MARCOS MAIRTON - CONTOS, CRÔNICAS E CORDEIS

FATOS OU NARRATIVA?

De uns tempos pra cá, não passa um único dia sem que eu ouça a palavra “narrativa”. Geralmente, alguém responsabilizando outra pessoa, de interesses contrários, por sua criação:

— Ele está construindo uma narrativa!

— Essa narrativa não pára em pé!

— Enquanto nós apresentamos fatos vocês vêm com narrativas!

Lembro de quando escrevi o seguinte, em 2019:

Palavra também entra na e sai de moda. É por isso que quase ninguém diz hoje em dia que vai dar um “amplexo” em “outrem”. Já “impactar” e “agregar valor” são termos que escutamos várias vezes em um mesmo dia.

“Resiliência” também me parece em alta. “A nível de” teve seus dias de glória, depois perdeu força. “Meme” e “viralizar” são como startups: têm seu habitat natural na internet.

Falava eu então sobre a palavra “transparência”, que não apenas estava na moda (e ainda se mantém), mas havia ganho destaque com um sentido diferente do original, conforme demonstro no referido texto (clique aqui para acessar).

Naquela época, “narrativa” ainda não tinha adquirido a popularidade que tem hoje, mas observo que também neste caso temos uma palavra que ganha destaque ao mesmo tempo em que muda de sentido.

Afinal, até recentemente, “narrativa” era uma palavra que interessava basicamente a quem se preparava para o vestibular:

— A redação pode ter a forma descritiva, dissertativa ou narrativa! — dizia a professora,

O sentido atual é outro, de conotação pejorativa. “Narrativa”, no sentido que se tem dado ultimamente, é algo que não merece crédito. Uma versão fantasiosa dos acontecimentos. Não propriamente uma mentira, mas um encadeamento de fatos verdadeiros (perdoem-me a redundância), expostos de forma a induzir o interlocutor a erro, ou conduzi-lo a uma conclusão previamente estabelecida e desconectada da realidade.

Nesse mister, o autor ou propagador da narrativa pode lançar mão de recursos retóricos, dando ênfase, por exemplo, a determinados aspectos dos fatos expostos. Ou misturá-los a subjetividades e intenções nem sempre demonstráveis, mas muito bem recebidas por quem comunga das convicções do narrativista.

Aliás, após escrever o parágrafo anterior, procurei a palavra “narrativista” no Google, e fiquei sabendo que o Dicionário On Line de Português ainda não tem um significado para “narrativismo”.

Encontrei, sim, referências ao narrativismo, em estudos de psicologia, mas não me considero apto a comentá-las. Aqui, narrativista significa apenas “a pessoa que cria ou propaga uma narrativa”, no atual sentido atribuído à palavra “narrativa”, o que, pelo que se deduz, é algo bem diferente de narrador.

Dicionarizado ou não o narrativismo, o certo é que esse novo sentido deu força à palavra “narrativa”, trazendo-a para o centro dos debates políticos. Parlamentares de esquerda e direita usam e abusam, não apenas da palavra, mas também da prática que ela descreve.

Nenhuma novidade na parte final do parágrafo anterior, mas agora há um novo significante para o significado.

Embates políticos à parte, acredito que nem todo mundo se dê ao trabalho de observar os detalhes de quando uma palavra surge ou adquire um novo sentido em nosso idioma. Para mim, no entanto, é como descobrir uma nova espécie. Daí a vontade de chamar a atenção para o acontecimento.

No mais, garanto que me limitei a apenas expor os fatos. Mas não me surpreenderei se algum leitor disser que estou criando uma narrativa.

A PALAVRA DO EDITOR

UM DIA NA MINHA TERRA DE NASCENÇA

Hoje, 1° de setembro, vou passar o dia na minha querida Palmares, meu berço, minha terra de nascença.

Um recanto de mundo que permanece dentro do meu peito e onde está ambientada a minha ficção.

Vou sair pela manhã e só volto à noite.

Fui convidado para um encontro com os estudantes do Ginário Municipal Fernando Augusto Pinto Ribeiro, a instituição onde fiz os cursos Primário e Ginasial, nos anos 50/60 do século passado.

Neste ano de 2023, meu querido Ginásio completa 75 anos que foi criado.

A partir das 13:30, vou conversar com jovens adolescentes que hoje estudam no mesmo Ginásio em que eu estudei.

Fiquei comovido e emocionado com o convite que a direção da escola me fez.

Depois darei notícias de tudo pra vocês.

Aproveitando a minha estada na cidade, a Rádio Cultura dos Palmares me convidou para uma entrevista no programa Falando Sério.

Vou tentar falar sério…

Bom, o programa começa às 11 da manhã de hoje e pode ser ouvido ao vivo, na página da rádio.

Para entrar, basta clicar aqui.

Ao entrar na página, clique no item “Ouça ao Vivo”, logo no cabeçalho.

No comercial que a rádio fez pra divulgar o evento, botaram uma linda foto do meu fucinho!!!

Vejam aí embaixo.

Conto com a força e a audiência de todos vocês!

DEU NO JORNAL

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

A AMBULANTE DA PONTA DA TERRA

– Minha mãe, estou com um problemão.

– Diga filha, mãe é para essa coisas.

– Estou namorando o Pedro há cinco meses, ontem ele veio com conversa de casar no fim do ano. Eu me sinto tão nova, 18 anos, iniciando a Faculdade de Direito, cheia de sonhos, quero ser uma boa advogada, melhorar de vida e casamento vai atrapalhar meus planos, meus sonhos.

– Bernadete, sei que é uma decisão difícil. O problema do amor é muito complexo, pior ainda a convivência a dois. Em compensação, amar, gostar de alguém, se dar, se entenderem; uma vadiação na cama com a pessoa amada é muito bom. Pense direitinho, eu mesmo não quero interferir na decisão mais importante de sua vida. Tem que ser sua. É você quem vai decidir. Pense e faça o que o coração mandar.

– Minha mãe, obrigado, eu que tenho que resolver. Amo o Pedro como nunca amei ninguém, mas, pensando bem, só tive dois namorados além dele. O problema é que ele se diz apaixonado, pensa em mim o tempo todo, até quando está consertando carros velhos em sua oficina. Já deu até a ideia de vir morarmos juntos em sua casa, para senhora não ficar tão sozinha.

– Bernadete eu me casei cedo demais, na sua idade, quando eu tinha 20 anos, era uma menina você nasceu. Logo depois veio a tragédia, a explosão na fábrica química, um erro humano, quatro morreram, entre eles seu pai. Fiquei viúva com uma filha pequena. Com a pensão ridícula e uma indenização de fazer vergonha. Consegui levar a vida como ambulante na praia, dei um duro danado, mas o trabalho dignifica qualquer um. Hoje meu acarajé é conhecido em toda orla, os turistas adoram e ainda tenho três empregados. Nunca quis que você trabalhasse, só para dar prioridade aos estudos e você entendeu que para vencer na vida é preciso o jovem estudar. Você tem esse problema, embora o casamento apenas atrapalha a dedicação ao estudo. Quem tem de resolver é você já que o namorado não quer esperar. Apenas digo que nossa modesta casa aqui no bairro da Ponta da Terra está à sua disposição.

O casamento aconteceu no dia 8 de dezembro na Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo, com uma festa entre parentes e amigos. Pedro tomou um porre, como de costume, e passou uma curta lua de mel num modesto hotel na praia de Coruripe. A vida da família mudou muito, o quarto de Bernadete ficou para o casal. Ela todos os dias tomava um ônibus para cidade Universitária, às vezes almoçava por lá. Pedro com sua moto logo pela manhã estava trabalhando nos consertos de automóveis. Como tinha boa locomoção, almoçava em casa todos os dias, esquentando a comida preparada pela sogra na noite anterior. E Dona Laurinha levava em uma Van alugada a pasta de feijão do acarajé e os apetrechos. Trabalhava das 10 às 17 horas na praia de Cruz das Almas.

Assim foram vivendo logo nasceu Pedrinho. Criança bonita tinha os traços do pai: andar arqueado, rosto redondo, sobrancelhas cheias se juntando acima do nariz adunco. A família adorava os dias de domingo quando frequentava a praia de Cruz das Almas, Pedrinho corria na areia e Pedro enchia a cara aproveitando a cerveja e a cachaça que a sogra levava para vender aos fregueses do acarajé. Dona Laurinha gostava de uma cerveja e de sair nas sextas e sábados com as amigas, às vezes com algum amigo. Contudo, dizia, casamento jamais.

Antes de Pedrinho completar dois anos, apareceu a novidade inesperada. Dona Laurinha grávida. O pai da criança era casado morava em Santa Catarina. Já que foi viúva tantos anos, não abortaria, e o menino nasceu no tempo certo. Jorginho foi mais uma alegria para casa. Tiveram que rachar uma babá para tomar conta das crianças. Laurinha reclamava a falta de creches nesse Brasil.

Passaram-se quase três anos. Certo domingo, enquanto Pedro e Laurinha enchiam a cara de cerveja e cachaça. Bernadete brincava à beira-mar com as crianças. Foi quando de um susto, notou a semelhança no andar de Pedrinho e Jorginho. Chamou os dois fez uma comparação no rosto. As mesmas sobrancelhas grossa emendadas em cima do nariz adunco. O instinto de mulher foi um choque no coração de Bernadete quando suspeitou que seu marido poderia ser o pai de Jorginho, filho de sua mãe. Sua alma emudeceu, olhava para as crianças achando-as cada vez mais parecidos com o marido. Até que teve certeza. Não deu uma palavra durante a viagem de volta na Van alugada

À noite Bernadete explodiu. Laurinha e Pedro, ainda de pileque confessaram tudo, inclusive que continuavam transando. Laurinha ainda fez uma proposta:

– Vamos viver assim minha filha, segredo nosso, o povo que vá a puta que pariu. Quis dar um beijo na filha, ela se afastou, trancou-se no quarto fechou a porta.

Era meia-noite quando Bernadete arrumou as malas, saiu do quarto com Pedrinho dormindo no colo, tomou um táxi e foi bater na casa de uma grande amiga solteira. Contou a história, a amiga deu guarita. Desde aquela noite Bernadete nunca mais falou com a mãe, nem com o marido. Encontraram-se duas vezes, no Tribunal.

DEU NO X

PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ

Antônio Gonçalves da Silva, Assaré-CE (1909-2002)

* * *

MINHA VIOLA

Minha viola querida,
Certa vez, na minha vida,
De alma triste e dolorida
Resolvi te abandonar.
Porém, sem as notas belas
De tuas cordas singelas,
Vi meu fardo de mazelas
Cada vez mais aumentar.

Vaguei sem achar encosto,
Correu-me o pranto no rosto,
O pesadelo, o desgosto,
E outros martírios sem fim
Me faziam, com surpresa,
Ingratidão, aspereza,
E o fantasma da tristeza
Chorava junto de mim.

Voltei desapercebido,
Sem ilusão, sem sentido,
Humilhado e arrependido,
Para te pedir perdão,
Pois tu és a joia santa
Que me prende, que me encanta
E aplaca a dor que quebranta
O trovador do sertão.

Sei que, com tua harmonia,
Não componho a fantasia
Da profunda poesia
Do poeta literato,
Porém, o verso na mente
Me brota constantemente,
Como as águas da nascente
Do pé da serra do Crato.

Viola, minha viola,
Minha verdadeira escola,
Que me ensina e me consola,
Neste mundo de meu Deus.
Se és a estrela do meu norte,
E o prazer da minha sorte,
Na hora da minha morte,
Como será nosso adeus?

Meu predileto instrumento,
Será grande o sofrimento,
Quando chegar o momento
De tudo se esvaecer,
Inspiração, verso e rima.
Irei viver lá em cima,
Tu ficas com tua prima,
Cá na terra, a padecer.

Porém, se na eternidade,
A gente tem liberdade
De também sentir saudade,
Será grande a minha dor,
Por saber que, nesta vida,
Minha viola querida
Há de passar constrangida
Às mãos de outro cantor.

***

MINHA SERRA

Quando o sol nascente se levanta
Espalhando os seus raios sobre a terra,
Entre a mata gentil da minha serra
Em cada galho um passarinho canta.

Que bela festa! Que alegria tanta!
E que poesia o verde campo encerra!
O novilho gaiteia a cabra berra
Tudo saudando a natureza santa.

Ante o concerto desta orquestra infinda
Que o Deus dos pobres ao serrano brinda,
Acompanhada da suave aragem.

Beijando a choça do feliz caipira,
Sinto brotar da minha rude lira
O tosco verso do cantor selvagem.

***

ARTE MATUTA

Eu nasci ouvindo os cantos
das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.

Sem poder fazer escolhas
de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
aprendi amar a Deus
na vida dos animais.

Quando canta o sabiá
Sem nunca ter tido estudo
eu vejo que Deus está
por dentro daquilo tudo
aquele pássaro amado
no seu gorjeio sagrado
nunca uma nota falhou
na sua canção amena
só canta o que Deus ordena
só diz o que Deus mandou.

* * *

O POETA DA ROÇA

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chôpana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,
Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com sua caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de côro,
Brigando com o tôro no mato fechado
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.

* * *

DEU NO JORNAL

VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

AS APARÊNCIAS ENGANAM

Quase sempre, somos levados pelas aparências. Não somente pela aparência física, como por uma voz bonita, traquejo social, educação e cultura. A voz, então, é um fator que engana muito.

O que mais distancia as pessoas, não é o dinheiro, mas a educação e o caráter.

Aí, vem o ditado popular: “Nem tudo que reluz é ouro.” Nem sempre um elogio é verdadeiro. Muitas vezes, por trás de um elogio açucarado, existe ironia e despeito.

Antigamente, quando não existia televisão nas cidades do interior, à noite, a distração era conversar nas calçadas, onde se reuniam amigas e amigos verdadeiros. Nesse tempo, em Nova-Cruz, não existia ladrão, salvo ladrão de galinha. Podia-se ficar nas calçadas até tarde, compadrio tranquilamente, sem medo de malfeitor. E as amizades eram verdadeiras.

Era um tempo bem melhor, pois a era cibernética era utopia, e tudo era verdadeiro. As amizades e conversas eram “olho no olho”, sem espaço para demagogia.

As conversas na calçada eram uma higiene mental maravilhosa, como se a calçada fosse um divã de relax. As conversas eram desabafos de problemas do dia a dia, comuns a quase todas as famílias.

A solidariedade humana era a marca maior da vizinhança. Todos formavam uma irmandade e o compadrio era comum. Padrinhos, madrinhas e afilhados completavam as famílias.

O calor humano e a certeza de amizades sinceras eram o marco maior de uma época distante. Ninguém precisava falar por telefone, que não existia, e, quando muito, em assuntos urgentes, a comunicação era por cartas e telegramas. Notícia de tragédia, era comunicada através do telégrafo da estação ferroviária.

Pois bem. “Pra não dizer que não falei de flores”, vou falar sobre uma linda borboleta, que adorava flores, e foi eleita “miss” de um belo jardim.

Pois bem. – Miss borboleta, todas as manhãs, pousava em cada flor de um jardim, com toda sua graça. Todos a cercavam, queriam apalpá-la e contemplar de perto o fulgor de suas asas. Muito ancha por se sentir querida, “miss” borboleta, distribuía carinhos e deixava-se apalpar, de mão em mão. Não imaginava que nos dedos delicados que a apalpavam, ia deixando aos poucos o pó de ouro de suas lindas asas. Assim, de mão em mão, as asas perderam aquele tom dourado maravilhoso, orgulho das borboletas.

Aos poucos, “miss” borboleta perdeu o brilho e o viço, tornando-se uma borboleta sem graça. Os admiradores sumiram e ninguém mais a cortejava.

É o reverso da medalha. A “miss” borboleta sentiu arrependimento tardio, por não ter percebido, a tempo, que quem a cortejava somente queria o pó de ouro de suas asas.

A história de “miss” borboleta é a mesma de muitas pessoas vaidosas, que terminam sendo vítimas de suas próprias ilusões.

DEU NO X

JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

O HINO

Lisboa. Encerro, aqui, essa pequena série sobre histórias da redemocratização do Brasil, naqueles distantes anos. Vamos a elas:

PODER ABSOLUTO. Começo por quando tudo começou, nos tempos da Redentora. Em Santiago do Chile, Adão Pereira Nunes, Fernando Gasparian (que contou essa história), Fernando Henrique Cardoso, Tiago de Mello, entre outros exilados. Alguns já então condenados, outros quase. Darcy Ribeiro contou como, no fim do Governo Jango, se sentiu com “poderes imperiais”. É que o presidente da República voara para o sul do País ‒ acompanhado pelo chefe da Casa Militar, o general Assis Brasil. O ministro da Marinha, Pedro Paulo de Araújo Suzano, pediu demissão. O ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, gravemente enfermo, estava no hospital. O que fazia de Darcy, chefe da Casa Civil, o comandante supremo das Forças Armadas. E, ao grupo, declarou

‒ Foi quando tive a agradável sensação do poder absoluto.

Após o que Celso Furtado concluiu

‒ Agora está explicado porque estamos aqui.

Dado o Golpe Militar, em 01/04, o bravo Darcy ainda ficou três dias sozinho dentro do Palácio, para resistir, até de lá ser retirado por Waldir Pires.

A BOMBA. Nesse mesmo 1964 vinha caminhando tranquilo, pela Rua do Hospício, Karl Marx Guimarães Coelho. Já na calçada do 4º Exército (em frente à Faculdade de Direito do Recife), um militar considerou suspeita sua bolsa e perguntou

‒ O que tem aí dentro?

¬‒ Nada.

‒ Quero ver.

E encontrou, lá, uma nota – “comprar fios e bobinas para a bomba”. Perguntou o nome do cidadão

¬‒ Karl Marx.

Era demais. Com certeza, comunista. E uma bomba, com certeza terrorista. Foi preso. Sem ter tempo de explicar que se tratava de bomba compressora para um ar-condicionado que estava consertando. Apanhou tanto que passou três meses no hospital. Viva a Democracia.

UM ESTUPROZINHO. Passa o tempo, vem a Transição, e o país se preparava para a posse que seria de Tancredo e acabou de Sarney. Estávamos todos juntos, nessa reunião com ele. O ministro da Justiça da Ditadura, Ibrahim Abi-Ackel, tentava ser simpático. Até chamou seu sucessor, Fernando Lyra, de jurista. E Lyra confirmou, todo prosa,

– Sou mesmo e de Caruaru!

Vendo Ruth (Maria Rita, de nascença) Escobar chegar, quiz fazer as pazes com ela.

– Dona Ruth, preciso explicar. Nunca lhe deixei representar peças de teatro, nas prisões, pensando em sua segurança.

– Como?

– É que os presos, lhe vendo, iriam ficar com alguma fixação sexual. E nas ruas, daqui a dez anos, poderiam querer lhe estuprar.

– Agora é que não lhe desculpo mesmo, ministro. Pois um estuprozinho, comigo dez anos mais velha, seria muito bom.

O HINO. 21 de abril de 1985. Tancredo morto e Fafá de Belém cantou, nas tvs, o Hino Nacional sem nenhum instrumento acompanhando. Com muita emoção. E queria fazer o mesmo num disco. Ocorre que não podia, segundo a gravadora, a partir de interpretação equivocada da Lei 5.700/71.

Assinei parecer autorizando. Porque a exigência de “andamento metronômico de uma semínima igual a 120, em tonalidade si bemol” (art. 24), era só para “Sessões Cívicas” (art. 25). E o disco saiu. Dedicado a mim, beijos Maria de Fátima.

Fevereiro de 1986. Transmissão do cargo de ministro da Justiça. Tomaria posse Paulo Brossard, para Brizola um “Rui Barbosa em compota”. Lyra, o ministro da Justiça que partia, gostava muito daquela gravação. E deu ordem

– Na hora da posse, bota o disco de Fafá.

Entrei na conversa

– Perdão, ministro. Mas seu último ato, no ministério, não pode ser uma ilegalidade, que a transmissão do cargo é uma Sessão Cívica.

– Lá vem você, de novo, botando gosto ruim.

– Desculpe.

– Mas Sarney e Brossard vão ficar putos.

– Será ruim, para você.

Pensou um pouco e disse

– Deixe comigo.

– Fernando…

– Confie.

Todos em seus lugares, no auditório, e o locutor convocou autoridades para a mesa: Presidente da República, ministro que sai, ministro que entra, outros ministros, Procurador Geral da República. Só então anunciou

– Formada a mesa, e ANTES de se iniciar esta Sessão Cívica, vamos ouvir o Hino Nacional cantado por Fafá de Belém.

Todos de pé. Ouve-se o Hino, em disco, e o povo chorando. Em seguida,

– Começa, AGORA, a Sessão Cívica da transmissão de posse.

E Lyra, rindo,

– Viu como é?

Saudades de um tempo em que política se fazia com graça, engenho e arte.