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A DEMOCRACIA DO PITI

Marcel van Hattem

Flávio Dino

Ministro saiu em defesa do STF por críticas às decisões da Corte, em referência à crise com o Congresso por conta das emendas

Ah, se não tivéssemos liberdade de expressão no Brasil… seria impossível descortinar as estultices que pensam nossos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)! A discussão que se abriu na corte máxima brasileira sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet revelou que, de liberdade de expressão, na verdade, os togados do STF sabem muito pouco – mas opinam muito. Liberdade de expressão absoluta virou até mesmo sinônimo de jogar um indivíduo de cima de uma ponte para ministros do STF; é equivalente inclusive a violência doméstica. Só que não.

A sessão plenária ocorrida na última quarta-feira (11) tratou ainda de um debate que não dizia respeito à liberdade nas redes. Como Suas Excelências do STF, porém, usam para si a liberdade de expressão ilimitada que querem negar aos reles mortais brasileiros, enveredaram na seara da imunidade parlamentar: seria ela absoluta ou não?

Segundo o ministro Luiz Fux, que abriu a indigesta cantilena autoritária, a imunidade constitucional já estaria sendo “dosada” pelas turmas da corte em seus julgados. “Vamos colorir com uma ética melhor os discursos dos parlamentares, que estão usando a imunidade parlamentar para qualquer coisa.” A fala não é apenas uma agressão a um princípio constitucional e democrático universal, que garante independência a legisladores há mais de três séculos no mundo. É também uma manifestação de autoritarismo inconteste: o ministro julga que ele – ou eles, ao usar a palavra “vamos” – tem o direito de definir como devem ser as palavras proferidas por membros de outro poder ao sugerir “colorir” os discursos de parlamentares.

O ministro Gilmar Mendes decidiu dar o seu pitaco na discussão, lembrando que são os conselhos de ética dos próprios parlamentos que devem se manifestar para deliberar se de fato houve eventuais exageros ou excessos nas falas de parlamentares – no que está correto. Porém, desdiz-se em seguida ao justificar a abertura do inquérito instaurado contra parlamentares pela Polícia Federal por manifestações feitas na tribuna denunciando membros da corporação. Aproveitou para opinar que, no caso concreto, “a instituição Polícia Federal” estaria sendo “vilipendiada”. Mais um absurdo: então qualquer denúncia parlamentar feita a condutas que considera criminosas a um funcionário público seria equivalente a uma agressão institucional?

Muito antes pelo contrário! A função parlamentar de fiscalização exige, justamente, do congressista a capacidade de ajudar a depurar as instituições públicas de eventuais condutas praticadas por membros ou funcionários seus e que forem consideradas criminosas. Omitir-se em fazê-lo é que equivale a vilipendiar o mandato popular que lhe foi conferido pelo voto. E é exatamente para que o parlamentar possa se pronunciar e agir sem medo de qualquer retaliação que a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos é constitucionalmente garantida.

Para concluir a semana – apesar de ainda ser sexta-feira –, o ministro Flávio Dino largou outra pérola. “Como é que um Poder fica dando escândalo toda vez que o outro decide?”, questionou em virtude da crise constitucional com o Congresso aberta por decisão monocrática dele próprio, avançando sobre as emendas parlamentares. “Já tinha visto democracia social, democracia liberal, mas democracia do piti nunca tinha visto”, ironizou o ministro, utilizando um termo que cabe muito mais ao próprio Supremo, cujos ministros são adeptos de chiliques televisionados quando contrariados e são personagens principais de barracos públicos nas ruas ou em aeroportos, no Brasil e até mesmo no estrangeiro.

E assim se comportam os representantes máximos do regime que ora se implanta no Brasil: além da jabuticaba, a “democracia do piti” vai avançando de acordo com a opinião de quem fala mais alto, não com mais propriedade. Vai se consolidando um sistema que garante liberdade de expressão absoluta para a casta que governa manifestar seus despautérios, seus devaneios, seus delírios autoritários – inclusive o de que pode e deve censurar mais de duzentos milhões de brasileiros pelo bem da própria “democracia”. A democracia do piti. Do piti de quem manda, de quem pode, ainda que não tenha juízo e promova injustiça.

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

SCHIRLEY – CURITIBA

Vale a leitura dessa crônica:

Recebi esta crônica com a seguinte mensagem: “Escolha seu tipo de asilo”.

Algo assim só poderia ter vindo do fubânico Di Domizio (um italiano arretado).

Transfiro a escolha a ser feita para cada um dos “jovens” fubânicos e dedico-a especialmente para Sancho (não vi nenhum asilo que se possa escolher onde existam ruivas, hehe).

* * *

Clarice Lispector, em Todas as crônicas

No gênero asilo de velhos, o que existe ainda não serve para a maioria das pessoas. Por enquanto, ao que sei, a escolha se limita a uma alternativa: ou o asilo de favor, mendicância e caridade, ou, segundo me dizem, o de luxo, bem pago. Mas onde caberá o velho pequeno-burguês? Ser velho é ficar com dois ou três hábitos, depuração de uma vida inteira, e não vejo muito como uma pessoa que se fez e foi feita de um jeito vá de súbito espaventar-se com coisa nova. Achar-se, por exemplo, entre os velhinhos que foram os grandes aventureiros das ruas e cujas histórias naturais inquietam o velhinho acomodado que agora só quer da vida mastigar o que é seu: na hora de ser velho não é mais hora de se receber lição de coisas, já é tarde para outras verdades. E é o que aconteceria com o velho pequeno-burguês se entrasse no asilo de pobres.

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