Certa vez, escrevi aqui no JBF – Jornal da Besta Fubana – que não faço exercício de futurologia. Sobre o passado sei contar muitas histórias, muitos “causos”, muita lorota, mas sempre com certa dose de preguiça e enfado. Disse e repito: sou caeté. Qualquer assunto que não seja o Sardinha me deixa enfarado, com uma lombeira e uma preguiça de pensar. Mas, mostre-me o contrafilé do honorável Bispo chiando sobre o braseiro que logo fico igual a cachorro novo quando vê cadela no cio.
No entanto, tenho ouvido e lido muita discurseira de todo tipo de gente que, por ser popular, ou ter seguidores no facebugre, ou outra rede social, que logo se alça à categoria de intelectual. Intelectual é Maurício Assuero, Neto Feitosa, Luiz Berto Filho, Maurino Junior, Tereza Noronha, Violante Pimentel, e também o saudoso Roberto Campos. O resto pode embrulhar e dar descarga. Não valem nem a água utilizada para tal fim. Mas, como dizia, há uma raça de ditos intelectuais, políticos, influenciadores, artistas, jornalistas, advogados, professores – que Deus me perdoe -, que se consideram no mesmo nível de um Spinoza, de um Wittgenstein, de um Hegel, ou Kant. Se bem que um Hegel, um Kant, um Spinoza daria um saboroso jantar. Esses outros, até pensar em assá-los, já repugna meu espírito caeté.
E, todo esse magote de gente adotou o mesmo discurso que certo ajuntamento de larápios, perigosíssimos chama de salvar a Democracia no Brasil. Livrar a democracia do fascismo, do autoritarismo, da ditadura personalista que foi incorporado ao ex-presidente Jair Bolsonaro e todos aqueles que utilizam o cérebro, e não a porção final do intestino grosso para pensar. Hoje, qualquer discurso que não se amolda a esse tipo de “pensamento”, logo é chamado de “ódio”, de extremismo, de genocida, e por aí vai.
Mas o que, de fato precisa ser salvo no Brasil? Na verdade, o Brasil precisa ser salvo. Salvo de uma aberração que se travestiu de Democracia lá em 1988 quando passou a vigorar esse monstrengo que Ullysses Guimarães chamou de Constituição Cidadã. Ela é tão cidadã que o cidadão até hoje nunca se aproximou dela, e nunca teve a sua validade em pleno vigor. Quem acredita que a constituição de 1988 ainda existe, ou é besta, ou é safado. Já foram tantos remendos – os políticos chamam de emenda -, tantos pedaços extirpados e enxertados que o texto original não existe mais. Já acabou. Já é extinto. O que existe é um manual utilitário que servem aos capatazes de plantão usar a seu intento para fazer o que quer, dando uma banana para o cidadão.
A tal “República Nova” inaugurada com a constituição de 1988 não passa de um arranjo político para que alguns espertalhões façam negócios, enriqueçam, e, quando dão com os burros n’água, jogam a conta para o povão pagar. Vejam o caso do STF. Lembro-me quando a ministra Rosa Weber deu um exemplar da constituição de 1988 para Jair Bolsonaro quando foi empossado. Havia ali uma provocação explícita da ministra sobre o presidente. Porém, para mim ficou a impressão que ela deu o único exemplar dessa estrovenga. Depois disso, o STF passou a agir como se cada ministro tivesse na cabeça a sua própria constituição. O atropelo à legalidade, à cidadania, ao estado de DIREITO, à independência dos poderes, a esculhambação legal passou a ser norma e não algo a ser repudiado nos locais que, em tese, deveria ser a guardiã da Justiça, da legalidade e da proteção ao cidadão.
O legislativo, não importa qual a sua esfera, tornou-se valhacouto de escroques, esconderijo de bandido que, sob a capa de “inviolabilidade”, encontrou nesse poder um porto seguro para dar continuidade às suas velhacarias. Os mandatários, isto é, aqueles a quem são delegados um poder temporário e que deve ser exercido em nome do mandante – o povo -, só aceita ser tratado por “excelência”. Adjetivo bom demais para pessoas que deveriam estar dentro de uma caçapa de camburão e não em um gabinete legislativo.
Comercializam voto a céu aberto. Fazem um troca-troca pusilânime, venal e ilegal sempre com a justificativa de trabalhar pelos interesses de seus eleitores e seu reduto eleitoral. Quando oiço algum político bostejando isso, logo penso: meu ovo! Vá contar essa lorota para outro. A venalidade do legislativo criou o que todos chamam de presidencialismo de coalizão. Um eufemismo para ladroagem cruzada e defesa dos próprios interesses, em detrimento do futuro da nação.
O poder executivo não fica atrás. Tivemos a coragem de eleger um corrupto triplamente condenado para o posto mais alto do executivo, assim como muitos estados elegeram não biografias, ou currículos, mas sim prontuários policiais ambulantes e sem vergonha. O que me revolta é que todas as vezes que cometemos esse tipo de loucura, estamos condenando nossos filhos e netos a continuar a viver em latrinas e fossas, sem esperanças de progresso, de melhoria da qualidade de vida, sem chances de futuro. Somos especialistas em sabotar o futuro de nossos filhos e netos, e o fazemos com promessa de picanha e cerveja.
Essa última eleição provou para o mundo que temos o comportamento de porcos. Enquanto estivermos na pocilga sendo alimentados com lavagem, espojando na lama, uma sombra para descansar de um trabalho que não fizemos, está tudo bem. Até chegar a véspera do Natal e sermos levados para o cepo. E o nosso cepo está mais perto do que muitos imaginam.
Leis, normas, civilidade, honra, vergonha na cara, para que isso? Uns caraminguás de quatrocentos reais compra tudo isso e muito mais. Viver como mendicantes estatais, escravos de uma república que de “coisa pública, ou do povo” não tem nada, apenas o nome, é indigno, é repugnante, é desonroso. Somos uma nação pobre em que 100 milhões de brasileiros vivem, literalmente na merda. Sem água tratada, sem esgoto tratado, sem socorro, sem saúde, sem educação, sem segurança pública e que ainda teima em votar nos mesmos sujeitos que negam essas coisas básicas.
Hoje estive no hospital por causa de uma queda no serviço. Tive que fazer uma tomografia e raio – X. Minha salvação foi o plano de saúde, caro, custando os olhos da cara e os zovos também, mas senti uma dor terrível ao ver mais de 30 pessoas esperando o mesmo exame, mas pelo SUS, essa monstruosidade que só suga dinheiro e não dá a mínima para o cidadão que espera por serviços de saúde.
Esta nação está errada em sua essência. Nos acostumamos a ver toda essa situação com naturalidade, como se barracos construídos à beira de valas negras sejam igual a mata ciliar, como se o cidadão extropiado gemendo de dor, aguardando um exame pelo qual ele já pagou, fosse semelhante a um calangro de parede. Faz parte da paisagem. Povo desdentado, com a barriga grande de esquistossomose, bebendo merda líquida, em vez de água, morrendo soterrada em deslizamento de barranco fosse a coisa mais natural.
A constituinte de 1988 tem parte na responsabilidade do nosso “Estado de Arte”, mas a dita república inaugurada com ela tem a sua maior parcela de culpa. Se o Brasil quiser salvar a democracia que, de uma forma, ou de outra, só existe, só há uma saída: acabar com a república de 1988 e inaugurar outra, mas com pilares baseados na civilidade e na legalidade. Só assim salvaremos a democracia no Brasil.