
O inferno fica no centro da Terra. Esta era a opinião dos antigos sábios, que nós não somos obrigados a aceitar. Como prova disso, eles citavam a existência de vulcões, como o Vesúvio e o Etna, que desempenhavam o papel de chaminés da cozinha de “monsieur” Satanás.
Há quem diga que o inferno ocupa, na realidade, a mais bela estrela do firmamento, chamada Vênus e que brilha com um esplendor vivo e puro. Diziam que era dali que Satanás reinava e governava. E dali ele descia à Terra para desempenhar as suas funções de tentador e perturbador da ordem pública.
O diabo é casado com uma poderosa dama, de nome Dinorá.
O mármore, o verso e a tela tem sempre reproduzido uma terrível imagem do “anjo do mal”, como uma espécie de “titan” de rosto tristonho e fatal, com enormes asas de morcego, armadas de agudas garras.
A fisionomia de Satanás apresenta uma expressão mais zombeteira do que sinistra.
Que idade tem “monsieur Satanás?
Esta questão não tem resposta e não pode ser resolvida matematicamente.
O anjo do mal é anterior à criação do mundo.
Quando Adão e Eva se instalaram na terra, já Satanás tinha atingido a idade viril, e a prova que deu foi comprometer a primeira mulher. Já devia ter mil e tantos anos.
Satanás é alto, elegante, orgulhoso, e a magreza lhe realça a distinção.
Seus olhos grandes, negros e espertos lançam olhares ameaçadores às pessoas que o rodeiam e que ele tem como súditos. A boca bonita, apesar de sardônica, mostra num sorriso habitualmente zombeteiro, dentes muito brancos e grandes.
As mãos do demônio não apresentam o menor vestígio de garras. Mas, quando estas mãos agarram uma pessoa, é muito difícil soltar, para não dizer impossível.
Os pés de Satanás são compridos e de peito alto, nada fedidos, e sempre calçados com irrepreensível elegância. Sua Majestade infernal é o primeiro a andar na moda e é quem dá o tom aos elegantes do seu reino.
Isso é fácil, pois o inferno está povoado de alfaiates e sapateiros, – e também de costureiras e modistas.
O diabo usa sempre joias do melhor gosto. Adora estas frioleiras brilhantes e preciosas, talvez por causa do charme que exerce sobre as almas femininas e até masculinas.
Madame Diabo, a formosa diabinha Dinorá, que, segundo alguns descrentes, habita o palácio real do planeta Vênus, tem como secretário o fiel Flor de Enxofre, o mais bonito, o mais espirituoso e talvez o mais pervertido de todos os diabinhos do inferno. Madame Diabo o protegia e sentia por ele uma ternura quase maternal.
Todas as vezes que Madame Diabo tinha seus frequentes acessos de ciúme de Satanás, Flor de Enxofre era encarregado da perigosa e delicada missão de vigiar e seguir os passos do seu marido.
Por mais de uma vez, surpreendido em flagrante delito de espionagem pelo terrível monarca, Flor de Enxofre sofreu severas correções, sem se queixar. Tinha loucura por Madame Diabo.
Certo dia, Madame Diabo puxou o marido pela mão e o conduziu até uma mesa redonda, repleta de figurinhas de madeira, confeccionadas por um artesão com prodigiosa arte. Os bonecos de pau representavam homens e mulheres de todas as idades, vestidos de trajes de todas as profissões e de todos os países do mundo.
O criador deste grande número de bonecos dera prova de ser possuidor de um grande talento. Não eram enormes figurinhas grosseiramente talhadas num pedaço de pau, iluminadas de cores vivas e cruas, mas verdadeiros personagens em miniatura, exprimindo no rosto um sentimento ou uma paixão, e cujos olhos pareciam vivos.
– Olha! – Exclamou o diabo – São fantoches!
– Com toda a certeza – respondeu Madame Diabo. – São fantoches.
– E o que quer fazer com isto, querida esposa? – Perguntou o diabo, ao que a mulher respondeu:
– Sei que você gosta de teatro. Quero lhe dar espetáculos cômicos, para que se alegre sempre. Estes fantoches são os meus atores.
Disse o “monsieur” diabo:
– Mas, minha formosa rainha, os seus espetáculos se parecem com esses divertimentos de feira, em que irreverentemente me põem em cena, com o polichinelo e o comissário!
– Que quer, meu amigo?!!! Não posso dar-lhe a comédia italiana, mas faço o que posso para remediar essa falta.
Satanás olhou para Madame Diabo, a fim de ver se estas palavras não ocultavam alguma traição, mas o rosto risonho da bela esposa exprimia a mais perfeita serenidade.
O diabo retrucou:
– Onde se esconde o seu teatro?
Madame Diabo pediu-lhe que aguardasse e logo iria conhecê-lo. Pediu-lhe também que escolhesse, entre os “atores” daquela companhia, certo número de personagens.
Satanás era um gentil galanteador. Submetia-se aos caprichos da rainha, por mais absurdos que lhe parecessem. Por isso, tirou de cima da mesa muitos comediantes pequeninos, de madeira.
Dinorá meteu-os numa enorme bandeja forrada de cetim.
Na bandeja, foram instalados sucessivamente os seguintes fantoches:
1 – Um janota arrumadinho e pretensioso, totalmente calvo;
2 – o Demônio Ouro, representado pela figura de um sujeito, cujo rosto consistia numa moeda de ouro reluzente e enorme;
3 – um cavalheiro de rosto sombrio;
4 – um sujeito magro, empregado numa agência bancária;
5 – um ancião de bela presença e de cabelos brancos;
6 – um grande número de mulheres muito formosas, de cabelos de todas as cores;
7 – um grande número de homens, pertencentes à alta categoria do janotismo;
8 – o Diabo Amor, conhecido pelas asas, pela aljava e que era carregado nas costas, pendente do ombro e pelas setas tradicionais.
Satanás parou e perguntou a Madame Diabo se o número de fantoches já seria o bastante e ela respondeu que escolhesse mais alguns.
Então, Satanás, tomou, sem os contar, punhados de fantoches e deitou-os na bandeja.
Em seguida, Madame Diabo lhe deu o braço e os dois subiram por uma escada em espiral interminável, que ia dar na grande torre do Palácio. Atrás deles, seguiam o mágico da Corte e o artesão que confeccionara os fantoches. Subiram até o último batente e atingiram a plataforma de uma torre alta como os cumes das mais altas montanhas.
Do cume dessa construção gigantesca, dominava-se o mundo inteiro, e o globo terrestre desenhava-se no espaço, como a lua se desenha para nós no firmamento azul.
– Safa! Exclamou o diabo, ao chegar ao último degrau.
Disse Madame Diabo:
– Agora, você vai ver se os meus pequeninos atores sabem desempenhar, ou não, os seus papeis.
Satanás repetiu a pergunta que já formulara antes de subir à plataforma.
– Onde está, então, o seu teatro?
Madame Diabo estendeu a mão para a Terra e disse:
– Ei-lo…
E ao mesmo tempo, pegou um dos fantoches e o atirou através do espaço. A figurinha, em vez de cair como lhe prescreviam as leis físicas, a uma pequena distância da base da torre, voou pelo espaço e desapareceu no fim de alguns segundos.
Todos os demais fantoches tiveram a mesma sorte. Satanás assistia a esta singular experiência e não compreendia nada.
Quando já não havia figurinhas na bandeja, Satanás exclamou:
– Por onde estão os seus atores dispersos?!!! Onde estão, e como você os tornará a encontrar?
– Eles irão entrar em cena imediatamente. Olhe as cenas acontecendo!!! -Respondeu a rainha.
Ao mesmo tempo, Madame Diabo entregou ao marido um dos óculos do mágico. Satanás aproximou-o do olho direito, aprumou-o para os lados da Terra e soltou um grito de surpresa!!! Os pequenos personagens escolhidos por ele e jogados na terra estavam se movendo indistintamente. Atirados para os ares por ele e a esposa, esses personagens já não eram homúnculos ou pigmeus, mas verdadeiros homens e mulheres vivos e reais…E não só os via trabalhar, mas também os via falar e maltratar os mais fracos.
O que o diabo viu e ouviu, foi dele mesmo se arrepiar, diante da capacidade de praticar o mal dos fantoches. A maldade se apoderou deles, e se perpetuou até os dias atuais.
Como os óculos eram de ver ao longe, a vista do diabo alcançou os nossos tempos.
E os fantoches passaram a reinar na terra, praticando o mal e perseguindo as pessoas inocentes.