DEU NO X

COMENTÁRIO DO LEITOR

A MULHER FLORBELA

Comentário sobre a postagem em INCONSTÂNCIA – Florbela Espanca

João Francisco:

Florbela tinha tudo para ser uma pessoa fútil.

Não nasceu pobre, pelo contrário, teve educação primorosa para a época.

Costumam falar que era uma mulher à frente de seu tempo, já vi algumas biografias que a jogam como um ícone político progressista.

Errado, pois ela só fala de si em seus poemas.

Até agora não vi uma questão social exposta em suas letras.

Quem lê seus poemas percebe que ela, de “empoderada” não tinha nada, pois entregava-se às suas paixões de forma devoradora.

O que a tornou fascinante para mim, foi sua inteligência bem como o talento para descrever em versos as emoções femininas com suas inconstâncias e mistérios.

Isso é muito atual.

* * *

Fagner cantando Fanatismo, poema de Florbela Espanca que ele musicou.

FANATISMO – Florbela Espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

Tudo no mundo é frágil, tudo passa…
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…

JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

PLANOS E ACASOS

Esmoler entrou na sala e se conduziu à mesa. Pegou o controle do aparelho de TV e desligou apenas o som.

Ricardo acabara de pousar a xícara de café sobre o pires, satisfazendo-se com o gosto da bebida em sua boca. O último gole desceu suave.

– Desligou o aparelho de TV? Fez bem. Hoje essa apresentadora está irritante.

– Não. Eu apenas desliguei o som.

– Para mim dá no mesmo – falou o cego rindo.

Esmoler se serviu de café. Sentou-se à mesa e ficou olhando a fumaça subir dançando. Gostava de café frio. Sem açúcar.

Dois minutos se passaram antes de Ricardo voltar a falar com o amigo.

– No que pensa, Esmoler?

O outro elevou a xícara à altura do nariz, sentiu o cheiro do líquido. Pôs uma pequena quantidade do líquido entre os lábios e a ponta da língua para sentir o calor e o gosto da bebida.

Com o olhar perdido entre a fumaça e o horizonte aberto pela janela escancarada, por fim, respondeu:

– Nos planos do acaso. Não é paradoxal?

– Demais! – concordou o cego se ajeitando na cadeira.

– E você, Ricardo, no que pensa por trás desses óculos escuros?

O cego relaxou na cadeira outra vez escorregando para a ponta do móvel, escorando-se no espaldar apenas com a parte de cima das costas. Com a mão direita tateou procurando a bengala escorada na mesa e, encontrando-a, passou a bater de leve no chão com a ponta emborrachada. Levantou o queixo, abriu um sorriso e respondeu:

– Sabe, Esmoler, no meio da tarde, entre uma xícara de café amargo e um gole de saudade doce, eu lembrei daquela menina de olhos da cor da esperança, que eu conheci por uma artimanha do acaso cumprindo uma ordem do destino – sorriu mais abertamente e continuou: – Você fala de planos e acasos? Era plano do Universo esse encontro nosso. Meu e dela.

– E como foi isso?

– Não se sabe dos alicerces do acaso, meu amigo. Ou de como se constroem. Mas, veja bem, eu sei que naquela noite se enfeitando de madrugada a sua voz calma, serena, dois tons abaixo do usual foi me narrado particularidades. Quase desabafos.

Esmoler olhava atento para o homem à sua frente, era-lhe impressionante a riqueza de detalhes que Ricardo trazia em cada lembrança. O amigo continuou:

– Eu não sei por quanto tempo eu olhava aqueles olhos de janelas abertos para um vale verde da alma que eu tinha – e tenho! – a sensação de conhecer de outros tempos. No entanto, até hoje a minha consciência não entrega ao certo o quando – falava como se visse uma tela depois das lentes escuras dos óculos.

Esmoler pôs na boca um gole grande de café. O amigo se calou.

– E? – quis saber.

Ricardo relaxou ainda mais na cadeira.

– Entre um gole de cerveja me embaralhando os sentidos e a voz dela organizando as minhas ideias, nossa confiança mútua se renovava após milênios – parou e riu abertamente, como se ocultasse algo muito bom. – E nesse meio da tarde de hoje o ontem é uma réstia do futuro incerto, como o desenho formado pela borra de café que deve estar secando no fundo da minha xícara.

– E como você se lembra dessa passagem agora?

Ricardo ficou sério. Os cantos da boca se arrumaram. Ele sentiu os cabelos na testa e ajeitou-os para cima usando a mão esquerda.

– Como a sombra da saudade doce tatuada pelo lado de dentro do meu peito – respondeu com lirismo. – Ela reclamava das coisas passadas em seu pasado, do que fora, do que possuíra, dos amores idos… de coisas que já não lhe eram mais.

– E você, Ricardo, o que lhe dizia?

– Bem, Esmoler, eu me lembro de haver dito algo exatamente assim: “O tempo, menina, só anda para frente. Somente em nossa cabeça e, às vezes, em nosso querer ele segue o rumo do passado.”

– E ela? Você se lembra se a menina disse algo?

– Não. Ficou calada. Porém, eu me atrevi e lhe disse ainda que isso tudo é uma ilusão: passado ou futuro. Porque o tempo, Esmoler, eu disse a ela naquela madrugada, o tempo é o presente e importa apenas com quem estamos, onde estamos e o que fazemos enquanto o ele anda para frente.

Esmoler ouviu as últimas palavras do amigo com a xícara na mão, em pé, ante a janela aberta. O vento lhe assanhando os cabelos. Em seus pensamentos tentava construir a imagem de Ricardo e uma garota numa madrugada distante.

– Ricardo, diga-me, e o que você deseja nesse momento, com a lembrança dessa menina?

– O que eu quero neste presente, meio de tarde, para ela? Que ela esteja sempre bem – respondeu o cego se levantando e caminhando em direção à voz do amigo. E concluiu: – E em paz.

Ficaram em silêncio sentido o ar fresco entrar pela janela.

– Certamente você se lembra do nome dela – sondou Esmoler.

O cego continuou calado e perdido em suas lembranças. Nem ouviu o amigo ao lado. Parecia ver a menina ali, ante seus óculos escuros.

Um passarinho esverdeado pousou na janela, que se abria para fora.

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

NACINHA – CUIABÁ-MT

Gente amada e querida do meu Brasil varonil!!! 

O ex-presidente Jair Bolsonaro está deixando a barba crescer e começou a beber cerveja com o objetivo de se tornar elegível.

“Falta só eu começar a mentir e roubar pra me tornar elegível novamente!”,  disse o ex-presidente em entrevista.

Que coisa absurda!!!

kkkkkkk

DEU NO X

J.R. GUZZO

ELE NÃO VAI SUMIR POR UMA SENTENÇA JUDICIAL E NEM OS MILHÕES DE ELEITORES QUE VOTARAM NELE

O Brasil tem há seis anos um único problema político realmente sério, e nada indica que esse problema esteja a caminho de uma solução. O problema se chama Jair Bolsonaro. A questão não é, não era e nunca será a sua pessoa física, nem suas qualidades ou seus vícios, nem o que fez ou o que não fez. A charada que não se resolve é o esforço para colocar de pé uma democracia em que o candidato mais popular, goste-se ou não dele, não pode disputar eleições, nem ficar solto.

Bolsonaro estava proibido de se candidatar até 2030, por decisão dos funcionários que dirigem o sistema eleitoral brasileiro. Aparentemente sua redução ao estágio de inelegível não resolveu o problema. Tenta-se contra ele, agora, uma condenação criminal que no papel pode chegar a 28 anos de cadeia. Seus julgadores são os mesmos que o acusam desde o começo, de forma que a única sentença coerente que podem dar é a condenação.

Tudo faria muito sentido se a sua prisão, a do presidente do seu partido e de outros fizesse Bolsonaro sumir. Mas Bolsonaro não vai sumir por uma sentença judicial – e também não vão sumir os 60 milhões de eleitores, ou coisa parecida, que votaram nele na última vez em que foram chamados para se manifestar a respeito do assunto. O que fazer com eles? Ninguém sabe. Não vão mudar de ideia. Vão votar de novo. Não acham que foram salvos.

O fato é que Bolsonaro provocou um terremoto ao ser eleito em 2018 para a presidência da República, e o chão continua mexendo até hoje. Ele não podia, por nenhum critério, ganhar a eleição; todas as análises mostravam que a população jamais iria fazer uma escolha dessas. Mas ganhou, e desde então a política do Brasil vive com uma fratura exposta. Seus adversários não podem acabar com as eleições, pois uma democracia tem de ter eleição. Mas as eleições não podem ter Bolsonaro, pois aí há o risco de que ele ganhe.

O indiciamento do ex-presidente não é uma questão jurídica. Não interessa o que há ou não há nas 880 páginas de acusações que a PF entregou à PGR; o STF, que vai decidir o caso, nunca se incomodou com provas, e não é agora que vai se incomodar. O caso é 100% político: como tirar Bolsonaro, para sempre, da vida pública brasileira, seja lá o que ele fez ou não fez. O consenso, no regime em vigor, é que eleição com Bolsonaro é uma ameaça à democracia.

Se o Brasil tivesse instituições de verdade, e não a contrafação marca barbante que está aí, a solução seria o voto popular. Que ele dispute eleições livres: se perder some do mapa para sempre, se ganhar espera-se pela solução biológica. Os Estados Unidos fazem isso com Trump. Aqui a opção é perenizar o problema.

LAUDEIR ÂNGELO - A CACETADA DO DIA

DEU NO X

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

PRINCE CHARMANT – Florbela Espanca

No lânguido esmaecer das amorosas
Tardes que morrem voluptuosamente
Procurei-O no meio de toda a gente.
Procurei-O em horas silenciosas

Das noites da minh’alma tenebrosas!
Boca sangrando beijos, flor que sente…
Olhos postos num sonho, humildemente…
Mãos cheias de violetas e de rosas…

E nunca O encontrei!… Prince Charmant
Como audaz cavaleiro em velhas lendas
Virá, talvez, nas névoas da manhã!

Ah! Toda a nossa vida anda a quimera
Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas…
– Nunca se encontra Aquele que se espera!…

Florbela Espanca, Vila Viçosa, Portugal (1894-1930)

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