DEU NO JORNAL

MAURINO JÚNIOR - SEM CRÔNICAS

DA TEORIA DOS CHATOS… UMA CRÔNICA DA CHATICE…

Sempre procurei me inspirar nos maiores nomes da Crônica Nacional, a saber, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Arnaldo Jabor… Claro que não tenho a pretensão de pertencer a esta ilustre plêiade, mas, foi lendo essas ilustres pérolas da crônica brasileira, que me levou a escrever essa crônica acerca da chatice humana…

Não sei se vocês sabem, mas, existe algo pior do que aqueles sujeitos maçantes e indesejáveis, que lamentavelmente convivem conosco? Pois bem!

Paradoxalmente, a mais importante máxima a respeito deles se limita a afirmar: “Os chatos são necessários”.

Entendo que a humanidade não pode passar sem os chatos. Ruim com eles, pior sem eles. E o que é ainda mais grave: vivemos, neste século, um tempo da “nostalgia do chato”.

Em outras palavras: não existem chatos o suficiente para, com sua contra-energia de chatice, ajudar o mundo a se mover.

Por isso, prego, sem pudor algum: “O mundo sem os chatos seria insuportável”.

“O chato, para mim, é o verdadeiro psiquiatra, isto é, o único sujeito realmente capaz de nos curar de nossas dores”. E ainda posso justificar: “A gente faz verdadeiras curas com um chato. Depois de conversar com um chato, não existe mais problema nenhum. Então, nada como conversar com um bom chato para acharmos o mundo um verdadeiro paraíso”.

Pego então essa Teoria dos Chatos, e desenho, a partir dela, ao longo dessa vida, a minha própria tipologia, ou seja, uma espécie de Teoria dos Tipos Psicológicos da Chatice, catálogo geral que cadastra os sujeitos mais maçantes que possa vir a encontrar no decorrer da essencialização da existência humana e que estará sempre por terminar. Enfim, essas bossas…

Basta pensar, por exemplo, no Chato-Depois, que é aquele sujeito que, a princípio, parece muito simpático, mas que no dia seguinte se torna insuportável; o Chato-que-Faz-Calor, que é aquele cara que fala compulsivamente, sem saber que a compulsão provoca calor e faz o ouvinte suar… Isso é simplesmente genial!

Outros, queiram perdoar-me o detalhe, mas são tirados dos clichês, dos lugares-comuns, de forma despudorada, e que servem apenas para compor um arsenal organizado de defesa contra a chatice, a saber, o Chato-de-Ouvido, que é o sujeito que fala bem de perto, pegando o teu cotovelo; o Chato-de-Joelho, isto é, o que fala segurando o teu joelho e que é normalmente encontrado nos templos sagrados da ociosidade etílica, ou seja, nos bares; o Chato-de-Retina, que é aquele que fala grudado na tua retina e não te larga e que são tipos, na verdade, sem expressividade… Há mais deles:

Um sujeito que para falar com você, te pega pelo paletó, um outro camarada que entra pelos fundos e toma o elevador de serviço para dar um ar de grande intimidade, um outro que o abraça muito quando você está com a roupa branca passadinha, vinda do tintureiro…

Os chatos, também é bom lembrar, são mestres nos clichês de época, que vêem a chatice como a explicação para todas as coisas, lugar-comum que, é bom lembrar, inferniza a vida de muita gente, além é claro de beirar a nonsense. Querem um exemplo disso?

Basta saber do sujeito que foi entrevistado por Vinícius de Moraes e, quando o Vinícius pergunta sobre o que ele achava da bomba atômica, ele diz sem o menor senso de pudor:

– “Elas vão melhorar muito as festas de São João. Vão fazer uma porção de bombinhas atômicas de São João para as criancinhas.”

Quando o Vinícius lhe pede que dê sua interpretação de Jânio Quadros, é taxativo:

– “Para mim, o culpado disso tudo foi o Oswald de Andrade.”

Quando, por fim, Vinícius lhe pergunta:

– “Quem é Rui Barbosa?”, responde com toda tranqüilidade, possivelmente a resposta mais chata e absurda:

– “Você já viu alguém mais burro que o Rui Barbosa?”

Não me peçam mais sofisticação e mais ousadia à essa Teoria Geral dos Chatos.

O que é que vocês queriam? Que uma teoria dos chatos não fosse chata? Dessa forma, me livro dos Chatos-Mesmo – que são aqueles que, envaidecidos com os próprios argumentos, não podem admitir a própria chatice.

Não basta?

BERNARDO - AS ÚLTIMAS NOTÍCIAS

DEU NO JORNAL

A ONU E O PALANQUE DE LULA

Francisco Razzo

Lula falou na ONU, em Nova York. Depois de abrir a Assembleia Geral, participou também de uma reunião paralela, batizada de “Em defesa da democracia, combatendo extremismos”. A ocasião, mais simbólica que diplomática, serviu de palanque para um discurso previsível: a democracia apresentada como patrimônio da esquerda, e toda oposição reduzida ao rótulo conveniente de “extrema direita”.

Esse é o truque mais antigo da retórica partidária: revestir-se da palavra “democracia” como se fosse um dom exclusivo. Em uma aparente autocrítica, Lula pergunta onde “os democratas erraram”, mas logo identifica os tais democratas com a própria militância progressista. Conservadores, liberais, moderados? Não existem. São todos absorvidos na caricatura da extrema direita, convertidos em inimigos de um regime que, paradoxalmente, também os inclui.

Democracia não é monopólio ideológico – exceto se você já tem algum tipo de apego emocional a Lula. Democracia é cultura. Cultura de convivência, de aceitação da existência do adversário, da administração de ódios públicos, de reconhecimento do outro como legítimo, mesmo se for uma pessoa desagradável. Democracia não se resume a regras formais de voto e separação de poderes; ela se entranha nos costumes, nas práticas, na disposição pública de administrar ódios e consensos.

No primeiro erro, quando Lula insiste que “sem organização popular a democracia perde”, ele comete um deslize conceitual grave. Mobilização popular é importante, porém não é sinônimo de democracia. Um país pode ter multidões nas ruas e mesmo assim escorregar para o autoritarismo, se não houver freios institucionais e cultura cívica. O que garante a saúde democrática não é a intensidade da militância. É, para ser generoso com os termos, o temperamento público. A capacidade de transformar divergências em conflito administrável, e não em guerra civil permanente. Lula não inventou a lógica do amigo-inimigo, mas é um dos seus principais gerentes.

É curioso observar como a autocrítica presidencial também funciona como expediente de liderança. Lula se pergunta onde a esquerda errou. A partir daí, formula a questão de modo a reforçar a sua própria centralidade. É o clássico gesto da contrição performática: reconhece falhas ao mesmo tempo em que reafirma que só ele e sua facção ideológica podem conduzir a reparação. A esquerda teria sido negligente, a extrema direita cresceu, e cabe ao ex-líder sindical reorganizar a militância.

Esse movimento tem efeitos corrosivos. Ao sequestrar a palavra “democracia” para uma agenda ideológica específica, Lula esvazia a própria noção de espaço comum. A democracia cultural, aquela que se expressa no respeito mútuo entre grupos divergentes, é substituída por uma versão plebiscitária demarcada por uma única concepção de mundo: quem está com a esquerda é “democrata”; quem discorda é “extremista”.

A direita democrática – e ela existe, com suas correntes liberais, conservadoras ou cristãs – fica encurralada entre duas acusações: ou se dissolve na narrativa de extrema direita, ou se adapta ao léxico progressista para não ser expurgada do debate. O discurso de Lula só tem um objetivo: um plano político para destruir tudo o que não seja esquerda.

Há ainda outro aspecto que merece atenção. Lula fala em democracia como o movimento de “organização para o bairro, para o local de estudo, para o trabalho”. O vocabulário revela uma concepção em que o Estado, sob o comando de um partido, se confunde com a sociedade civil. Em vez de promover instituições justas que atendam a todos, o Estado, sob o comando da esquerda, se apresenta como o motor da organização popular. Não se trata do conceito cívico-republicano de participação, em que a sociedade se fortalece de forma autônoma e plural. A fronteira entre Estado, partido e sociedade se torna nebulosa. O risco é a criação de um paraestado militante, em que a cidadania se mede pela adesão à narrativa oficial.

Esse tipo de discurso é eficaz para animar plateias já ideologicamente comprometidas. Por outro lado, é pobre como diagnóstico político. O crescimento da direita no mundo não se explica apenas pela “incompetência” da esquerda. Há causas sociais, econômicas e culturais que exigem exame: insegurança, estagnação, corrupção, mudança de valores. Reduzir tudo à virtude deles ou à falha da esquerda é simplificar para aterrorizar, criar um clima de crise e, por fim, oferecer um salvador: o líder carismático. Ou seja, o próprio Lula.

PENINHA - DICA MUSICAL