Chevrolet Veraneio, veículo top da General Motors do Brasil
A perua Veraneio, fabricada pela General Motors entre 1964 e 1994, era considerada o modelo “top” da montadora.
Pensado para grandes famílias (e bem abonadas, é claro), tinha dois bancos inteiriços e um porta-malas bem amplo, além de uma suspensão firme mas bem macia. Não demorou muito para que aquela SUV marcasse presença também como ambulância e viaturas oficiais ou policiais. Quanto gasta de gasolina? Ora, isso é assunto e preocupação de pobres, que só podem comprar Fuscas e Gordinis. O preço de uma Veraneio era muitíssimo alto e inviabilizava tal sonho de consumo da classe média – da ignara mundiça, então, nem se fala!
Em 1973, com a construção da nova fábrica da Detroit Diesel no terreno da G.M. em São José dos Campos, SP, estava este fuxicador fuxiquento envolvido no projeto da parte hidráulica daquela unidade fabril. Isso incluía o projeto e aquisição de uma série de bombas hidráulicas para as redes de água industrial e potável, óleos, água de resfriamento, caldeiras, etc.
Um dos fornecedores das bombas, cuja fábrica ficava então nas imediações do Rio de Janeiro, estava atrasado na entrega de quatro enormes unidades, o que fazia com que todo o projeto hidráulico se atrasasse. Além disso, outras quatro, já entregues, apresentaram problemas no funcionamento e precisaram ser retrabalhadas.
O chefe do projeto, o sr. J.M., determinou que eu fosse ao Rio tomar pé da situação do fornecimento, pressionando seriamente o Fabricante nessas duas questões: prazo e qualidade. Coincidentemente o diretor geral daquela fábrica era um grande amigo e havia sido colega de faculdade do sr. J.M., que, para dar mais moral às minhas perorações esculhambatórias, me municiou com um bilhete bem xinguento e arretado para entregar ao seu ex-colega.
Como ir de São José dos Campos ao Rio de Janeiro era muito mais prático, rápido e conveniente ir de carro do que ir até São Paulo para tomar um avião para o Rio, foi-me disponibilizada uma Veraneio de luxo, topo de linha, estralando de nova (marcava somente poucos quilômetros no odômetro), o que também evitaria que eu ficasse dependente de taxis naquela linda e maravilhosa cidade, ainda não tomada pelos traficantes que atualmente mandam no governo, no STF e nas demais colendas e egrégias cortes de justiça no Brasil.
Eis-me, portanto, todo pavoneante chegando à reunião com o Fornecedor, pilotando o supra sumo, mais caro e cobiçado veículo da G.M.
Dominei a reunião. Após a tradicional introdução sobre a harmonia dissonante que é a base da música minimalista de Philip Glass, entreguei o bilhete do sr. J.M. ao seu amigo, com o peito cheio de empáfia. Descasquei o Fornecedor. Deixei claro o que pensávamos da qualidade de seus produtos e do cumprimento dos prazos de entrega. Afirmei que deveriam por mais tecnologia e cuidado em suas bombas, tal como fazíamos com os nossos veículos.
Eita ferro! Lavei a alma de maneira bem lavada, e tiveram que engolir tudo – afinal, eu representava a General Motors, o grande e poderoso Cliente, e estava prenhe de razão no que alegava.
Terminada a arretada sessão, fomos almoçar. Os três representantes do Fabricante manifestaram o desejo de irem comigo na Veraneio – o veículo, versão top recém-lançada, era o assunto do momento. Rasguei-me em elogios ao carrão.
E lá fomos. Depois do almoço pedi apenas uns cinco minutos para abastecer o veículo em um posto perto do restaurante, já que pretendia regressar a São José em seguida.
A Veraneio foi devidamente abastecida, mas… deu um vexame arretado. O pedal do acelerador foi até o fundo e lá ficou. Não retornava. O frentista, vendo o desmantelo, veio em meu socorro: pegou um alicate e um pedaço de arame, abriu o capô e amarrou o cabo do acelerador a uma alavanquinha do carburador. Pronto. Tudo voltou a funcionar às mil maravilhas.
Quero dizer, às mil maravilhas até ele fazer um comentário bem desabonador sobre tão caro produto:
– Não se aperreie não, dotô, isso acontece com muitas das Veraneios que vêm abastecer aqui. O pino de ligação que a G.M. põe no cabo do acelerador desse carro é uma porcaria, vive quebrando, mas o problema pode ser facilmente resolvido com um arame e um alicate. É como se a G.M. gastasse um dinheirão num jantar com lagosta e champanhe e economizasse o palito e a azeitona. Aconselho o senhor a ter esses dois componentes no seu porta-luvas para não ficar na estrada.
O diretor da fábrica deu uma risadinha debochada, com mais ironia na fala do que banha na barrigona do ministro Clávio Bino, e comentou:
– Magnovaldo, vamos retomar novamente a discussão sobre a qualidade de nossos produtos?
E, ato contínuo, escreveu um bilhete para ser entregue ao sr. J.M.
Minha viagem de volta teve um gosto de cabo de guarda-chuva molhado.