PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

A MINHA AMADA – Bocage

Se tu visses, Josino, a minha amada,
Havias de louvar o meu bom gosto;
Pois seu nevado, rubicundo rosto,
Às mais formosas não inveja nada:

Na sua boca Vênus faz morada:
Nos olhos Cupido as setas posto;
Nas mamas faz Lascívia o seu encosto,
Nela enfim tudo encanta, tudo agrada:

Se a Ásia visse coisa tão bonita
Talvez lhe levantasse algum pagode
A gente, que na foda se exercita!

Beleza mais completa haver não pode:
Pois mesmo o cono seu, quando palpita,
Parece estar dizendo: “Fode, fode!”

Manuel Maria de Barbosa l’Hedois du Bocage,Setúbal, Portugal (1765-1805)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

FRUTO PROIBIDO – Adelino Fontoura

Escravo dessa angélica meiguice
por uma lei fatal, como um castigo,
não abrigara tanta dor comigo,
se este afeto que sinto não sentisse.

Que te não doa, entanto, isto que digo
nem as magoadas falas que te disse.
Não tas dissera nunca, se não visse
que por dizê-las minha dor mitigo

Longe de ti, sereno e resoluto,
irei morrer, misérrimo, esquecido,
mas hei de amar-te sempre, anjo impoluto.

És para mim o fruto proibido:
não pousarei meus lábios nesse fruto;
mas morrerei sem nunca ter vivido.

Adelino Fontoura Chaves, Axixá-MA, (1859-1884)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

CELESTE – Adelino Fontoura

É tão divina a angélica aparência,
e a graça que ilumina o rosto dela,
que eu concebera o tipo da inocência
nessa criança imaculada e bela.

Peregrina no céu, pálida estrela
exilada da etérea transparência,
sua origem não pode ser aquela
da nossa triste e mísera existência.

Tem a celeste e ingênua formosura
e a luminosa auréola sacrossanta
de uma visão do céu, cândida e pura.

E, quando os olhos para o céu levanta,
inundados de mística doçura,
nem parece mulher – parece santa.

Adelino Fontoura Chaves, Axixá-MA, (1859-1884)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

VELA BRANCA – Adelmar Tavares

Vela branca, vela branca,
que vais lá longe… no mar…
quem me dera, vela branca,
que me quisesses levar
para tão longe… tão longe,
que eu não pudesse voltar…
Mas uma vez, vela branca,
que não me queres levar,
para tão longe… tão longe…
que eu não pudesse voltar,
leva-me a saudade dela
para o mais fundo do mar.

Adelmar Tavares da Silva Cavalcanti, Recife-PE, (1888-1963)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

PORTO CELESTE – Afonso Celso

Andei em longas excursões distantes:
Vi palácios, sacrários, monumentos,
Focos da indústria, artísticos portentos…
Praças soberbas, capitais gigantes.

Mas lia, em toda a parte, nos semblantes,
Dores… lutas… idênticos tormentos…
– Onde a pátria dos risos?!… Desalentos
Colhi apenas, mais cruéis que dantes.

Achei, enfim, num pequenino porto,
Crenças, consolações, calma, conforto,
Tudo que anima, enleva e maravilha:

Ninho de encantos que a inocência habita
Promontório do céu, plaga bendita.
É junto ao berço teu, ó minha filha.

Afonso Celso | Academia Brasileira de Letras

Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior, Ouro Preto-MG (1860-1938)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

SONETOS AOS PÉS DE DEUS I – Afonso Félix de Souza

Eu bato, eu bato, eu bato à tua porta,
bato sem ver que a porta está aberta.
Sem ver-te, sei, tua presença é certa,
e tento orar, mas minha voz é torta.

A luz que vem de ti em dois me corta,,
e do que fui e sou outro desperta.
Não posso, assim, a ti dar-me em oferta,
pois já nem sei que ser meu ser comporta.

Tudo o que busco dás, dás de sobejo,
pois sabes mais do que eu o que desejo,
e estás comigo e em mim, sempre a meu lado.

Comigo estás na paz e nas pelejas.
Por tudo o que me dás louvado sejas,
por tudo o que não dás sejas louvado.

Afonso Félix de Sousa, Jaraguá-GO (1925-2002)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

A CAROLINA – Machado de Assis

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Joaquim Maria Machado de Assis, Rio de Janeiro-RJ (1839-1908)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

VAIDADE – Jenário de Fátima

Quanta gente, que se acha tão bonita.
Como apenas, só a beleza contasse,
E nunca expõe aquele monstro que habita
E se esconde, sob sua bela face.

Quanta gente, em quase nada acredita
Passa a vida, como só a incomodasse
A ausência de um espelho que reflita
O seu rosto, em qualquer lugar que passe.

Quanta gente, ao cuidar só da beleza.
Se esquece que no âmago se revela
Uma parte, onde a humana natureza

Leva a Deus, que vê tudo do seu jeito.
Pois da carne, inda que seja a mais bela.
Só os vermes tirar-lhe-ão algum proveito.

Jenário de Fátima, Brasília-DF (1955)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

HINO À RAZÃO – Antero de Quental

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre os clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

Antero Tarquínio de Quental, Ponta Delgada, Portugal (1842-1891)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

SONETO DO VELHO ESCANDALOSO – Bocage

Tu, oh demente velho descarado,
Escândalo do sexo masculino,
Que por alta justiça do Destino
Tens o impotente membro decepado:

Tu, que, em torpe furor incendiado
Sofres d’ímpia paixão ardor maligno,
E a consorte gentil, de que és indigno,
Entregas a infrutífero castrado:

Tu, que tendo bebido o ménstruo imundo,
Esse amor indiscreto te não gasta
D’ímpia mulher o orgulho furibundo;

Em castigo do vício, que te arrasta,
Saiba a ínclita Lísia, e todo o mundo
Que és vil por gênio, que és cabrão, e basta.

Manuel Maria Barbosa du Bocage, Setubal, Portugal (1765-1805)