MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

BALANÇA COMERCIAL

Desde Adam Smith muitos economistas tentaram desfazer os mitos sobre a chamada “balança comercial”, mas estes mitos ainda persistem. A razão é que eles são convenientes para defender o protecionismo.

É simples perceber que o protecionismo não aumenta a prosperidade nem beneficia a população de um país. Se prosperidade significa ter acesso a bens e serviços, é óbvio que quando o governo restringe o acesso a bens e serviços (essa é a definição de protecionismo) a população está sendo prejudicada.

O conceito de balança comercial vem do tempo em que os reis viam o país como sua propriedade, e as pessoas viam o rei como a personificação da nação. Neste contexto, o conceito faz sentido. O rei precisa pagar suas despesas, seu palácio, seus assessores e (principalmente) seu exército. Sem dinheiro, ele se tornaria um ex-rei rapidamente.

Assim, na mente do rei e de seus ministros, “país”, “governo” e “economia nacional” são sinônimos, e portanto é fácil concluir que a economia de um país deve ser organizada como uma empresa: visando lucro. Uma empresa lucra produzindo e vendendo bens, e fazendo com que a receita desta venda seja maior do que a despesa. Da mesma forma, o rei e seus ministros procuram vender o que foi produzido em “seu” país e deseja que a receita destas vendas seja a maior possível.

Nessa concepção, as pessoas que vivem no reino não são vistas como cidadãos, mas como operários. Eles não têm direito à sua própria vida ou à sua própria prosperidade. Sua função é produzir bens que serão tomados pelos funcionários do rei e vendidos para o exterior, para encher de moedas os baús do rei. País rico, nessa visão, é aquele que tem um rei rico, não aquele onde a população é rica.

Obviamente, se exportações são incentivadas para arrecadar mais, importações são indesejáveis porque implicariam em gastar o dinheiro recebido. Daí surge o conceito de que exportar muito e importar pouco significa “balança comercial favorável”, enquanto que o contrário é visto como um déficit “indesejável”.

Mas no conceito moderno de país, tudo isso não faz mais sentido. Os países de hoje não são mais propriedade particular de seus soberanos. Cada pessoa tem o direito de buscar a sua felicidade e a sua prosperidade através do trabalho, e prosperidade não é juntar dinheiro, prosperidade é obter as coisas que o dinheiro pode comprar. Ao restringir importações em nome do protecionismo ou da balança comercial, o que o governo faz é desvalorizar o trabalho das pessoas, roubando-lhes o poder de compra: se importações são proibidas, a lei da oferta e procura fará o preço das coisas aumentar, e o dinheiro comprará menos. Além disso, quanto mais exportações, menos sobra para o mercado interno, e o preço também sobe.

Se o povo como um todo é prejudicado, alguns poucos são beneficiados: são aqueles que são protegidos da concorrência e ganham maior liberdade para cobrar mais caro e até mesmo para ser ineficientes. É a força que esses poucos têm junto aos políticos que conserva vivo o conceito de balança comercial, que já deveria ter falecido de morte natural há séculos.

Uma nação não deve ter objetivos contábeis nem buscar superavit. Os objetivos de uma nação devem estar na escala humana, aumentando o poder de compra de seus cidadãos. Tratar o comércio realizado por pessoas e empresas como se fossem realizados por uma corporação gigante chamada estado não é apenas uma questão acadêmica. É uma política errada e economicamente destrutiva.

Baseado neste artigo de Donald Boudreaux. Clique aqui para ler.

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

A GUERRA ÀS DROGAS

O gosto pelo fingimento e pela hipocrisia faz parte da natureza humana, em todo o mundo, mas não dá para negar que nosso Brasil está entre os primeiros nesse quesito. Somos a terra do “é proibido mas pode”. Cassinos são proibidos mas existem em qualquer cidade média. Aborto é proibido mas quem quiser faz com a maior tranquilidade (cinquenta mil por ano segundo as estimativas mais prudentes). Jogo do bicho é crime mas no carnaval os bicheiros são celebrados na televisão como beneméritos das escolas de samba. No tempo do câmbio controlado, os noticiários informavam todo dia a cotação “no oficial” e a cotação “no paralelo”. Sempre tivemos “leis que pegam” e “leis que não pegam”.

Claro que nada disso chega perto, em termos de incoerência, com a chamada “Guerra às Drogas”. O desenho abaixo sintetiza bem o porquê.

O que hoje é chamado de “guerra às drogas” é o resultado da união de dois interesses, um econômico e um político. Em inglês, é costume referir-se a esta união com uma expressão que pode ser traduzida como “moralistas e contrabandistas”.

“Contrabandistas” são os que ganham dinheiro com a proibição, que na verdade é mais uma reserva de mercado. O governo usa o seu “monopólio da força” para eliminar os competidores, e deixa o mercado livre para os seus aliados. O exemplo da chamada “Lei Seca” nos EUA mostra bem que quanto mais tempo dura uma proibição, mais a corrupção penetra em todas as instâncias do governo. Os altos lucros atraem políticos, juízes e policiais (todos abrigados pelo corporativismo estatal) para participar do negócio e protegê-lo usando seus cargos. A postura deste grupo é “quanto menos se falar no assunto, melhor”.

“Moralistas” são o público-alvo de determinados políticos. Nas modernas democracias, um deputado nunca tenta agradar à maioria; ele se dedica a agradar uma minoria que lhe traga votos suficientes para se eleger (no Brasil, um deputado pode ser eleito com menos de 1% dos votos de seu estado). No caso das drogas, o alvo são aquelas pessoas que encaram o assunto de forma dogmática e que gostariam que sua opinião pessoal fosse imposta ao restante do mundo. Para esse público, o discurso de políticos demagogos soa como música: promessas de “guerra sem trégua” e “leis mais duras” que se repetem a cada eleição, mesmo com todos os fatos mostrando que isso é inútil. É que esse tipo de eleitor só aceita que exista um remédio para cada problema, e quando o remédio não funciona, a solução é sempre aumentar a dose.

Não é preciso ser um militar de carreira para saber que, em uma guerra, é importante saber quando se está ganhando ou perdendo, e ajustar a estratégia de acordo com isso. Quando a guerra é conduzida pelos políticos, entretanto, isso é ignorado. Não existem fatos ou números, apenas retórica e discursos emocionados. Quase pode-se dizer que não importa que as drogas sejam comercializadas e usadas livremente, que existam cracolândias no centro das cidades ou que os traficantes (em parceria com a fração corrupta do estado) controlem bairros inteiros; a única coisa que importa é que a lei continue dizendo que é proibido e que muito dinheiro continue a ser gasto em operações inúteis mas que dão audiência na TV.

Apenas como exemplo: só o estado de São Paulo gasta mais de quatro bilhões de reais por ano na suposta “guerra”. O resultado: estimativas da Polícia Federal dizem que menos de 10% da cocaína que entra no país é apreendida.

Enquanto isso, alguns países mostram que existem outras formas de tratar a questão. Por exemplo: a Suíça (que dificilmente será acusada de ser um país subdesenvolvido) implantou em 1994 uma nova política em relação às drogas, que deixou de lado a idéia de “guerra” e passou a concentrar-se na ajuda aos viciados, redução de danos e facilidade de tratamento.

Nos últimos 20 anos o número de processos judiciais relacionados a drogas caiu 75%. Ao mesmo tempo, os casos de contaminação por HIV caíram 84%. Mortes por overdose caíram 64%. O número de viciados que busca ajuda médica chegou a 95%. Os crimes relacionados a uso de drogas caíram 75%, e, mais especificamente, as ocorrências de furto ou roubo cometidas por viciados caíram nada menos que 98% !

Em 2019 os deputados da Califórnia aprovaram a criação de um projeto-piloto que tentaria aplicar algumas das idéias suíças. O governador, que provavelmente tem o dom da clarividência, vetou o projeto com o argumento “isso nunca vai funcionar” (os eleitores moralistas adoraram).

Outro caso de sucesso que vai na mesma direção é Portugal. Em 2001, o país adotou uma política de “descriminalização”: qualquer pessoa portando o equivalente a até dez dias de consumo não é mais assunto da polícia ou da justiça. O dinheiro que era gasto em operações policiais passou a ser usado em clínicas de tratamento e políticas de apoio e redução de danos. Resultados: o número de casos de HIV, que era o maior da Europa em 2000, caiu mais de 90%. O índice de mortes causadas pelo uso de drogas é cinco vezes menor que a média da União Européia. O número de pessoas que procura tratamento médico aumentou 60%. O número de usuários, segundo pesquisas do governo, caiu, especialmente entre os jovens de 15 a 25 anos, que é o grupo mais vulnerável (8% em 2001, 6% em 2012). Em 1999, 44% dos presos em Portugal haviam sido condenados por questões relacionadas a drogas. Em 2021, este número caiu para 16%.

Mais números sobre Portugal podem ser vistos clicando aqui. A experiência está sendo estudada em muitos países e vários estão a caminho de adotar políticas semelhantes (provavelmente a Noruega será a próxima). Nós, como em tantas outras ocasiões, podemos aprender com a experiência alheia ou podemos continuar fingindo que sabemos mais do que todo mundo.

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Muitos obras de ficção já foram chamadas de proféticas, por mostrar coisas que mais tarde aconteceriam na realidade. Dois livros que certamente se encaixam nesta categoria são “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, publicado em 1932, e “1984”, de George Orwell, publicado em 1948. Em conjunto, os dois descrevem o mundo de hoje com surpreendente precisão. Ambos também têm em comum a biografia dos autores, ambos britânicos que se envolveram com a política e se decepcionaram. Vale lembrar que o antigo Império Britânico atravessou o século 20 em uma lenta decadência e em um contínuo processo de estatização muito similar às idéias dos dois livros.

1984 é muito pessimista. Mostra uma sociedade empobrecida e ignorante, mantida sob constante vigilância por um governo opressor e onipresente, que justifica sua violência pela existência de uma guerra. Em certo ponto, é mostrado que a realidade é o contrário: a guerra é que é mantida apenas para justificar o permanente estado de opressão.

Admirável Mundo Novo, por outro lado, pode ser chamado (com algum humor negro) de otimista. Não existem guerras, porque existe apenas um “estado mundial”, cujo lema é “Comunidade, Identidade, Estabilidade”. É uma sociedade totalmente coletivista, onde a individualidade é mínima e desencorajada. Tudo é planejado, tudo segue as normas estabelecidas. É um mundo que soa estranhamente familiar para quem vive no mundo de hoje. Alguns exemplos:

– No livro, o conceito de família é inexistente. Os bebês são produzidas em “linhas de produção”, criados e educados pelo estado, e os adultos passam a vida em completa liberdade sexual. No mundo real, apenas a “produção” continua seguindo o processo tradicional, mas a formação das crianças é cada vez mais controlada pelo estado.

– No livro, todas as pessoas recebem gratuitamente uma droga sintética chamada “soma”, que é considerada segura e socialmente útil (“todas as vantagens do cristianismo e do álcool, sem nenhum dos seus inconvenientes”, diz um personagem). No mundo de hoje, as pessoas têm à sua disposição não uma, mas várias opções para fugir da realidade: Rivotril, Frontal, Prozac, Lexapro, Zoloft, Wellbutrin e dezenas de outros.

– No livro, a obediência ao padrão está acima de tudo; a maior obrigação das pessoas é agir e pensar da mesma forma que todos os outros. Diz um personagem: “Não há crime mais odioso que a falta de ortodoxia na conduta. O homicídio mata apenas um indivíduo, e, afinal, o que é um indivíduo? Podemos produzir indivíduos novos com a maior facilidade, tantos quantos quisermos. A falta de ortodoxia, porém, ameaça mais que a vida de um simples indivíduo: ela atinge a própria Sociedade.” No mundo de hoje, é fácil notar que o estado se preocupa cada vez menos com agressões ao indivíduo, como roubos ou assassinatos, mas se preocupa muito com ameaças a ele próprio.

Por que o mundo utópico de Admirável Mundo Novo parece mais real e mais possível do que o mundo distópico de 1984? A melhor explicação vêm do próprio Huxley, em um prefácio escrito para a reedição de 1946:

“Não há, por certo, nenhuma razão para que os novos totalitarismos se assemelhem aos antigos. O governo pelos cassetetes e pelotões de fuzilamento, pela carestia artificial, pelas prisões e deportações, não é simplesmente desumano (ninguém se importa muito com isso hoje em dia); é, de maneira demonstrável, ineficiente – e numa época de tecnologia avançada, ineficiência é o maior dos pecados.”

Um crítico comparou as duas obras dizendo: “Em “1984”, as pessoas são controladas pela dor e pelo medo. Em “Admirável Mundo Novo”, elas são controladas pela alegria e pelo prazer. Orwell previu um mundo onde os livros seriam proibidos. Huxley previu um mundo onde não é preciso proibir os livros porque ninguém quer ler.”

A sociedade criada (ou profetizada) por Huxley eliminou a escassez, o sofrimento, a dor – tudo que havia que desagradável na vida, enfim. Em um diálogo no final do livro, o “administrador mundial” explica que “a população ótima é como um iceberg: 90% abaixo da linha de flutuação, 10% acima dela”. Seu interlocutor pergunta se as pessoas “de baixo” são felizes, e o administrador responde “sim, mais felizes que os que estão acima”. “Apesar daquele trabalho horrível?”, é a réplica. “Horrível? Eles não acham. É leve, de uma simplicidade infantil. Nenhum esforço excessivo da mente ou dos músculos. Sete horas de trabalho leve, depois a ração de soma, esportes, cópula sem restrições e cinema. Que mais poderiam pedir?”

Analisando essa sociedade, Huxley faz uma análise/previsão que se tornou famosa:

“Um estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que os chefes políticos e os administradores controlassem uma população de escravos que não precisariam ser coagidos, porque amariam a escravidão. Fazer o povo amar a escravidão é a tarefa, hoje, dos ministérios, diretores de jornais e professores.”

Ministérios, diretores de jornais e professores. Em outras palavras, o governo e seus muitos órgãos, a imprensa e a escola. São eles que se dedicam à tarefa de fazer o povo amar a escravidão, temer a liberdade, suplicar por ordens e regulamentos, e de forma geral odiar qualquer um que cometa a heresia de pensar por si mesmo. São eles os executores do plano de levar-nos ao Admirável Mundo Novo. Já são muitos os seus apoiadores, que dizem que o bom cidadão obedece e não questiona, repete o que ouve mas não pensa, apoia tudo que a maioria apoia e condena, usando a violência se lhe pedirem, tudo o que a maioria condena.

Imitando a história, o Mundo Novo ficcional de Huxley surgiu após uma guerra, aproveitando o sentimento coletivo de que qualquer paz, ainda que sob uma tirania, é melhor do que a destruição e o sofrimento inevitáveis em qualquer guerra. A última “grande” guerra acabou há três quartos de século, mas de lá para cá as pequenas guerras têm sido constantes, e a simpatia pela guerra parece estar crescendo. Huxley disse em 1946:

“Os horrores da Guerra dos Trinta Anos foram uma lição, e por mais de cem anos os políticos e generais da Europa resistiram conscientemente à tentação de ir até os limites da destruição ou de combater até que o inimigo fosse inteiramente aniquilado. Porém, nos últimos trinta anos não tem havido conservadores, mas apenas radicais nacionalistas de direita e radicais nacionalistas de esquerda. O último estadista conservador foi o Marquês de Lansdowne; e, quando ele escreveu uma carta ao The Times sugerindo que a Primeira Guerra Mundial deveria ser concluída por um acordo, como tinham sido a maioria das guerras do século 18, o jornal se recusou a publicá-la. Os radicais nacionalistas impuseram sua vontade, com as consequências que todos conhecemos: bolchevismo, fascismo, inflação, depressão, ruína e fome.”

Então, estaremos chegando ao Admirável Mundo Novo? Em minha opinião, já estamos muito mais perto do que pensamos.

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

DEFININDO O CAPITALISMO

Uma das maiores causas da confusão dos tempos modernos é que as pessoas não sabem mais o que as palavras significam. Isso muitas vezes é intencional, porque muita gente se preocupa mais em ganhar as discussões do que resolver os problemas. As palavras relacionadas com a economia e a política estão entre as maiores vítimas. Ninguém parece se preocupar com as definições, e se interessa apenas em dividi-las em palavras “do bem” e “do mal”. Como exemplo, vamos tentar destrinchar uma das mais comuns, o tal do capitalismo.

Para um certo grupo, o capitalismo é uma coisa horrível, e a solução para ele é o socialismo. Para outro grupo, o socialismo é que é horrível e o capitalismo é que é a solução. Na verdade, essas duas palavras falam de coisas diferentes e uma não é o oposto da outra.

Partindo da simples formação da palavra, capitalismo é o sistema onde existe capital, o que inclui praticamente toda a humanidade. E o que é capital? É qualquer coisa que aumente a capacidade das pessoas de produzir bens ou riquezas, ou que produza esses bens e riquezas por si só. Vamos dar um exemplo metafórico: uma pessoa comprou, ganhou ou achou na rua uma galinha. Essa galinha constitui um capital, e o dono pode usá-la de três formas básicas:

1 – Ele mata a galinha, assa no forno e come. Ou seja, o capital foi consumido.

2 – Ele conserva a galinha viva e come os ovos. O capital é mantido apenas para sustentar o consumo; portanto, não aumenta.

3 – Ele deixa a galinha chocar os ovos. Nascem novas galinhas, e a produção de ovos aumenta. O capital é reinvestido, ou, em outras palavras, o capital aumenta a si mesmo (e matematicamente pode-se mostrar que este aumento é exponencial).

Interpretando no mundo real, algumas coisas se tornam óbvias:

– Não adianta ter muitas galinhas se não há ninguém para comprar os ovos. Ou seja, o capital se torna produtivo quando existe um mercado.

– Um grande criador de galinhas irá necessitar de ração, medicamentos, gaiolas, embalagem para os ovos, transporte, etc, e tudo isso representa uma oportunidade para outras pessoas. Ou seja, o capital também pode beneficiar outras pessoas além do seu dono.

– Um grande criador de galinhas provavelmente contratará funcionários. O funcionário não precisa de capital próprio, ele apenas vende partes de seu tempo na forma de trabalho.

Essa última questão gera uma grande polêmica. Segundo alguns, o regime capitalista seria injusto porque o dono do capital se aproveita do trabalho alheio (é o que Marx chamou de mais-valia). Do ponto de vista do conceito básico, é isso mesmo, porque a ciência econômica não faz juízos de “certo” ou “errado”, ela apenas explica como as coisas funcionam e quais as consequências de cada ato.

O empregado, enquanto empregado, não é um capitalista, e portanto não vai usufruir das vantagens que o capitalismo traz. Mas uma pessoa não é apenas um empregado – essa é apenas uma parte de sua vida. Nada impede que o empregado poupe e transforme uma parte do salário que recebe em capital. De que forma? Muitas: pode comprar ferramentas e máquinas e passar a trabalhar como autônomo, pode abrir um pequeno negócio, pode comprar um imóvel, pode simplesmente aplicar o dinheiro em um fundo de investimentos ou na poupança. De qualquer forma, uma vez iniciado o processo, o capital pode aumentar a si mesmo, se usado da forma correta.

Quem reclama, normalmente se queixa de que o conceito não se aplica na prática: o empregado ganha muito pouco, seu salário mal dá para viver, ele jamais conseguirá reunir capital. Eles propõem uma quarta opção para o dono da galinha:

4 – Ele conserva a galinha viva, e entrega uma parte dos ovos para um grupo de pessoas muito bem-intencionadas chamadas “políticos”. Essas pessoas supostamente irão usar esses ovos para promover “igualdade” e “justiça social” (mas na prática geralmente elas mesmas ficam com a maioria dos ovos).

Então, para resumir a coisa: o capitalismo nunca se propôs a enriquecer quem não têm capital, mas ao mesmo tempo não impede ninguém de conseguir. O que caracteriza as sociedades mais ricas não é a existência de alguns com muito capital, mas a existência de muitos com capital. Isso acontece porque em algumas sociedades a maioria se dedica a reunir capital e a fazê-lo crescer, enquanto outras se dedicam a tirar o capital de quem têm para dá-lo a quem não têm. O capital não aumenta quando é movido de um lugar para outro; aumenta quando é deixado livre para produzir.

Para encerrar, uma frase do economista Howard Kershner: “Quando um povo dá ao seu governo o poder de tirar de uns e dar a outros, o governo irá crescer continuamente até que a última gota de sangue do último pagador de impostos seja sugada.”

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

O FUTEBOL E O FOOTBALL

Pouca gente desconfia que o esporte onde se chuta uma bola redonda e o esporte onde se carrega ou se arremessa uma bola oval têm a mesma origem. Mas o conceito de dois times tentando levar um objeto para o campo inimigo, em uma metáfora dos campos de batalha, já existia na Grécia antiga, com o nome de Episkyros. De lá foi para Roma, com o nome de Harpastum. Na Idade Média, o jogo conservou sua popularidade nas Ilhas Britânicas, onde era jogado nas ruas. Uma lei de 1363 já falava em “hand ball” (bola de mão) e “foot ball” (bola de pé). O conceito era sempre o de “invadir” o terreno adversário, com a bola sendo o símbolo dessa “conquista”. As regras variavam segundo o costume de cada lugar.

Em 1845, um colégio na cidade de Rugby criou um campeonato interno com regras escritas, que rapidamente se espalharam por outros colégios da Inglaterra. Os jogos baseados nesse regulamento passaram a ser chamados “Rugby football”, ou “Futebol de Rugby”. Em 1895 surgiu a primeira liga, formada por 21 clubes. Com isso, o rugby tornou-se o primeiro esporte a ter jogadores profissionais, que recebiam dinheiro para jogar. Antes disso, o esporte já era praticado nos colégios e universidades dos EUA, onde recebeu modificações que levariam ao moderno football (chamado em português de futebol americano).

As primeiras restrições ao uso das mãos surgiram com a criação da Football Association em Cambridge, em 1863: era permitido segurar a bola com as mãos, mas não carregá-la. Nos anos seguintes, as regras foram mudando rapidamente até se tornarem um esporte bastante diferente do rugby. Por seguir as regras da Football Association, esse esporte passou a ser chamado “Association Football”, ou “futebol da Associação”. Com o tempo, foi abreviado para “Soc Football” e finalmente “soccer”. A FIFA, atualmente a entidade máxima do futebol, foi fundada em 1904.

Nos tempos modernos, é interessante notar o quanto o football e o futebol refletem os costumes e a sociedade dos países que os praticam. Para não ficar muito extenso, vamos nos restringir a Brasil e EUA:

Nos EUA, berço da livre iniciativa, o football profissional é sinônimo de NFL. Trata-se de uma liga formada por 32 times, e cada time tem um dono. O objetivo da liga é claro: vender um produto de entretenimento para obter lucro. A liga é dona de si mesma, faz suas próprias regras e controla a comercialização de seus produtos. A liga sabe que se o público não gostar, não compra, e portanto se esforça em oferecer um “bom produto”. Se alguém quiser fazer concorrência para a NFL e criar outra liga, é só começar – aliás, existem outras ligas, mas tão menores que muita gente nem sabe que elas existem. Trata-se, em resumo, de um claro exemplo de livre mercado.

No Brasil, o futebol segue uma lógica diferente, do mesmo jeito que o restante: os times pertencem a clubes, e cada clube é administrado de um jeito. Embora sejam eles que “fazem o jogo acontecer”, quem manda e faz as regras é uma confederação nacional complementada por 27 federações estaduais, e esta confederação obedece a um órgão mundial chamado FIFA. Os torcedores, de modo geral, não têm a menor idéia de como funcionam as tais federações, quem as dirige, e de que forma são escolhidos seus dirigentes. Da mesma forma que no mundo real, simplesmente se aceita que existem os que mandam e os que obedecem. Vale lembrar que se um grupo de pessoas quiser montar um campeonato alternativo, não pode, a menos que seja autorizado pela federação. Isso, aliás, não é só para o futebol: qualquer esporte no Brasil só pode acontecer sob os auspícios da respectiva confederação e das 27 federações estaduais, ainda que algumas nem existam.

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Nos EUA, um dono de time de football daria boas gargalhadas se lhe pedissem para seus jogadores jogarem de graça para alguém.

No Brasil, e no resto do mundo do futebol, é normal que o time que banca os jogadores tenha que cedê-los de graça para jogar nas seleções. As seleções participam de copas e torneios que são organizados pelas confederações e pela FIFA em um modelo em que o lucro é delas e a despesa é dos outros. Da mesma forma que no “mundo real”, é considerado normal que os “donos do poder” vivam às custas do trabalho alheio.

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No football, as regras são claras e extremamente minuciosas. Se em um jogo acontece algo que é visto como indesejável ou anti-esportivo, muito provavelmente será criada uma regra específica para essa situação. A idéia é que os times devem se guiar pelo “espírito esportivo”, e não procurar se beneficiar de brechas no regulamento.

No futebol, embora existam regras objetivas, prevalece a idéia de que sempre deve haver um recurso para impôr uma decisão “subjetiva”. No mundo real as leis costumam usar a expressão “a critério da autoridade competente”. No futebol, diz-se que é uma “questão de interpretação”. Como exemplo, o árbitro pode mostrar um cartão amarelo ou um vermelho, baseando-se unicamente em seu critério pessoal, e sabendo que essa decisão pode influenciar bastante no resultado do jogo. Claro que esses casos são discutidos por horas e horas nas famosas “mesas redondas” dos canais esportivos, mas na prática o poder do árbitro prevalece e raramente é questionado pelos “poderes superiores”.

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No football, após uma falta, os juízes (são 7) conversam entre si, consultam o vídeo se necessário e chegam a um consenso. Então o juiz principal vai até o centro do campo, liga o microfone e explica através dos alto-falantes do estádio o que aconteceu. O jogo recomeça.

No nosso futebol, após uma falta, o juiz (único) é imediatamente cercado por jogadores de ambos os times e inicia-se um bate-boca, com todos falando ao mesmo tempo. O juiz anda para trás e é seguido pelos jogadores que continuam falando (nós, do público, não podemos ouvir). Após algum tempo a “reunião” acaba, a falta é cobrada, e o jogo prossegue. Em alguns casos, a critério exclusivo do juiz e sem nenhuma prova factual, um jogador recebe o famoso “cartão por reclamação”.

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No football, existe um relógio regressivo que marca os quinze minutos de cada um dos quatro “tempos” do jogo. Cada tempo acaba exatamente quando o relógio chega a zero.

No futebol, cada tempo dura 45 minutos e mais um “acréscimo”. Cada tempo acaba exatamente quando o juiz quiser.

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Os times da NFL jogam cinco meses por ano (setembro a janeiro) e o calendário é definido pela própria liga. As redes de TV concorrem entre si para comprar os direitos de transmissão, gerando uma receita de dez bilhões de dólares por ano. Praticamente não existem jogos sem estádio lotado (o recorde é do Green Bay Packers, que esgotou todos os ingressos em todos os seus jogos em casa desde 1959).

No futebol, o calendário é definido pelas federações e pela CBF, que parece mais atenta aos interesses das redes de TV que aos dos clubes. São disputados quatro campeonatos ao mesmo tempo e alguns clubes jogam duas vezes por semana durante meses. Jogos com estádios praticamente vazios são comuns. Mas no Brasil certamente não é só no futebol que coisas absurdas prejudicam a maioria para beneficiar alguns poucos.

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Nos EUA, assistir a um jogo é considerado “entretenimento”. As pessoas vão ao estádio (que têm enormes estacionamentos), bebem cerveja, comem cachorro-quente, comemoram os gols e voltam para casa felizes (em caso de vitória) ou tristes (em caso de derrota), mas sem achar que o resultado tenha alterado a vida de alguém.

No Brasil, jogo de futebol parece uma declaração de guerra: torcedores são acompanhados pela polícia e ruas próximas ao estádio são fechadas. Em jogos “importantes”, a rotina pós-jogo inclui brigas coletivas, depredações variadas e torcedores presos.

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Nos EUA, os torcedores geralmente vêem com bons olhos um jogo pacífico, sem polêmicas e com uma arbitragem justa e imparcial.

No futebol daqui, o torcedor acredita com toda convicção que o seu time nunca comete uma falta sequer, e que se o juiz marcar alguma é ladrão. Acredita também que é obrigação do bandeirinha nunca marcar impedimento para o seu time, mas sempre marcar para o time adversário. Mesmo ser ver, sabe que se foi contra o seu time, não foi pênalti, mas se foi a favor, então foi. Repete sempre que “ganhar roubado é mais gostoso” e acha que o juiz têm obrigação moral de sempre errar a favor do seu time. De modo geral, o brasileiro usa este mesmo modo de pensar quando se trata de políticos e de eleições.

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

QUANDO O DINHEIRO DE VERDADE DEIXOU DE EXISTIR

No século 19, o dinheiro era o ouro. Cada país tinha suas moedas, mas elas eram apenas uma conveniência, para que ninguém precisasse usar balanças para pagar ou receber. Como cada moeda era equivalente a uma quantidade fixa de ouro, não havia “cotações de câmbio” e o comércio entre países era muito mais fácil do que é hoje.

Na Primeira Guerra Mundial, os países da Europa repetiram uma idéia que já havia sido usada por muitos países quando o governo ficava sem dinheiro: acabar com a equivalência em ouro e fabricar dinheiro de papel. Isso levou países como a Alemanha à hiperinflação. Quando os Estados Unidos cometeram o mesmo erro nos anos 20, criaram a “Grande Depressão”, que afetou o comércio e a economia do mundo todo, e pode ser considerada uma das causas da Segunda Guerra Mundial.

Em 1944, antes mesmo da guerra acabar, todos perceberam que seria necessário reconstruir o sistema financeiro mundial. Após algumas negociações prévias, representantes de 44 países se reuniram em um hotel de luxo nos EUA e firmaram um acordo que ficou conhecido pelo nome da cidade onde aconteceu, Bretton Woods.

Todos sabiam que para criar um sistema sólido, era preciso voltar ao ouro. O problema é que os países da Europa haviam usado suas reservas para pagar as despesas da guerra, e em 1944 os EUA eram donos de dois terços de todo o ouro do mundo. Criou-se então um sistema em que o dólar seria fixado em ouro (35 dólares por onça, ou 0,888 gramas por dólar), e os demais países manteriam suas moedas em uma cotação fixa em relação ao dólar. Os EUA se comprometiam a trocar dólares por ouro se algum país pedisse.

Com a enorme demanda gerada pela reconstrução da Europa, com os EUA fornecendo crédito aos demais países, e com a estabilidade trazida pelo câmbio fixo, os anos do pós-guerra foram de enorme crescimento da economia. A Europa se esforçava para retornar aos níveis pré-guerra, e os EUA, que saíram da guerra ilesos, experimentavam um boom econômico sem precedentes.

Em 1963 o presidente John Kennedy, aproveitando o momento favorável, propôs uma lei reduzindo impostos. Antes da lei ser aprovada pelo congresso, porém, Kennedy foi morto em Dallas e seu vice, Lyndon Johnson, assumiu a presidência. O otimismo gerado pela redução de impostos já estava mostrando resultados, e o PIB do país mostraria um crescimento de 10% no ano de 1964. Esse otimismo também permitiu a Johnson se reeleger com larga margem de votos e com uma confortável maioria no congresso.

Poucas coisas são tão ruins para um país como um presidente popular em um período de vacas gordas, especialmente se sua popularidade incluir a imprensa. Animado com as boas notícias e com poder para aprovar qualquer coisa que quisesse, Johnson inventou um programa que ficou conhecido como “Great Society”. Na metade de 1964, foram criados 14 grupos de trabalho incumbidos de propor programas para “melhorar” todos os aspectos importantes do país. Os grupos, compostos de acadêmicos, “especialistas” e altos funcionários do governo, foram nomeados pelo presidente e por dois assessores, e trabalharam em segredo para “evitar perda de tempo com polêmicas”. Como se pode notar, quando um governo se sente forte, a primeira coisa que faz é jogar pela janela as idéias de “democracia”.

Para explicar o que foi o tal plano, vou usar trechos de uma publicação da época (1965):

“Os planos para as cidades americanas do futuro exigirão que a remodelação urbana seja subvencionada em escala crescente.”

“Os programas de trânsito serão subvencionados na Grande Sociedade.”

“Inúmeros bilhões de dólares poderão ser gastos proveitosamente, segundo os planejadores, na remodelação das cidades.”

“Com o planejamento as cidades poderão tornar-se lugares onde um número cada vez maior de habitantes poderá viver com segurança e satisfação.”

“Terá de haver mais dinheiro para parques em torno das cidades. Os parques nacionais terão de ser ampliados.”

“O congresso aprovou uma lei que destina verbas federais para se juntarem à verbas estaduais e municipais no combate à poluição e à fumaça.”

“O Presidente tem idéias bem assentadas sobre a educação. Uma delas é o aumento da ajuda federal em escala muito maior.”

“O plano compreende o aumento das verbas federais para preparação de professores e construção de escolas.”

“Um programa de assistência hospitalar aos aposentados, mantido pelos impostos, será um dos primeiros a ser criado.”

“O congresso aprovou um programa de bolsas para estudantes de enfermagem e de subvenções para escolas de enfermagem.”

“Serão ampliados os programas do governo para estabilizar o preço dos produtos agrícolas e a renda dos agricultores.”

“Haverá distribuição de excedentes de comida aos necessitados.”

“A tendência dos programas agrícolas será a de pagamento direto aos agricultores.”

São quatro páginas de promessas maravilhosas. Talvez alguns leitores, no meio de tantas maravilhas, se pergunte “e quem paga?” No fim do artigo, um solitário parágrafo diz o seguinte:

“Uma estrutura de programas-piloto está em cogitação e pode ser efetuada com uma despesa que talvez não assuste os eleitores. Depois, no caso de um retardamento na economia privada, será posta em funcionamento a máquina por meio da qual poderá ocorrer um grande e rápido dispêndio de fundos.”

À parte a deliciosa ironia do “talvez não assuste os eleitores”, fica bem claro que a resposta para tantos subsídios, verbas e subvenções é a velha e conhecida máquina de imprimir dinheiro, e foi exatamente isso que aconteceu.

Um dos truques preferidos dos políticos é criar programas onde os benefícios aparecem a curto prazo e os malefícios, a longo prazo. Os fãs de político adoram criar narrativas supostamente imparciais onde os períodos analisados são cuidadosamente escolhidos para incluir os dados bons e deixar de fora os dados ruins. A “Grande Sociedade” não é exceção. Em seus dois primeiros anos, 1965 e 1966, os efeitos benéficos da redução de impostos efetuada por Kennedy mantiveram a economia em alta. À medida em que os planos iam sendo implementados, as despesas iam crescendo e o governo se enchia de novos departamentos e novos funcionários, a máquina de fazer dinheiro funcionava cada vez mais para pagar a conta. Não demorou para a inflação começar a dar o ar de sua graça.

Os demais países perceberam que os EUA não estavam mais levando a sério o compromisso de manter o dólar ancorado em ouro, e sabiam as consequências disso. Em 1968, vários países começaram a trocar suas reservas em dólar por reservas em ouro, pelo valor combinado em 1944. Com os programas criados por Johnson gastando dinheiro a todo vapor e a despesa da guerra do Vietnã aumentando, a fabricação de dinheiro aumentava sem parar. Em 1970, as reservas de ouro dos EUA cobriam apenas 22% do total de dólares existentes. Em maio de 1971 a Alemanha abandonou o acordo de Bretton Woods. Em julho, a Suíça solicitou a troca de 50 milhões de dólares por ouro, e a França, 190 milhões. O governo dos EUA percebeu que aquela situação esgotaria as reservas de ouro do país em pouco tempo.

Em agosto de 1971 o presidente Richard Nixon anunciou que os EUA não fariam mais trocas de dólares por ouro, o que significava que o preço do ouro passaria a ser determinado pelo mercado. Adicionalmente, no melhor estilo terceiro mundo, foi anunciado um congelamento de preços (para “conter a inflação”) e um aumento dos impostos de importação (para “proteger a indústria e o comércio nacionais”).

Alguns números para mostrar os resultados: o desemprego saltou de 3,5% em 1969 para 6% em 1971-1972 e atingiu 9% em 1975. O preço do ouro, que permaneceu fixo em $35 durante vinte anos, saltou para $200 em 1975, e ultrapassou os $500 nos anos 80. A taxa de juros, que havia chegado a 1% nos anos 50, pulou para 9% em 1969 e 13% em 1975. O índice de preços que permaneceu abaixo dos 3% até 1965 subiu para 6% em 1970 e 12% em 1975.

E no resto do mundo? Com o dólar transformado em moeda de papel, os demais países se sentiram livres para fazer o mesmo, com a destacada exceção da Suíça. O dinheiro de verdade, aquele que não perde seu valor e é reconhecido no mundo inteiro, virou história. Foi substituído por pedaços de papel colorido que perdem valor dia a dia, e que, a rigor, não valem nada e precisam de uma lei para obrigar as pessoas a usá-los.

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

ESCLARECIMENTO

Em meu pitaco de quinta-feira, eu defendi a liberdade de expressão. Incidentalmente, comentei sobre a ironia de termos hoje no Brasil dois grupos opostos que apoiam a liberdade de expressão mas também apoiam e elogiam governos e governantes que foram ou são contrários a essa liberdade.

Seguiu-se um debate na seção de comentários que deslocou-se da questão da liberdade de expressão para a questão das torturas e mortes que ocorreram durante a ditadura do período 1964-1984. Neste texto eu pretendo colocar de forma clara minha posição e dar por encerrada minha participação no assunto.

Acredito que devem existir princípios éticos que não são negociáveis, e portanto minha opinião a respeito de alguns assuntos é firme. Tortura é um desses assuntos.

Na minha ética, tortura é imoral. Não me importa se é feita pela polícia em nome da lei e da ordem, se é feita pelo governo em nome da segurança nacional ou se é feita pela Santa Inquisição em nome de Deus. Não é assunto a ser debatido. Não existem argumentos, motivos ou circunstâncias que a tornem aceitável. Para mim, é coisa de bandido, de marginal, de covarde, de mau-caráter, de canalha.

Por coerência, quem defende, apóia ou justifica torturas e torturadores é digno, em minha opinião, dos mesmos adjetivos. Mas defendo o direito dessas pessoas de expressarem livremente essa opinião, até mesmo para que todos fiquem cientes desse aspecto de seu caráter.

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

A LONGA HISTÓRIA DA LIBERDADE DE FALAR

Você sabia que já existiu um partido nazista nos Estados Unidos? Sim, existiu. Foi fundado no final dos anos 50 por George L. Rockwell. Em junho de 1960 ele comunicou à prefeitura que pretendia realizar um comício na Union Square, e a prefeitura proibiu o comício. Sabe o que aconteceu? A opinião pública condenou a atitude do prefeito. O New York Times disse que a liberdade de falar não deve ser restringida. A União de Liberdades Civis foi à justiça para defender o direito de Rockwell realizar seu comício, e levou o caso até à Suprema Corte. Estas pessoas concordavam com Rockwell? De forma alguma. Todos o detestavam. O New York Times o chamou “miserável e desprezível fomentador de ódio”, no mesmo texto em que defendeu seu direito de falar. Por quê? Porque entendia que existe uma diferença entre discordar de uma idéia e proibir que essa idéia seja exposta. Indo mais longe, o New York Times e a União de Liberdades Civis sabiam que proibir alguém de falar por ser nazista ou fascista ou comunista ou seja lá o que for é justamente um dos passos que levam a regimes como o nazismo ou o fascismo ou o comunismo.

Um dos primeiros a defender o conceito da liberdade de expressão foi Sócrates, que em 399 a.C. disse “Uma sociedade sem liberdade de expressão é o mesmo que um universo sem sol. Uma vida que não é exposta à discussão não vale a pena ser vivida”. Sócrates, como se sabe, foi condenado à morte pelos governantes de Atenas sob a vaga acusação de “corromper a juventude”.

A existência concreta da liberdade de expressão surgiu na Inglaterra. Enquanto o restante da Europa vivia as trevas da Idade Média, onde todos deviam obediência absoluta e críticas ao rei eram consideradas traições puníveis com tortura e morte, os nobres ingleses obrigaram o rei João a assinar o que hoje é conhecido como Carta Magna, e que deu origem à instituição do Parlamento. Em 1688 o rei William assinou um novo “Bill of Rights” que dizia: “A liberdade de palavra e de debate no Parlamento não deve ser restrita nem discutida.” Foi a primeira vez em que esse direito foi colocado por escrito em uma lei.

As colônias inglesas na América (que viriam a ser os EUA) herdaram esse conceito e o ampliaram. A Carta de Maryland, de 1632, foi a primeira a garantir a liberdade de religião (era comum usar a religião como pretexto para calar alguém). Em 1641 foi aprovado o Conjunto de Liberdades de Massachusetts, que garantia a qualquer um, “habitante ou estrangeiro, livre ou não”, o direito de se manifestar nas reuniões públicas.

As tentações autoritárias sempre existiram. Em 1765 a Câmara da Virgínia votou uma série de resoluções protestando contra aumentos de impostos decretados pela Inglaterra. Um deputado propôs então que se fizesse uma lei declarando que quem defendesse os aumentos de impostos seria considerado inimigo do povo. Foi vaiado.

Com a Independência, as ex-colônias, agora estados, redigiram suas constituições. A da Pensilvânia, em 1776, foi a primeira no mundo a prescrever explicitamente: “todas as pessoas tem direito à liberdade de palavra”. Quando se formou uma convenção para elaborar a Constituição Nacional, a maioria julgou desnecessário incluir nela os direitos fundamentais, já que todas as constituições estaduais já o faziam. Assim, a Constituição federal dos EUA descreve apenas a organização e a estrutura básica do governo. Após terminada, porém, os estados exigiram que uma declaração de direitos fosse incluída, o que foi feito (por James Madison) na forma de emendas. A primeira delas diz “Não será feita nenhuma lei que restrinja a liberdade de expressão”.

Tudo isso aconteceu nos séculos 18 e 19. No século 20, o governo agigantou-se de tal forma que passou a se intrometer em todos os detalhes da vida dos cidadãos, e a liberdade de expressão foi se tornando algo inconveniente. Como falar contra a liberdade de expressão de forma direta seria arriscado, novos métodos foram sendo inventados para fazer as pessoas acharem que a liberdade é algo perigoso ou inconveniente.

Então, ao invés de fazer leis suprimindo a livre expressão, o governo manipula o medo das pessoas para fazê-las se sentirem ameaçadas por discursos contrários às suas crenças. Acrescente uma pitada do gosto instintivo por mandar nos outros, que existe em praticamente todo ser humano, e temos o caminho perfeito para um mundo de proibições:

“Palavras machucam”
“Se uma pessoa discorda de mim ela está me agredindo”
“Se uma pessoa faz qualquer coisa que eu não gosto ela está me agredindo”
“Eu tenho direito de não ser agredido”
“O estado precisa me proteger das agressões calando e suprimindo quem me agride”

Pronto! Magicamente, o que era liberdade virou agressão e deve ser eliminada. O sistema judicial baseado em leis, instituições e princípios como o contraditório, que foi construído a duras penas ao longo de séculos, foi descartado e substituído por um regime de linchamentos sumários, em que basta apontar o dedo e gritar uma palavra de ordem (“racista!”, por exemplo), e em instantes forma-se um pelotão de execução, sem que ninguém se atreva sequer a perguntar por quê, com medo de ser acusado também.

Na presente situação brasileira, o fanatismo político dá ares quase surreais a essa situação. Um grupo, fã de determinado político, fala com horror da situação de algumas décadas atrás, quando uma ditadura censurava a imprensa, impedia a livre expressão e praticava prisões arbitrárias. Esse mesmo grupo está apaixonado pelo regime atual, que censura a imprensa, impede a livre expressão e pratica prisões arbitrárias. Do lado oposto, fãs de outro político estão horrorizados com o regime atual, que censura a imprensa, impede a livre expressão e pratica prisões arbitrárias, e suspiram de saudade daquele regime anterior, que censurava a imprensa, impedia a livre expressão e praticava prisões arbitrárias.

Desculpem-me pelo parágrafo cansativo e pelas repetições, mas a ênfase é necessária para mostrar que estou falando de farinha do mesmo saco, gente que se deixou cegar pela propaganda do governo e adora arbitrariedades, desde que sejam contra “os outros”, ou seja, contra quem pensa diferente deles. Esses grupos são cada vez mais numerosos, porque encontram ambiente favorável. Ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil nunca passou pela fase de reconhecer a importância de direitos fundamentais como a liberdade de expressão. Pulamos o Iluminismo e passamos direto da Idade Média para o mundo da pós-verdade. O governo reduz a liberdade do grupo A sob os aplausos do grupo B, e em seguida cerceia as liberdades do grupo B com o apoio do grupo A. Quando A e B perceberem que estão ficando sem liberdade nenhuma, já será tarde demais.

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

DONA IRMA

Era uma típica cidade do interior, a pracinha com coreto em frente à igreja. No quarteirão ao lado, o pequeno grupo escolar onde reinava dona Irma, professora da turma única onde crianças de várias idades se misturavam para as aulas de português, matemática, história e geografia. Carinhosa mas rígida na disciplina, dona Irma era respeitada por todos – afinal, ela tinha sob seus cuidados a prole da cidade inteira.

Crianças mais espertas ou mais burrinhas eram tratadas com a mesma dedicação. Para cada uma, dona Irma descobria o jeito e o ritmo certos para fazê-las aprender. Para as mais indisciplinadas, restava o recurso de uma visita da professora à casa dos pais. No dia seguinte, a cidade toda sabia que a família do fulano tinha recebido uma visita de dona Irma, e essa vergonha era estímulo suficiente para que os pais encontrassem um jeito de colocar o filho no caminho certo.

Os incorrigíveis eram extremamente raros, mas existiam; foi o caso do Juquinha. As visitas de dona Irma à casa de sua mãe viúva eram frequentes: Juquinha não estudava, não fazia as lições, tumultuava as aulas, perturbava os colegas. A mãe prometia providências, mas nada acontecia.

Um dia, Juquinha resolveu celebrar as festas juninas estourando bombinhas dentro da sala, e por pouco não incendiou a escola inteira. Foi a gota d’água para a professora: na mesma noite, foi à casa de Juquinha pela última vez e comunicou que o menino estava expulso, em nome da segurança dos demais alunos.

A mãe de Juquinha reagiu mal: xingou a professora, acusou-a de perseguição e por fim declarou que iria embora da cidade que rejeitava seu filho. Iria para uma cidade grande, declarou, e trabalharia dia e noite se fosse preciso para que seu filho pudesse frequentar uma boa escola, entrar para uma faculdade e virar doutor. A promessa não era vã: no dia seguinte Juquinha e sua mãe entraram em um ônibus e nunca mais foram vistos na cidade.

***

Trinta anos depois, a pequena cidade estava crescida. Muita coisa estava diferente, mas o grupo escolar continuava no mesmo endereço. Era um prédio novo, com várias salas e turmas. A diretora era dona Irma, que acumulava a função com a de professora, porque não queria deixar de fazer o que mais amava: ensinar.

Dos naturais da cidade, poucos não haviam sido alunos de dona Irma, e por isso a notícia de que ela havia passado mal e sofrido um desmaio durante a aula correu a cidade com a velocidade de um furacão. O médico mais respeitado da cidade, que também era o secretário municipal de saúde, após examinar dona Irma no colégio, foi até a prefeitura e entrou no gabinete do prefeito com cara preocupada:

– Prefeito, examinei dona Irma e receio que o caso seja grave. Não posso fazer muita coisa aqui. Ela precisa ir para um hospital com mais recursos, e quanto antes melhor.

Não foi preciso argumentar mais; em pouco tempo, o prefeito determinava que a única ambulância da cidade levasse dona Irma e o Secretário para o melhor hospital da capital.

No dia seguinte, o secretário ligou para o prefeito com informações. Dona Irma tinha um aneurisma no cérebro, gravíssimo. Era quase um milagre ter sobrevivido à viagem de quase três horas na ambulância. Ela estava sedada e sob vigilância constante. Se o aneurisma rompesse, seria morte imediata. A esperança, completou o médico, é que as imagens dos exames já estavam sendo enviadas, via Internet, aos melhores especialistas de todo o país.

Mais um dia se passou, e o secretário voltou a ligar: quase todos os especialistas consideraram o caso inoperável. Apenas um médico, de São Paulo, se dispôs a tentar, e mesmo assim ressalvando que as chances eram pequenas. Mas o problema era: como levar dona Irma até lá? Os riscos eram enormes.

O prefeito ligou para todos seus amigos e até para alguns inimigos. Fez dezenas de ligações para todos os figurões de Brasília. Acabou conseguindo um avião-UTI que poderia levar dona Irma à São Paulo. As ruas no caminho do hospital ao aeroporto foram bloqueadas pela polícia para que a ambulância fizesse o trajeto com a maior calma e segurança possíveis.

Em São Paulo, dona Irma, ainda inconsciente, foi desembarcada do avião e embarcada em um helicóptero que a levou ao hospital, onde a equipe médica a aguardava já na sala de cirurgia.

***

Apenas dois dias depois os médicos interromperam a sedação e permitiram que dona Irma despertasse. Quando abriu os olhos, sem saber onde estava, a primeira coisa que viu foi um homem de meia-idade, vestido de branco, sorrindo para ela:

– Dona Irma, que bom ver que a senhora está bem. Eu estava aqui esperando que a senhora acordasse.

– Mas onde estou, e quem é você?

– A senhora está em um hospital, dona Irma. A senhora foi operada, mas não se preocupe, tudo correu bem, a cirurgia foi um sucesso, a senhora já está boa. E eu, eu sou o Juquinha, que foi seu aluno, lembra-se de mim?

Lentamente, dona Irma reconheceu seu antigo aluno no rosto sorridente à sua frente. Sim, era Juquinha, o aluno que ela expulsara do colégio. Juquinha era faxineiro do hospital, e quando reconheceu sua ex-professora ao limpar o quarto quis ficar ali até que ela acordasse.

Você não achou que Juquinha tinha se tornado o melhor neurocirurgião do país, achou?

Feliz Primeiro de Abril!

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

AS MESMAS MENTIRAS DE SEMPRE

Qualquer aspirante a ditador sabe que é mais fácil controlar as pessoas quando elas são ignorantes. Para conseguir esse objetivo, praticamente todos os governos se esforçam para controlar duas coisas: a educação e a imprensa. Controlando as duas, fica fácil produzir um povo ignorante, basta acostumá-lo a não pensar e a aceitar sem questionar qualquer coisa que as “autoridades” digam. Entre os vários campos do conhecimento, o mais crucial, aquele que deve ser mantido afastado do entendimento das pessoas, é o conhecimento sobre os princípios básicos da economia.

O JBF publicou no último dia 6 um editorial da Gazeta do Povo (um dos melhores jornais do país atualmente) que mostra bem como a imprensa repete dogmas e trata o governo como algo divino e inquestionável. Entre análises corretas sobre as consequências indesejáveis da inflação, o jornalista declara que ela, a inflação, é “um dos temas mais complexos da ciência econômica”.

Não, caro jornalista. A inflação não é nada complexa. É simples, desde que se use o cérebro para pensar.

Se tentarmos pensar em “inflação” como “todos os preços subindo ao mesmo tempo”, realmente seria algo complexo. O mundo é povoado por milhões de pessoas que interagem entre si, cada uma com seus desejos e gostos, e por milhões de empresas que competem entre si para conquistar a preferência destas pessoas, em um conjunto chamado “mercado”. É impossível achar que o mercado possa ser controlado ou regulamentado por um governo, embora muitos tenham tentado (e falhado). Um fenômeno que afetasse todos os preços dentro dessa enorme rede de informações que é o mercado é mesmo difícil de imaginar.

Mas inflação é muito mais simples que isso. Imagine que você pesou todos os habitantes de uma cidade. Depois de alguns dias, você pesa todos novamente e descobre que todos estão pesando mais. O que é mais provável: que todas as pessoas resolveram engordar ao mesmo tempo ou que a balança tenha se desregulado? Inflação é quando o dinheiro passa a valer menos; como estamos acostumados a usar o dinheiro como medida de valor, achamos que o valor de todas as coisas aumentou quando na verdade foi apenas o valor do dinheiro que diminuiu.

Como e por que o valor do dinheiro diminui? Por causa da mais fundamental lei da economia: oferta e procura. Acontece que o governo concede a si mesmo o poder de fabricar dinheiro, que ele usa para pagar suas contas. Só que quando a quantidade (ou “oferta”) de dinheiro na economia aumenta, o seu valor diminui, como acontece com qualquer bem. Para ser mais exato: se a oferta de dinheiro aumentar no mesmo ritmo do crescimento da economia, não haverá inflação, porque a procura também aumentará, mantendo o equilíbrio. Só que não é isso que os governos constumam fazer: eles gostam de imprimir dinheiro aos montes, e isso causa inflação.

Existe muita gente que afirma que imprimir dinheiro não causa inflação. Todas as explicações, quando existem, só funcionam no modo “aceite sem questionar”; nenhuma resiste a duas ou três perguntas. Existe até gente nas redes sociais que afirma que “não porque não, e pronto”, sem sequer se dar ao trabalho de inventar uma explicação. Enquanto isso, o fato é que na história toda vez que o governo fabricou dinheiro além do que devia houve inflação, e toda vez que houve inflação o governo fabricou dinheiro. É uma relação direta: não se encontram casos de um sem o outro nem do outro sem o um.

Para mostrar melhor como a imprensa do mundo todo fala do assunto, vamos dar uma examinada nas falácias mais comuns, e fazer algumas perguntas “inconvenientes”:

Inflação de demanda: significaria que os preços subiram porque as pessoas passaram a gastar mais, desequilibrando oferta e demanda.

Pergunta: de onde veio o aumento de dinheiro que as pessoas estão gastando? Se elas ganharam mais dinheiro trabalhando, então houve aumento de produção antes do aumento de consumo, o que significa que a oferta começou a crescer antes da demanda, e isso por definição causa redução de preços, não aumento. Aliás, é exatamente assim que funciona uma economia saudável.

A explicação real: o governo imprime dinheiro, esse dinheiro vai para os bancos, os bancos aumentam o crédito, e as pessoas começam a gastar o dinheiro que não têm, fazendo dívidas. A demanda sem dúvida aumenta, mas isso é consequência, não algo que aconteceu do nada. Ou seja, “inflação de demanda” é apenas a consequência daquilo que o governo fez.

A prova: se aumento de consumo baseado em crédito causa “inflação de demanda”, quando o crédito volta a encolher (inevitável), a demanda volta a diminuir e os preços deveriam voltar ao que eram. Mas não é isso que acontece: se o governo reduz a fabricação de dinheiro, o crédito some e costuma haver recessão, mas os preços não diminuem, apenas param de aumentar.

Inflação de custos: significa que a culpa é do tomate, da gasolina ou do remédio, que subiram muito, e fizeram os outros preços subir também.

Pergunta: quando o preço de alguma coisa sobe, o consumo cai, e isso tende a estabilizar o preço. Quando é algo que as pessoas não podem deixar de comprar, como gasolina, a tendência é que o consumo de outras coisas caia, o que faz o preço cair. Assim, se a gasolina sobe, faz sentido dizer que as pessoas vão gastar mais em gasolina e também vão gastar mais em todas as outras coisas, e continuar consumindo na mesma quantidade? Com que dinheiro?

A explicação real: a inflação do tomate ou da gasolina é só uma desculpa do ministro para negar que o responsável pela inflação é ele mesmo. Enquanto o governo está imprimindo dinheiro e fabricando inflação, sempre haverá alguma coisa que pode ser usada para desviar a atenção. Pode ser uma seca ou uma enchente, que causa uma redução na oferta de algum alimento, ou pode ser a própria inflação: o governo faz os preços subirem e depois finge que não sabe porque os preços subiram. É como dizer que o culpado pela febre é o termômetro.

A prova: se fatores externos como chuva ou guerra na Ucrânia fazem todos os preços subirem, porque os preços não voltam a baixar quando estes fatores se normalizam?

Inflação mundial: é a falácia mais recente, diz que a inflação se espalha de um país para o outro, como a covid.

Pergunta: a primeira coisa que sobe quando o governo imprime dinheiro é o câmbio. Isso significa que a moeda dos outros países ficou mais forte e o preço dos produtos para os estrangeiros ficou mais baixo. Como isso pode gerar inflação nos outros países?

Outra pergunta: se a inflação é mundial, porque na Suiça, Singapura e Japão a inflação não subiu? Será mera coincidência que estes países não fabricaram dinheiro, enquanto Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Européia, que imprimiram trilhões de dólares, libras e euros durante a pandemia, estão apavorados com a inflação?

A explicação real: muitos países imprimiram dinheiro como loucos para tentar compensar os prejuízos dos lockdowns, e obviamente só pioraram as coisas. Como a guerra da Ucrânia causou um aumento temporário nos preços do petróleo, os culpados de sempre correram para colocar a culpa no coronavírus e no Putin.

A prova: se o aumento dos preços do petróleo foi a causa da subida de preços no mundo inteiro, porque agora que o petróleo voltou para onde estava antes da guerra os preços não voltaram também?

Quem prestou atenção notou que há muita coisa repetitiva nesta explicação. É assim mesmo, porque toda essa “complexidade” que o jornalista da Gazeta diz existir é apenas lero-lero para esconder uma verdade que é bem simples.