Em maio de 1968, após receber meu salário, juntei todo o meu dinheirinho e consegui dar uma entrada para comprar meu primeiro carrinho, um Fusca 1959, montado no Brasil com peças alemãs. De segunda mão, é claro, se não de terceira, quinta, sei lá! Ganhou até um nome: Alcebíades (meu segundo carro se chamou Meucebíades, o terceiro Seucebíades, e a imbecil e vazia imaginação parou por aí mesmo).
Como o primeiro amor, o primeiro beijo ou o primeiro sutiã, o primeiro carrinho nunca se esquece.
Duas curiosidades sobre esse carro: a primeira marcha não era sincronizada (era chamada de “canela seca”) e não tinha mostrador do nível de gasolina. Se o carro parasse por falta de combustível havia uma alavanquinha perto dos pedais que deveria ser movida para a direita (de acordo com o vendedor) para liberar a gasolina da reserva, 3 litros, o que daria para chegar até o próximo posto.
Na semana seguinte meu chefe me cumprimentou pela brilhante aquisição patrimonial e foi convidado para, após o almoço, dar uma volta comigo e participar de meu progresso pessoal. Após dirigir por uns 15 minutos meu adorado carrinho deu umas quatro engasgadas e parou, mais inerte que o Joe Biden, na subida de uma rua na Vila Mariana.
“Bico”, pensou este marinheiro goiabão de primeira viagem que fala a vossuncê. “É só virar a alavanquinha para a direita e passarei a usar a reserva de 3 litros”.
Aperreado após várias tentativas de fazer o motor funcionar fui confirmar a terrível tragédia: não havia nem uma molécula de gasolina no tanque. A maldita alavanquinha, na realidade, deveria estar do outro lado e com isso, claro, a reserva já havia sido totalmente consumida.
Bem, o negócio foi deixar o chefe cozinhando os miolos dentro do carro sob o sol do meio-dia, andar uns dois quilômetros até o posto mais próximo e subir a ladeira de volta portando um saco plástico com 5 litros de gasolina para movimentar de novo meu amado fusquinha. No meu caminhar de volta não deixei de lembrar-me várias vezes, com palavras carinhosas, da sacrossanta senhora genitora do cabra da peste que me vendeu o carro e explicou o funcionamento da alavanquinha.
A julgar pela expressão corporal de meu chefe, esse acontecimento não foi por ele considerado como o mais prazeroso do dia.
Todas as vezes que vejo um Fusca antigo de frente imagino que o para-choque dianteiro mostra direitinho um sorriso escrachado debochando de minha estupidez.
Não somente o primeiro amor, o primeiro beijo ou o primeiro sutiã são inesquecíveis, mas a primeira zorbada automobilística também.