MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

O presidente Donald Trump está metendo os pés pelas mãos na questão das tarifas, e isso é uma pena, porque pode acabar compromentendo as boas idéias que ele anunciou em outras áreas. Por exemplo, sua promessa de acabar com o Departamento de Educação, que é o ministério deles.

Aqui no Brasil, onde é costume achar que até o sol e a chuva só existem pela vontade do governo, uma idéia dessas parece absurda. Mas para entender do que se trata, é preciso lembrar um pouco como tudo começou.

Os Estados Unidos têm esse nome porque era exatamente isso que eles se propunham a ser: não um “país” no sentido usual da palavra, mas um “conjunto de estados livres e independentes”, “unidos” entre si em uma confederação. Após a independência, eles nem tiveram muita pressa em elaborar uma constituição, e alguns até achavam que seria desnecessário, porque cada estado já estava elaborando a sua. Só dez anos após a independência é que foi formado um comitê para elaborar uma constituição federal, que entrou oficialmente em vigor em março de 1789. Mas mesmo com a constituição, a idéia de uma confederação de estados soberanos persistia: a independência de cada estado era muito maior do que é hoje, com o governo federal sendo responsável basicamente pelas forças armadas e relações diplomáticas com outros países. Na época, o único imposto federal era o cobrado sobre importações, e cada estado tinha autonomia para definir seu próprio sistema tributário.

As intenções dos constituintes, gente como Thomas Jefferson, James Madison e Benjamin Franklin, eram as melhores. Eles sabiam que o governo deve ser pequeno e próximo do povo, e fizeram de tudo para mantê-lo assim. Não conseguiram. O governo federal começou a crescer e se intrometer na vida dos estados, privilegiando alguns em prejuízo de outros. A coisa acabou com sete estados decidindo se retirar da união, e o governo federal (representado pelo presidente Lincoln) iniciando uma guerra para impedi-los, em uma afronta ao espírito da confederação: se os estados aderiram à União voluntariamente, também poderiam retirar-se dela voluntariamente, e isso foi até explicitamente dito por três dos estados ao ratificarem a constituição.

Como todos sabem, o lado do presidente Lincoln venceu a guerra, impediu os estados do sul de criar uma nova confederação, enterrou o conceito “todo poder emana do povo” e transformou os Estados Unidos em mais um país como todos os outros haviam sido: um lugar onde o governo manda e o povo obedece. De passagem, a guerra serviu de pretexto para a criação do imposto de renda, que foi demagogicamente (ou seria melhor dizer cinicamente?) previsto para durar cinco anos com uma taxa máxima de 5%.

Depois que Lincoln “abriu a porteira”, o governo federal não parou mais de crescer. Como a constituição continuava dando autonomia para os estados, o governo adotou a tática do suborno: criava novos impostos federais, e usava o dinheiro para instituir “programas” onde esse dinheiro era usado para ajudar os estados, exigindo em troca que os estados concordassem com as políticas do governo central.

Um exemplo: segundo a constituição, quem constrói as estradas são os estados. Mas em 1916 um deputado propôs uma lei criando um fundo federal para construção de estradas, que foi aprovado com festa pelo então presidente Woodrow Wilson. Outro fundo foi criado em 1921. E em 1956 o presidente Eisenhower criou o Sistema de Rodovias Interestaduais, com uma verba que equivale hoje a mais de 200 bilhões de dólares. Os governadores gostaram da idéia de não precisar gastar seu dinheiro com a construção de estradas, deixando a despesa para Washington (a cidade, não o presidente). Mais tarde, nos anos 1970, quando o governo federal iniciou a famosa “guerra às drogas”, os estados que discordaram foram ameaçados com a suspensão das verbas federais para o setor rodoviário.

Mas vamos falar da educação: embora seja natural pensar que um ministério da educação sempre existiu, na verdade ele só foi criado em 1979, durante o governo Jimmy Carter. E seu método de ação seguiu a mesma receita: tirar dinheiro dos estados através de novos impostos federais e exigir a submissão dos estados em troca de devolver o dinheiro sob a forma de “verbas federais”.

A principal preocupação do departamento federal de educação, como sempre acontece, foi dar a impressão de que ele é necessário e indispensável, e sob esse pretexto aumentar de tamanho continuamente. Como se diz no popular, “criar dificuldades para vender facilidades”. Ou, no caso, criar problemas para criar novos departamentos que prometem resolver os problemas.

Talvez a parte mais escandalosa da atuação do departamento de educação em seus 45 anos de existência tenha sido a implantação de políticas raciais: O Distrito de Columbia definiu uma meta de aprovação nos testes de leitura de 94% para alunos brancos e de 71% para alunos negros. No Tennessee, a meta de aprovação nos cursos de Inglês III foi de 65,4% para estudantes brancos e de 47,6% para estudantes negros. Em Minnesota, a meta de proficiência em matemática do 11º ano foi definida em 82% para alunos brancos, 66% para alunos hispânicos e 62% para alunos negros. No Alabama, a meta era que 92% dos alunos brancos e 79% dos alunos negros do terceiro ano passassem em matemática. Tudo isso, claro, seguindo as diretrizes criadas pelo governo federal.

Claro que esse duplo padrão criou problemas, e o departamento de educação reagia aos problemas criando novos “programas”, novas “metas” e novas burocracias que eram enfiadas goela abaixo dos departamentos estaduais. Como resultado, o nível escolar do país caiu a níveis nunca antes vistos, o que resultou na desindustrialização que agora Trump quer resolver com tarifas de importação. A atual Secretária de Educação foi nomeada por Trump com a missão de extinguir o departamento e devolver o poder aos estados. Não se sabe se irá conseguir.

O caso do ensino nos EUA seria um excelente exemplo para nós e para qualquer país que esteja disposto a aprender com a história e com os fatos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *