CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

REBECA, A MULHER INESQUECÍVEL

– Não case com Rebeca, você vai ser o maior corno do Estado.

Plínio ouviu esse conselho várias vezes depois que anunciou e convidou os amigos para casamento no ano novo.

Verdade seja dita, em seus 25 aninhos, Rebeca, morena dos lábios grossos, expirava sensualidade por todos os poros, tinha um requebro provocativo, os homens davam em cima da jovem, ela não rejeitou. Em resumo, Rebeca gosta de homem, nunca escondeu. Certa festa de batizado, ela foi apresentada ao pacato Plínio, 43 anos, celibatário por convicção. Ele achava o casamento muito complicado. Gostava de garota de programa. Dizia ele que pagava o sossego, o descompromisso.

Rebeca entusiasmou-se com aquele coroa calmo de uma beleza máscula, queixo quadrado, olhos sonhadores. Encantada, conversou alegre, divertida puxando risadas com Plínio, um convicto religioso. Marcaram encontro, ele interessado no traseiro maravilhoso, tiveram conversas agradáveis, inconsequentes. Quem podia com o feitiço e encantamento de Rebeca? Na primeira oportunidade estavam aos beijos nas esquinas, até que chegou a hora da onça beber água, uma noitada no motel. Plínio transformou-se. Não conhecia as variações e possiblidades em torno do tema, Rebeca ensinou tudo, sábia de nascença.

Plínio ficou acostumado, já não podia viver sem os carinhos da jovem, pediu Rebeca em casamento. Sem ligar as advertências, o casamento foi celebrado na Igreja de Santa Rita, no Farol. O casal viveu tranquilo, Plínio dedicou-se ao trabalho, professor universitário, cultura fecunda adquirida nos livros. O tempo passou normalmente, Plínio satisfeito com a esposa, um o vulcão na cama. Rebeca, ao contrário, não se acostumou com a vida de casada, tinha saudades de sua vida solta na boemia, fez força para ficar em casa sossegada, mas foi difícil se conter. Não havia completado dois anos de casados ela já dava umas fugidas, cada vez mais constantes, foi relaxando, quando Plínio descobriu, já era o maior corno do Estado. Decepcionado, expulsou Rebeca de casa. Chorona, ela pedia perdão. Em um mês vendeu a casa, teve que dividir a grana com Rebeca. Prometeu nunca mais casar. Porém, vez em quando vinham lembranças de Rebeca.

Passeando no Shopping encontrou sua prima, Eunice, quarentona, desquitada, enfermeira, independente, com uma filha jovem. Os dois se deram bem, começaram a sair. Um ano de encontros, marcaram compromisso. Plínio quebrou a jura, pela segunda vez casou-se na Igreja de Bebedouro.

Ao conhecer Joana, filha de Eunice, 20 anos, ele teve um sentimento estranho, os lábios da moça, sua pele morena, seu sorriso debochado lembrava Rebeca. Veio-lhe um sentimento de atração e lembranças dos feitos de Rebeca na cama. Evitava encarar, conversar com a enteada. Certa noite ela perguntou-lhe com malícia.

– Porquê você me evita? Não gosta de mim? Sou uma mulher adulta, não sou criança.

Plínio continuou equidistante de Joana, ao retornar à sua casa numa noite de calor em que Eunice estava de plantão, encontrou a enteada sentada à mesa, estudando, vestia apenas calcinha e uma blusa transparente. O sangue de Plínio ferveu nas veias, entrou rapidamente no seu quarto, logo a porta se abriu, era Joana com todo esplendor, sem blusa, olhou-o nos olhos, estendeu-lhe os braços.

O ex celibatário tornou-se bígamo de mãe e filha. Eunice, calada, melhorou sua vida, faz que não sabe. Plínio enche a enteada de presentes, já deu até um carro. Nas horas íntimas, muitas vezes chama a enteada de Rebeca.

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

PRÊMIO

21° PRÊMIO NOTÁVEIS DA CULTURA ALAGOANA 2024.

ENTREGA DO TROFÉU RONALD MENDONÇA

O saudoso forrozeiro José Lessa foi o comtemplado na sua categoria cultural. Está fazendo muita falta

Peço vênia aos leitores, hoje não tem história, tomei esse espaço para lançar um Prêmio que começou numa brincadeira e tornou-se uma disputa festiva, uma alegria para quem ganha o Prêmio. A escolha dos premiados é realizada por votação via internet, mais democrática, impossível.

O Prêmio “Notáveis da Cultura Alagoana” foi instituído há mais de 20 anos numa sátira aos prêmios de fim de ano que têm meramente interesses em vantagens financeiras para os organizadores, os homenageados pagam o prêmio. Por tudo isso, a Associação Cultural Alagoa do Sul vem dando continuidade a esse prêmio que tornou-se também um Ponto de Encontro, uma reunião anual da Cultura Alagoana, premiando os vários segmentos da cultura que se destacaram durante o ano.

Em janeiro acontece uma bela festa de entrega dos prêmios na Barraca Pedra Virada, na orla da Ponta Verde, com direito a pôr-do-sol e boa música para entrega do Prêmio.

No dia 29 de janeiro de 2025, última quinta-feira de janeiro, a organização pretende repetir o sucesso. Será realizada a festa de entrega do Troféu RONALD MENDONÇA, homenagem ao escritor quem mais ganhou esse prêmio como excelente cronista, infelizmente a COVID nos levou.

Votação aberta na Internet. Qualquer pessoa pode votar escolhendo os que mereceram por sua atuação em 2024 nos diversos segmentos da cultura alagoana. A votação inicia dia 1º de novembro vai até o dia 31 de dezembro de 2024.

Votação simples pelo EMAIL:  carlitoplima@gmail.com

O REGULAMENTO NÃO PERMITE VOTAR EM: Governantes, políticos, secretários, cabra safado, cabra de peia, ladrão, sanguessuga, gabiru, taturanas ou quem esteve envolvido na operação Lava jato, mesmo se estiver solto, como a maioria. Uma Comissão de Alto Nível escolherá alguns premiados especiais.

ABAIXO, ALGUMAS SUGESTÕES DE SEGMENTOS CULTURAIS A SEREM VOTADOS, BASTA COLOCAR O SEGMENTO CULTURAL E O NOME DO ARTISTA.

GASTRONOMIA: Acarajé, Tapioca, Suspiro, Picolé, Sorvete, Sanduíche, Tira-gosto, Café da Manhã, Restaurante, Botequim, Barraca de Praia, Garçom, Garçonete, Ambulante, Chef, literatura gastronômica, entre outros.

MÚSICA: Cantor, Cantora, Forrozeiro, CD, Compositor, Música, Músico, Espetáculo musical, Coral, Grupo Musical, entre outros.

LITERATURA: Romance, Conto, Poesia, Ensaio, Memória, Humor, Livro, Literatura Infantil, Cronista, Colunista, Chargista, Livraria, Editora, Banca de Revista, Bibliotecária, Biblioteca, evento literário, entre outros.

DIVERSOS: Dança, Teatro, Grupo de teatro, Ator, Atriz, Cinema, Artes Visuais, Grupo Folclórico, Bloco Carnavalesco, Carnavalesco, Evento Cultural, Espaço Cultural, Programa para comunidade, Promotor cultural, Artesanato, Artesãos, Evento.

IMPRENSA: Programa de TV (cultura), Programa de rádio (cultura), Caderno de Cultura (jornais), Jornal Eletrônico (Internet), Blog, Site, Fotógrafo (jornalismo), Fotógrafo Profissional, Fotógrafo amador, Revista, entre outros segmentos.

NÃO É NECESSÁRIO VOTAR EM TODOS OS SEGMENTOS SUGERIDOS. PODEM ESCOLHER UM, DOIS OU MAIS SEGMENTOS QUE QUISER E ENVIAR O VOTO PELO EMAIL carlitoplima@gmail.com

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A FILHA DO BENEDITO

Ricardo Amaral chegou cedo ao escritório, algumas pessoas já o esperavam. Cumprimentou a todos, ao mesmo tempo deu um olhar fotográfico, entrou na sala, sentou-se no birô, iniciou a leitura da correspondência. Chamou Sofia, perguntou os assuntos daquela manhã, a secretária explicou cada caso, inclusive a filha de Benedito pegou o cheque mensal, mas queria falar com ele. Veio-lhe um devaneio. Ricardo recordou o amigo de infância, Benedito, filho da lavadeira Benedita, o melhor ponta direita do time de futebol da praia da Avenida da Paz. Naquela época de adolescentes, a juventude aceitava as diferenças sociais, valia mais quem sabia jogar mais, quem trepava numa mangueira ou num coqueiro com destreza e sabia fugir correndo do vigia. Benedito era um atleta nato, desde o futebol na praia até mergulhar da cumeeira dos trapiches avançados mar adentro. Tornou-se o grande amigo de Ricardo, andavam juntos caçando lagartixa com atiradeira (peteca), mergulhavam e pescavam no Riacho Salgadinho, pegavam caranguejo goiamum e outras brincadeira inventada por aqueles jovens adolescentes, na puberdade, se descobrindo, se possuindo dentro do mar, em intenção às moças de maiô deitadas na areia alva da praia da Avenida.

O tempo que tudo desfaz separou a amizade de infância. Ricardo continuou rico e Benedito pobre. Certa tarde, depois de muitos anos, uma surpresa, Benedito procurou o amigo Ricardo. Ele estava morrendo, pediu ajuda, não deixasse sua família desamparada. Há três anos Ricardo mensalmente dá um cheque de R$ 500,00 à família, um dos filhos de Benedito vai buscá-lo no início de cada mês. Ele não conhecia essa filha do Benedito, notou num relance ser uma morena vistosa. A jovem puxou a cadeira confortável sentou-se, elegante, cruzou as pernas, sorriu.

– Meu pai falava muito no senhor, muitas histórias de uma juventude alegre na praia. Hoje, poluído, ninguém mergulha naquele mar bonito.

– Dá-me uma dor quando vejo o Salgadinho desaguando naquele mar azul esverdeado, uma pena. Benedito foi um meu grande amigo na infância. Lá se vão 40 anos. Gostaria de saber se posso ajudar em alguma coisa?

– Lá em casa, sou eu, minha mãe e mais dois irmãos. Agradeço muito sua ajuda, se não fosse o senhor, nem sei o que seria de nós. O problema é que agora estou desempregada, a necessidade me fez tornar uma GP. Mas não quero, vim apelar para ver se o senhor me arranja um emprego com seus amigos.

– O que é GP?

– Garota de Programa. Respondeu Nilda, encabulada, olhando para o chão.

– Faça o seguinte, deixe seu currículo com minha secretária, vou ver o que posso fazer.

Levantou-se, deu-lhe a mão, ficou olhando a filha do Benedito se retirar. Pensou: Que bela mulher!

Duas semanas depois Nilda estava trabalhando no escritório, auxiliar de secretária. A convivência entre os dois se estreitou. Ricardo tinha maior carinho pela filha do amigo. Ao olhar as pernas da jovem esquentava o sangue na veia, tentava se policiar.

Certa tarde no final do expediente ele dirigia seu carro para casa e avistou Nilda no ponto de ônibus. Ofereceu carona, ela abriu a porta do carro, sentou-se como uma princesa. No melhor local para ela descer, ele parou o carro, olhou nos olhos de Nilda, aconteceu o inevitável, um abraço e um beijo prolongado.

No dia seguinte ela encabulada mal olhou para o patrão. Ele a chamou mandou fazer alguns pagamentos no Centro, logo depois saiu apressado, conseguiu alcançá-la, parou o carro. Passarem uma tarde inesquecível num motel de Jacarecica.

Daí por diante, alegrou a vida de Ricardo. Pelo menos um dia na semana repetiam a tarde maravilhosa, durou por um bom tempo, até que aconteceu a festa da virada desse ano. Durante o réveillon na praia de Ponta Verde um italiano conheceu Nilda, conversaram, tomaram champanhe, celebraram com fogos a entrada do ano novo, dormiram juntos. Paolo se apaixonou, prolongou as férias, avisou a família que havia encontrado o amor de sua vida.

Nilda conversou e confessou chefe Ricardo que iria viajar, agradeceu por tudo que fez por ela. Ricardo ficou surpreso. A jovem está em Gênova preparando-se para o casamento com Paolo, conquistou toda a família do italiano. Ricardo quando soube, chocou-se. Dá-lhe uma tristeza quando vem a certeza que nunca mais terá em seus braços a filha do Benedito, seu melhor amigo.

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A TURISTA GAÚCHA

O casal sessentão todo ano planeja e realiza uma viagem internacional. Boa situação financeira, aproveitam a vida, ainda ajudam seus dois filhos e netos. Esse ano resolveram conhecer a Escandinávia, José Paulo e Tereza há três meses que estudam pelo Google o roteiro, as cidades, costumes, histórias da Dinamarca, Suécia e Finlândia. Seriam 21 dias organizados pela agência de turismo. Faltavam poucos dias para viagem, Tereza organizada, metódica, já havia arrumado as malas, checado passagens, passaportes, voucheres.

José Paulo naquela tarde ensolarada passou no hotel para comprar euros. Era pouco mais de duas da tarde quando a moça da loja de câmbio vendeu-lhe 3.000 euros. Depois de conferir, colocou-os cuidadosamente dentro de um envelope, dobrou-o e enfiou no bolso da calça.

Na saída do hotel, uma jovem, aparência simplória, chegou-se perto perguntando com sotaque sulista onde ficava o Mercado de Artesanato. José Paulo, gentil, ofereceu-lhe uma carona, era seu caminho. Atravessaram a rua, entraram no carro. A jovem agradeceu a gentileza, ele percebeu o decote generoso da gaúcha, o sangue ferveu na veia. Simpática, Vera Lúcia conversou bastante, estava hospedada com duas amigas no hotel, vieram para o Congresso de Enfermagem. Tinha adorado as praias, a cidade, o povo hospitaleiro, ficaria até domingo, não sabia se havia tempo para conhecer tantas praias bonitas.

Ao chegar na Feirinha de Artesanato da Pajuçara, José Paulo freou o carro. A jovem olhou-o nos olhos, perguntou se gostaria de dar uma volta, mostrar-lhe as praias, ainda era cedo. José Paulo, encantado com a moça, aceitou a sugestão já com outra intensão. Partiram para o Litoral Norte, conversando, sorrindo, em vez em quando Vera Lúcia soltava uma piadinha provocativa, segurou de leve a mão do coroa. José Paulo mostrou as praias, Jacarecica, Guaxuma, Riacho Doce, Ipioca, ela fotografava tudo. Em Paripueira sentaram numa barraca beira-mar, cervejinha gelada, conversa descontraída. Certo momento Vera Lúcia segurou a cabeça do coroa com as duas mãos, beijou-lhe a boca, ele perdeu a cabeça.

Pagou a conta do bar e partiu para região de motéis de Jacarecica. Embaixo daquele simples vestido havia um corpo sensual, deixou José Paulo louco. Aconteceu uma bela e voluptuosa tarde de amor, inesperada. Ao entardecer ele deixou Vera Lúcia na Feirinha de Artesanato, marcaram encontro, dia seguinte às 15 horas no hotel. O sessentão partiu alegre lembrando os carinhos quentes da jovem, loucura também é preciso, pensava.

Entrou em seu belo apartamento ao tirar a roupa para um banho e vestir um pijama, sentiu a falta do envelope, colocou a mão no bolso, percebeu que tinha sido roubado. Veio-lhe a imagem da gaúcha com cara de menina tola. Desceu no elevador, dirigiu ansiosamente até o hotel. Na portaria perguntou por Vera Lúcia, uma hóspede, jovem, gaúcha, fazendo o Congresso de Enfermagem. A atendente procurou no computador, não havia essa hospede e nem sabia desse Congresso. José Paulo, fulo de raiva, retornou ao apartamento.

Ao chegar, Tereza tomava banho, foi perguntando.

– Comprou os euros, José Paulo?.

– A loja de câmbio do hotel só abriria ás 3 horas, eu fui ao shopping fazer hora, me demorei quando passei no hotel já havia fechado o câmbio, amanhã eu compro, logo cedo.

– Você não toma jeito, é a velhice chegando. Qualquer dia perde a cabeça na rua!

– Perdi a cabeça, é verdade.

– Na transa mais cara do mundo, (disse para si mesmo).

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HOMENAGEM AO NERY

Peço desculpas aos leitores, entretanto, não posso deixar de reproduzir em minha coluna, a crônica de Sebastião Nery editada em mais de 30 jornais no Brasil, onde ele fala da história de Marechal Deodoro e da 3ª FLIMAR em 2012. O maior jornalista dos Séculos XX e XXI, morreu semana passada com 93 anos. Um amigo, um sábio.

* * *

O MARECHAL DA CULTURA

MARECHAL DEODORO (AL) – Lá em cima na mitológica Normandia, cabeça e norte da França, estuário do rio Sena, de frente para a Inglaterra a quem pertenceu em tempos passados, separadas pelo Canal da Mancha sob o qual passa hoje o túnel onde mergulha o trem que liga os dois países, há uma pequena cidade encantada com nome de flor: Honfleur.

O vale do Sena é bordejado de verde e de vaquinhas normandas. Famosos o creme de leite e o Camembert da Normandia. E o conhaque Calvados e a cidra, produzidos com as maçãs que enfeitam os prados.

Honfleur no século 15 era um porto defensivo contra invasões inglesas, em formato retangular e cercado por três ruas de edificações seculares. É como se fosse uma praça, só que no meio é água e o quarto lado dá para o rio Sena, que desemboca no Atlântico um pouco mais adiante. As casas dão a impressão de ter 500 anos ou mais, até hoje habitadas. A primeira referência histórica à Honfleur é de 1027.

HONFLEUR

E o que Alagoas tem com isso? Tem tudo. Em 1500, Portugal chegou a Porto Seguro, viu, gostou, admirou, elogiou, plantou o Marco do Descobrimento, ergueu uma cruz, celebrou uma missa e foi embora. Os piratas fizeram a festa. Sobretudo os franceses. Durou séculos o saque, o contrabando e a farra do Pau Brasil. Em Alagoas os caminhos estavam prontos: havia o mar com a “Praia do Porto do Francês”, o rio São Francisco, os rios Mundaú e Paraíba, as lagoas. Eles chegavam, pegavam o Pau Brasil e levavam, sobretudo para os portos do Havre e de Honfleur, um em frente ao outro. Era o Brasil construindo a Europa, as casas da Europa. Em 1611 nasceu a primeira capital de Alagoas (hoje Marechal Deodoro) como “Povoado de Vila Madalena de Sumaúna”, para proteger o pau-brasil do contrabando e da ação de piratas e outros. Em 1636 já era o “Município de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul”. Só em 1817 capital da capitania de Alagoas, com o nome de Alagoas. Em 1823, cidade. Em 1839, a capital foi para Maceió. E em 1939 o nome da velha cidade foi mudado para Marechal Deodoro, em homenagem ao filho ex-presidente.

A “IIIª FLIMAR”

Há três anos o talento, competência e dedicação do jornalista, escritor e coronel (do Exército) Carlito Lima, secretário de Cultura da cidade, criaram a FLIMAR (Festa Literária de Marechal Deodoro). Nesse final de semana, realizou-se a 3ª. Veio gente do pais inteiro, do Rio Grande do Sul ao Amapá, e da América Latina: jornalistas, escritores, conferencistas, poetas, cantores, grupos de teatro, folclore. Durante cinco dias, diante de suas magníficas igrejas barrocas e sobrados patinados, e sobre as praças de pedras seculares, a cidade tornou-se um anfiteatro da cultura a céu aberto.

Este ano, a IIIª FLIMAR homenageou três consagrados intelectuais: o antropólogo e folclorista alagoano Theo Brandão (Theotônio Vilela Brandão), que fez parte da celebrada geração de Graciliano Ramos, Raul Lima, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e seu marido José Auto, Aurélio Buarque, Diegues Junior, tantos outros; homenageou também o alagoano acadêmico Ledo Ivo, maior poeta vivo do pais, e o consagrado romancista baiano-carioca Antônio Torres, Premio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, com palestras sobre as obras de cada um.

“A NUVEM”

Todos os dias, de manhã, de tarde e à noite, intelectuais fizeram conferencias. Ricardo Cravo Albin, com sua sabedoria e bagagem histórica, celebrou os 100 anos de Luiz Gonzaga, mostrando a contribuição do Rei do Baião para o pais ficar conhecendo o verdadeiro rosto do Nordeste. O romancista Antônio Torres, o jornalista e escritor Luiz Gutemberg, Paloma e Janaina Amado debateram o significado lítero-cultural do centenário do saudoso Jorge Amado. A escritora e crítica literária baiana Miriam Salles analisou a nova literatura nordestina, amazônica e do Centro-Oeste.

Durante três horas, a carioca Beatriz Rabello apresentou para dezenas de bibliófilos uma oficina de restauração de livros antigos. E eu mostrei minha experiência, no Brasil e como correspondente de imprensa, de meio século de jornalista que também publica livros, como contei em meu último livro “A NUVEM – O Que Ficou do Que Passou”. Sebastião Nery – 2012

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A BARBEIRA DE ANTARES

– Me dá vontade de trair o Zacarias. Aconteceu de repente esse desprezo pelo meu marido. Vontade de sair com um cara, transar muito, sou a mulher mais carente e idiota do mundo.

Desabafou Augusta à amiga Elizabeth.

– Entendo sua inquietação. Esse negócio de trair é complicado, a maioria das vezes vem arrependimento, piora as coisas. Mas, faça o que seu coração mandar. Tenha calma, reflita para depois não se arrepender. Aconselhou a amiga.

– Você condena essa vontade de eu trair o banana do Zacarias?

– Quem sou eu para julgar? Para condenar alguém. Como amiga posso dar uma opinião, apenas isso. É uma situação passageira, aconselho a pensar, tome um ônibus, passe um bom tempo contemplando o mar, faz bem a cabeça e ao coração

– Eu me enjoiei de Zacarias. Cara fraco, perdedor, desde que foi despedido do emprego há mais de sete meses, vive dentro de casa, esperando um emprego cair do céu, assistindo televisão, tomando cerveja. Ainda bem que temos essa casa aqui no bairro de Antares. Meus pais me deram. Todo dia é uma desculpa ou uma mentira de promessa de emprego, culpando o governo. Eu sustento a casa, comida, água, luz, telefone, a cerveja, o colégio do Carlinhos, tudo com meu trabalho de barbeira na Barbearia de Seu Onório. Zacarias nem aí, só sai para o botequim, chega na hora do jantar, o português da bodega já não vende fiado. É uma tristeza. Minha única reação é não transar quando ele se achega querendo coisas. Uma noite me pegou a pulso, não sei mais o que fazer. Que ele merece um chifre, merece. Tenho um cliente, coroa alinhado, elegante, faz o cabelo toda semana, me olha demais, conversamos muito, eu deixo meu decote bem aberto ele fica contemplando, mas é um homem sério. Da última vez que no salão, ele estava lendo numa revista a reportagem sobre o filme “50 Tons de Cinzas”, disse que viu o filme, gostou das cenas. Eu sorri para ele perguntando se gostava da fruta. O coroa deu uma gargalhada, me respondeu, ainda gosto e é bom. Apesar de ele ter mais ou menos sessenta anos, tenho certeza, se eu quiser, sai comigo.

– Augusta veja o que vai fazer. A melhor solução para briga ou desentendimento é o diálogo. Faça uma força, fale francamente, com o Zacarias, diga tudo que pensa, que ele arranje um emprego, nem que seja de varredor, não é desonra alguma.

Augusta tirou o fim-de-semana para refletir. Sábado ao entardecer foi contemplar o mar azul-esverdeado da praia de Jatiúca. Pensou bastante nas palavras da amiga Elizabeth. Consultou seu coração e sua mente, pensou no Zacarias, no Carlinhos e no sessentão cheiroso.

– Que ares de felicidades são esses? Perguntou, dias depois, Elizabeth encontrando Augusta. Resolveu seus problemas? Gostei dessa transformação jovial, acabou-se a tristeza, voltou sua alegria.

– Minha amiga, tudo começou com o contemplar do belo verde mar, me senti bem, pensei no que meu coração queria. A primeira decisão foi ter uma conversa aberta com o Zacarias, disse que estava a fim de me separar, fui franca, critiquei as grossuras dele comigo, a preguiça de arranjar trabalho. Finalmente acertamos, outra chance no casamento, eu ajudaria a procurar-lhe emprego. As coisas se arrumaram, estamos vivendo melhor, ele agora tem um emprego arranjado por mim, ajuda no sustento da casa, sua autoestima melhorou.

– Ainda bem que você apagou a ideia, a vontade de trair com o coroa elegante. Disse Elizabeth sorrindo.

– É o que você pensa, o coroa elegante chama-se Humberto, com ele arranjei um trabalho de almoxarife para o Zacarias. O Doutor é engenheiro, tem uma construtora. Homem generoso e discreto. Aqui para nós, satisfiz minha vontade. O coroa é ótimo, suas invencionices na cama me deixam nas nuvens.

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VULCÃO DA PAJUÇARA

Mércia estudou em colégio de freira, foi carola de igreja na juventude, quase santa em sua maturidade. Usava vestidos de mangas cumpridas, xales nos ombros, encobria o jovem corpo, ninguém sabia o que havia por baixo daqueles panos. Sua mãe, viúva, lhe alertava, mulher depois dos 25 anos fica difícil arranjar marido, está na hora de namorar para casar, tente conseguir alguém que possa lhe sustentar.

Por meio de um deputado amigo, e amante, a mãe arranjou um emprego para Mércia na Assembleia. Mércia conheceu, namorou, Quincas, baixo, falante, advogado de uma empresa, mais velho 20 anos. Sem muito amor, depois de namoro e noivado casaram-se na Igreja do Livramento, muitos parentes, amigos, lua-de-mel em Cartagena das Índias. Mércia casou-se virgem, assim conservou-se durante o noivado graças ao respeito do noivo, se fosse da laia de certos indivíduos que conheço, aquele cabaço havia voado há muito tempo.

Quincas ficou surpreso com o desempenho de Mércia na cama, fogosa que nem uma égua no cio, um vulcão desativado, explodiu. Quincas voltou da lua-de-mel exausto. Ao retornar à vida normal ficou preocupado com sua ardente mulher. Daria conta? Entretanto, Mércia continuou em vestidos longos, cinzentos, assexuados. Somente Quincas no mundo conhecia verdadeiramente aquela loba cheia de furor na cama; na rua uma dama. Mas, Quincas não dava no coro, Mércia despertou o vulcão e Quincas não tinha vigor para apagá-lo. Mércia continuou do trabalho para missa, para casa. Tinha um tratamento respeitoso ao marido, excelente dona de casa. Só não abria mão de seu banho de mar aos domingos na praia da Pajuçara, defronte ao apartamento. Quincas não gostava de praia, ela sozinha, com um maiô discreto. Não perdia o mergulho de domingo. Quincas alertava para tomar cuidado, ela não sabia nadar.

Em certo momento as coisas foram mudando, Mércia tornou-se mais alegre, havia felicidade explícita em seu sorriso, chamava Quincas de meu amor, frase nunca ouvida. Seus vestidos encurtaram, colaram nas curvas do corpo, na praia passou a usar um biquíni, Mércia tornou-se outra mulher. O marido ficou com uma pulga atrás da orelha, nunca vira uma transformação tão radical em uma pessoa. Ele passava o dia a matutar. O que estaria acontecendo? Será influência de alguma colega de repartição? Será que pirou? Deixou de acreditar nos santos? Está me botando chifres? Ao pensar nessa última hipótese, deu-lhe uma tristeza profunda, aquela depressão típica, exclusiva de corno. Não teve coragem de esclarecer tão delicado assunto com a esposa. Ficou sofrendo calado, sozinho, o pior dos sofrimentos.

Certa manhã tomou decisão, foi ao centro da cidade, subiu no Edifício Breda, conversou com um detetive particular. Contou toda história ao Detetive Audálio. Ele pediu-lhe uma foto da mulher e seu itinerário normal. Quincas, contrariado, sentindo-se um traidor, deu-lhe as informações dos locais mais frequentados, inclusive o banho de mar aos domingos, um mergulho na praia da Pajuçara em frente ao seu edifício.

Audálio fez o trabalho, primeira semana sem algum fato concreto, nenhuma pista de traição. Continuou. Seguiu a mulher por toda cidade, nada de anormal, um mês, dois meses de investigação. Quincas desistiu, era só uma transformação de mulher madura, medo de velhice prematura, como disse o psicólogo. Pagou a Audálio. O detetive ficou frustrado, uma desmoralização, nunca havia desistido, nunca havia perdido um caso. Audálio, sem cliente, por distração, por falta do que fazer continuou seguindo a mulher de Quincas em todos os lugares, até que num belo domingo, percebeu Mércia entrar no mar e alugar uma boia de um rapaz alto, espadaúdo, que a ajudava segurando a boia, parecia ensinar a nadar, chegaram ao fundo do mar. O detetive tirou várias fotos de Mércia apegada ao moreno. Por baixo da boia, ninguém percebia, discretamente tirava o biquíni, o vulcão entrava em erupção na água tépida da Pajuçara. Em casa, Audálio revelou as fotos, eram contundentes, amor no fundo do mar, sentiu-se triunfante. Pensou no marido, era apenas mais um corno no mundo, estava feliz, não valia a pena, deu-se por vitorioso, rasgou as fotografias.

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O CANDIDATO

Pensa que não, os políticos estão na rua em busca, catando votos, para outubro que vem. Semana passada, meu amigo, Falcão, propenso candidato, convidou-me para acompanhá-lo visitando os bairros periféricos de Maceió.

Não me fiz de rogado, pois até gosto desses embalos de campanha, desde os tempos de meu amigo, Guilherme Palmeira. E se o candidato é pessoa em quem acredito. Afinal nós temos que nos esforçar para melhorar o nível da Câmara Municipal, ou vamos pagar um preço caro de não acreditar na democracia. A mais justa, por isso, a mais difícil forma de governo.

Falcão é um excelente técnico, engenheiro, dedicado e aperfeiçoado. Tem uma construtora, vai bem em suas finanças, agora resolveu se candidatar.

Ainda na manhã do sábado fomos para as primeiras jornadas, visitando os bairros em torno das lagoas.

Chegamos primeiramente no Pontal da Barra, logo estávamos com amigos, políticos. De repente apareceu um bando de mulheres bonitas. Entre elas, Daniela, a namorada de Falcão, ele é solteiro, ainda jovem, vive à procura do amor de sua vida. Uma bonita moça de pele macia e morena e dois olhos verdes acinzentados estava ao lado da mãe, quem olhava dizia que eram irmãs. A mãe enviuvou cedo, tinha só uma filha e uma grande alegria de viver que refletia em seus belos e vivos olhos verdes, parecidos com duas ximbras, duas contas pequeninas. Foi Maurício de Nassau e outros holandeses, que espalharam esses belos olhos, miscigenados com os nordestinos nos séculos passados.

Depois do almoço, foi marcado encontro no bairro de Santa Lúcia, onde haveria um baile lá para às nove da noite.

Passamos toda tarde visitando outros bairros, de casa em casa, Falcão é um cara disposto, se apresentava e conversava suas ideias para o bairro. O eleitor até gosta de um abraço, esse tipo de campanha corpo a corpo funciona. Aonde chegávamos tinha comida e bebida, e candidato que se preza, jamais pode deixar de beber e comer em cada casa que chega. Só de cachaça deu para deixar a comitiva do Dr. Falcão cansada. Quando deu oito horas da noite, eu já não aguentava a caminhada, pedi um táxi para me recolher. Mas a insistência do Dr. Falcão ganhou, e fiquei também para o baile.

No Clube do bairro de Santa Lúcia, tivemos simpática e acalorada recepção, nos colocaram em uma mesa especial, rodeados de vários amigos e políticos locais.

O ambiente era de uma boate bem armada, com luzes escuras e uma música suave, estava ótimo para conversar, ambiente para um papo descontraído.

Quando Falcão viu alguém chamá-lo. Pediu licença dizendo que ia dançar com a namorada. Ele estava com o teor etílico já ultrapassando o limite, isto é bêbado.

Cumprimentou-a e foi logo puxando levemente pelo braço, arrastou-a para o salão.

A música suave fez trazê-la mais junto, ao corpo a corpo, houve certa resistência no início, mas logo depois os dois dançavam como se fosse um corpo só. Entre os dois não passava um raio de silibrina. Como é bom dançar juntinho, agarradinho. Nesses bons momentos, alguma carícia, um cheiro no cangote e lambidas nas orelhas aconteceram. Os dois ficaram num gostoso abraço dançante, esfregaram-se por mais de meia hora.

Quando de repente, sua parceira, se afastou do agarrado, olhou para o Falcão, e fez ele perceber com quem estava dançando. Ela falou baixo:

– Pronto, está bom! Agora vá dançar com sua namorada, Daniela acabou de chegar com as amigas, está nos procurando na entrada.

Só nesse momento que Falcão percebeu que dançava agarradinho com sua exuberante sogra. Ela adorou, caminharam em direção da filha e amigas, pediu segredo do agarrado.

Falcão vai terminar sendo eleito.

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

A MANICURE DO CLIMA BOM

– Depois de velho, você ficou relaxado, coisa feia! Não corta o cabelo, unhas grandes, vou contratar manicure. Se eu morrer você vai virar lobisomem. Vivia reclamando Dona Flávia aos ouvidos de Rui.

Certo sábado pela manhã, a campainha do apartamento tocou, uma morena sorridente se apresentou, Raissa, manicure. Dona Flávia tirou o marido da leitura dos jornais na varanda. Hora de fazer as unhas, ele levantou-se e sentou-se na poltrona, cumprimentou a jovem, acionou o controle remoto da televisão. Colocou os pés numa bacia de água quente para amolecer as unhas. Dona Flávia deixou o marido entregue à manicure, foi às compras, sábado é dia de Shopping, encontro de amigas, só retornaria na hora do almoço.

Durante o cortar das unhas de mão, Raissa alisava a mão de Rui com suavidade, ele sentiu uma sensação gostosa, carícia no toque de mãos, olhou para manicure com curiosidade, ficou inquieto ao perceber o generoso decote da manicure, seios duros, empinados, há tempo não excitava-se com uma mulher. Puxou conversa.

– Menina você é a boa manicure, sabe cortar com suavidade, onde aprendeu essa delicadeza?

– Eu precisava de uma profissão, ganhar dinheiro, sustentar minha filha, fiz um curso no SENAC, hoje tenho bons fregueses, não paro de cortar unhas, os clientes gostam. Ser manicure foi muito bom para mim. Ganho meu sustento.

– E seu marido, pai de sua filha, não lhe ajuda?

– Marido não, meu vizinho, namorei com ele, me emprenhou ainda menina, eu tinha 15 anos. Danou-se para o Rio de Janeiro, sonhava ser cantor de rádio e televisão, canta bem. Há mais de cinco anos não tenho notícias dele, soube que é traficante no morro. Eu vivo com minha mãe no Clima Bom.

Conversaram muito, Raissa contou sua vida, trabalhadora. Ao terminar, ele olhou os pés, as mãos, admirou as unhas simetricamente cortadas, perfeitas. Perguntou o preço do serviço, pagou R$ 35,00, cinco reais a mais do valor pedido. A morena agradeceu, guardou o material. Rui ficou encantado ao perceber o corpo da morena dentro do vestido azul claro, quase transparente. Raissa despediu-se perguntando quando era para retornar.

– Venha no próximo sábado. Disse Rui com entusiasmo admirando o rebolado da manicure em direção à porta.

Na hora do almoço Dona Flávia inspecionou as mãos e os pés do marido, aprovou. Perguntou se havia gostado da manicure, Rui resmungou, fez-se indiferente, entretanto, a jovem não saía da cabeça.

Dois meses Rui alimentou-se de fantasia, sonhava com a morena acariciando seus pés. Ficava feliz desde sexta-feira. Em conversas enquanto cortava unhas, tornaram-se amigos íntimos, certa vez ela confessou ter sido garota de programa, não gostou. Num sábado cheio de sol, ao pagar a manicure, Rui encorajou-se, alisou seu pescoço e o colo, deu-lhe um beijo na testa. Ela reclamou baixinho. -“Não Seu Rui, não…” Ele a trouxe num abraço apertado, beijou-lhe a boca. No apartamento da Ponta Verde, embalado pela carícia do vento Nordeste, em cima do tapete comprado na Capadócia fizeram amor pela primeira vez.

Dona Flávia ao chegar notou a cara de felicidade do marido tomando uma cervejinha, cantando na varanda, achando o mar e a vida bonita. Convidou a mulher para almoçar, variar de comida, de tempero, foram à Barraca Pedra Virada na orla da Ponta Verde, encontraram amigos, passaram uma tarde maravilhosa conversando. Ao chegar em casa amaram-se como nunca mais tinham amado. Dona Flávia, antes de adormecer, conseguiu perguntar, o que deu em você hoje?

No sábado. Rui, homem decente, conversou sério com a manicure, não ficava bem fazer amor dentro de sua casa, era falta de respeito. Marcou, estabeleceu com Raissa, encontrarem-se uma vez por semana num motel para deliciosa tarde de amor, com ajutório. Rui está sentindo-se mais jovem, cabelo cortado, camisa da moda. Nunca mais Dona Flávia reclamou o relaxamento do marido.

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

VIAJANDO COM O NEGUINHO

Em homenagem a Marden Bentes

Não houve planejamento, nem roteiro, parávamos onde bem entendíamos, dormíamos no primeiro hotel ao anoitecer, Neguinho Marden era o piloto do Chevrolet Opala. Eu, Di Menezes e os irmãos, Luciano e Marden Bentes viajamos de carro até o Rio de Janeiro. Todos solteiros.

Chegamos ao Rio nos hospedamos no apartamento do Cáu (Cláudio Lima) no Flamengo, considerado embaixada de Alagoas. Sempre havia um colchão para um hóspede amigo.

Naquela época funcionava a Casa das Alagoas, uma associação assistencial aos alagoanos radicados no Rio de Janeiro. Ponto de encontro para matar saudades e unir a tribo caeté. Roberto Mendes, o presidente, sabendo de nossa viagem, programou um roteiro de festas para o fim de semana.

No sábado estava marcado uma festa pré-carnavalesca, baile “Vermelho e Preto” no Clube de Regatas Flamengo. Embaixo do edifício havia vários bares lotados de gente com a camisa rubro-negra. Neguinho Marden, flamenguista roxo, com seu charme e alegria arrumou logo uma namorada vestida de Flamengo. Para entrar no baile era obrigatório vestir-se com roupas vermelho e preto. Depois de algumas doses num botequim partimos animados para a sede do Flamengo.

Roberto Mendes, organizado, comprou nossos ingressos antecipadamente. Na hora apareceu César, um carioca, morou em Alagoas, amigo nosso, sentia-se alagoano. O Clube cheio, não havia mais ingressos à venda.

Ficamos matutando como resolver o problema, procuramos cambista ou quem quisesse vender um ingresso, nada. O tempo passando, nós perdendo o baile cheio de mulheres bonitas.

De repente Marden percebeu um caminhão fazendo manobras, tentando entrar pelo portão lateral, ele gritou, “Encontrei a solução”. Partiram ele, César e Roberto em direção ao caminhão. Confabularam com o motorista. Voltaram alegres, tudo resolvido: Soltaram uma grana, colocaram César por trás do caminhão frigorífico que entregava gelo à festa. Entramos satisfeitos, acompanhados por lindas cariocas.

O baile fervia animado. Depois de algumas voltas no salão, encontramos César no bar tomando conhaque puro, camisa molhada, batia o queixo. Meia hora dentro do frigorífico do caminhão; quase morre congelado. Empurramos o carioca para o salão, sambamos com as rubro-negras até o dia amanhecer.

No domingo pela manhã, marcamos encontro na Praça General Osório. Maior expectativa com o desfile da Banda de Ipanema. Roberto Mendes havia providenciado uma ala dos alagoanos. Nossa fantasia: sunga de banho de mar, tamanquinho de praia e uma toalha em volta do pescoço para abastecer de lança-perfume.

Começamos a esquentar as baterias num bar perto da praça. O bar lotado, nossa mesa das mais concorridas, cariocas e alagoanas bonitas, namoradas, paqueras. Era só alegria, felicidade e carnaval.

Em certo momento César sentiu fortes cólicas, consequência da friagem do frigorífico, foi se esvair no acanhado e sujo banheiro. Depois dos serviços, depois de ter obrado, ele retornou à mesa. Ao pagar a conta para nos juntarmos à Banda, saímos dançando e cantando, quando pela primeira vez o Nego Marden reclamou:

– “Êita fedor de merda! Alguém pisou em bosta!”

Olhamos nos solados dos tamancos, nenhum vestígio de cocô. Nessa altura havia uma multidão na Praça General Osório.

Nosso grupo animado, cada qual com sua paquera, contrastava com o cheiro de merda no ar. Até que a fonte fedorenta foi descoberta: César, na hora do serviço, não notou que o tolete caiu dentro da sunga. Ele vestiu-a novamente. Infestou-se de cocô, meio bêbado, não percebeu. A Banda de Ipanema terminou à noite. Programamos prorrogar a farra no Restaurante Alkazar em Copacabana. Enfrentamos um ônibus lotado, muita gente em pé. A certa altura alguém gritou:

– “Motorista pare! cagaram dentro do ônibus!!!”

Resumindo a história, o motorista parou numa Delegacia. César se delatou, descemos e ficamos na Delegacia em solidariedade ao amigo cagão. O delegado soltou César depois de um banho com sabugo. Terminamos a noitada às gargalhadas no Alkazar com as namoradas, relembrando as façanhas até o fim da noitada. Era o início de férias no Rio de Janeiro no tempo de Roberto Mendes, presidente da Casa das Alagoas.

– Nota – Meu amigo, bem humorado que irradiava alegria, Marden Lima Bentes, acabou de falecer. Tristeza, choramos pelo Neguinho e por nossa geração se acabando, tão bela e divertida.