Seu Tertuliano “servindo” flores à Dona Bia
– Bom dia, véia!
Hoje, de manhãzinha e ainda bem cedinho, logo adispois que o galo Vremeio cantou, taquei a mão na tua rede e num encontrei mais nada. Foi só assim que me alembrei que tu tá com Deus, derna do último domingo. Tomara teja bom aí pra tu, véia. Apois aqui, num tá nada bom pra mim. A sardade é do tamanho da solidão – coisa maior do mundo, e sem precisão de contar a farta que tu me faiz.
Como se fizesse uma oração, foi assim que Tertuliano visitou pela primeira vez o túmulo onde Beatriz fora enterrada na tarde triste do último domingo.
Viveram mais de 50 anos juntos – na verdade, 54, para ser mais preciso. E, 54 anos é mais que uma vida nos dias de hoje.
Seu “Terto”, como era mais conhecido no lugar onde moravam, conhecera Beatriz, a “Dona Bia”, durante os festejos da Igreja Matriz São Sebastião, no mês de janeiro.
Dona Bia, ainda jovem, fora encarregada pela mãe para tentar ajudar a família, vendendo milho verde cozido e assado.
Seu Terto, trabalhador de quase todas as roças daquele lugar, era preferido por meeiros – devido a sua retidão e honestidade. Era um homem rude, mas muito confiável.
Durante os oito dias dos festejos, Seu Terto e Dona Bia conversaram – o que para muitos já se transformara em namoro. Acabaram casando com o assentimento das duas famílias. Tiveram filhos, viviam do trabalho honesto, o que já era um adorno para viver bem naqueles tempos.
Dona Bia faleceu. Tinha 66 anos, quando chegou a hora dela – tal como vai chegar a de todos nós.
Quando Dona Bia faleceu, os filhos que nasceram do casal, já viviam suas vidas fora de casa. Todos casados.
Os dois, Bia e Terto, passaram a morar sós. Quando Dona Bia faleceu, Seu Terto ficou ainda mais só.
Só e triste.
Demorou para se acostumar com a realidade.
Todos os dias se deslocava por mais de cinco léguas, para levar flores ao túmulo da “véia”.
Sempre muito cuidadosa e organizada, Dona Bia foi chamada antes de Seu Terto, para limpar e organizar a moradia eterna dos dois.
Essa é uma das muitas demonstrações de amor entre pessoas simples e pobres – em desuso nos dias atuais.