJ. Para isto publicou o livro Organização da Educação e Desportos, em 1941. Além deste publicou Natação (1942) e Natação Olímpica (1966). Em 1944, se casou com o diplomata norte-americano Daniel Ziegler, teve um casal de filhos e continuou com a carreira na área da gestão esportiva e foi pioneira, também, na gestão dos esportes e na criação da disciplina “Administração esportiva”, ministrada no curso de Educação Física em todas as faculdades.

Na década de 1950 implantou uma escola de natação para crianças na piscina do Hotel Copacabana Palace, que permaneceu até os anos 1970. Para muitos cariocas que frequentavam o Hotel, era um privilégio tê-la como professora. Em 1980, aos 65 anos, começou a participar das competições de Masters, para nadadores acima de 25 anos, promovidas pela Associação Brasileira de Masters em Natação, que ela ajudou a fundar. Foi membro da Federação Internacional de Natação desde 1988, quando foi homenageada com o “Top Ten” por ser um dos 10 melhores nadadores do mundo.

Em 2000, no campeonato mundial da categoria 85-90 anos, realizado em Munique, ela ganhou 5 medalhas de ouro: 100 metros peito, 200 metros livre, 200 metros costas, 200 metros midley e 400 metros livre. Com tais conquistas, ganhou o apelido de “Mark Spitz da terceira idade”, uma referência ao nadador vencedor dos Jogos Olímpicos de Verão de 1972. Após 3 anos de pesquisa exaustiva sobre os benefícios do esporte na longevidade, lançou o livro, precisamente com este título: Longevidade e Esporte, publicado em 2003. Nadava cerca de 1.500 metros por dia e em 16/4/2007 foi fazer seu exercício diário na piscina do Flamengo. Enquanto nadava, sofreu um aneurisma decorrente do rompimento da artéria aorta, provocando uma hemorragia, e veio a falecer em plena atividade aos 92 anos.

Em 2021 fizeram-lhe uma homenagem e um resgate a altura de sua importância para a natação brasileira. Ana Maria de Freitas Miragaya, secretária-geral do CBCP-Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin, reuniu um seleto time de especialistas na área e coordenou a edição bilingue (inglês/português) do livro Maria Lenk: atleta, educadora e cientista; a primeira heroína olímpica do Brasil, publicado pela Gama Assessoria numa bela edição de 582 páginas. Outra homenagem foi dar seu nome ao Parque Aquático do Complexo Esportivo Cidade dos Esportes, em Jacarepaguá.