A solidão que uniu o vento e a saudade
No quarto do terceiro pavimento a solidão está conosco. Como se vivêssemos uma lua de mel. Os lençóis brancos, ainda úmidos, exalam o cheiro amoníaco do gozo, enquanto o vento, absoluto, invade a nossa intimidade pelas janelas abertas, como se fizesse sexo com as cortinas, num revolto desvario procurando alguém. Continuamos sós.
O chuveiro. E, de repente, estamos acompanhados do intruso silêncio que nos absorve e flagra, numa invencível luta contra a solidão.
Ninguém é vencedor.
Ninguém é dono de nós, embora nos façam companhia, continuamos sós. Nós, a solidão e o vento sorrateiro numa invasão intempestiva pelas janelas abertas depois da luta contra as cortinas.
Desnudos, caminhamos em direção ao espelho.
É mais um acompanhante que nos perturba, na insistência de nos mostrar que continuamos sós. Nós, a solidão, o vento, e agora, o espelho.
Nos olhamos e nos vemos. Nos observamos e nos analisamos da cabeça aos pés. Ninguém ao nosso redor além da solidão, do vento e do espelho.
Pusemos nossas roupas e saímos acompanhados da solidão, do vento e sentimos que o espelho já não nos acompanha. Nos sentimos cada vez mais sós, e menos acompanhados. Pensamos no nada, porque descobrimos na solidão, que é difícil encontra-lo.
E para que queremos o nada, se não podemos vê-lo, apalpá-lo e contar com ele para alguma coisa?
É melhor continuarmos sós, mesmo que estejamos acompanhados da solidão e do vento que, tresloucado, está indo embora e fazendo a curva em algum lugar. Num lugar tão distante que, certamente, nem a solidão chegaria lá, ainda que corresse numa velocidade de anos luz.
E segundo o escritor Bach, “distante é um lugar que não existe”!
Descemos do quarto e nos procuramos. E a solidão, na tentativa de ajudar, lembra que estamos sós, embora estejamos com ela, pois o vento foi embora e até já fez a curva. Agora, somos apenas nós três mais uma vez: eu, tu e a solidão.
Resolvemos caminhar e decidimos que apenas nós dois nos bastamos. Na caminhada, uma cadeira vazia, e de lá, percebemos de onde saíra a solidão. A cadeira, por anos esperou a solidão. Agora acompanhada, a cadeira vazia agradece, e em troca nos oferece o pôr do sol como nova companhia.
Caminhamos na direção do poente, andando rápido em contraponto com o vento, que foi fazer a curva bem distante, num lugar que, agora, existe.
O sol se põe, e mais uma vez nos deixa sós. E nós já não temos mais a companhia da solidão, que resolveu sentar na cadeira da estrada onde ninguém passa, nunca. Só eu, tu, e a solidão.