PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

TRANSFORMAÇÃO – Diniz Vitorino

Se o momento é cabível para o gozo,
Frui as glórias que a vida te oferece.
Pois nem sempre o teu sol será brilhoso
E o fulgor do teu céu desaparece.

Jamais penses que o rio que hoje cresce
Cristalino, abundante e caudaloso,
Seja eterno, não seca, permanece
Perenal, romanesco, impetuoso.

Que aproveites o cheiro fascinante,
Que se evola da pluma aconchegante
Do lençol de cristal da tua aurora.

Se esmagares nos pés teus madrigais,
Com certeza amanhã tu não terás
O que tanto tens hoje e jogas fora.

Diniz Vitorino Ferreira, Monteiro, PB (1940-2010)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

DUAS ALMAS – Alceu Wamosy

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
Entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
Vives sozinha sempre, e nunca foste amada…

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
E a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
Se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
Podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua…
Hás de levar contigo uma saudade minha…

Alceu de Freitas Wamosy, Uruguaiana-RS (1895-1923)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

UM BEIJO – Olavo Bilac

Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior…Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-te o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto…

Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, Rio de Janeiro-RJ, (1865-1918)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

FIO PARTIDO – Auta de Souza

Fugir à mágoa terrena
E ao sonho, que faz sofrer,
Deixar o mundo sem pena
Será morrer?

Fugir neste anseio infindo
À treva do anoitecer,
Buscar a aurora sorrindo
Será morrer?

E ao grito que a dor arranca
E o coração faz tremer,
Voar uma pomba branca
Será morrer?

II

Lá vai a pomba voando
Livre, através dos espaços…
Sacode as asas cantando:
“Quebrei meus laços!”

Aqui na amplidão liberta,
Quem pode deter-me os passos?
Deixei a prisão deserta,
Quebrei meus laços!

Jesus, este vôo infindo
Há de amparar-me nos braços
Enquanto eu direi sorrindo:
Quebrei meus laços!

Auta de Souza, Macaíba-RN (1876-1901)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

ISMÁLIA – Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Afonso Henrique da Costa Guimarães, Ouro Preto-MG (1870-1921)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

SOLITÁRIO – Augusto dos Anjos

Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta…
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
– Velho caixão a carregar destroços –

Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, Cruz do Espírito Santo-PB (1884-1914)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

SE VOLTARES – Rogaciano Bezerra Leite

Como sândalo humilde que perfuma
O ferro do machado que lhe corta,
Eu hei de ter minha alma sempre morta
Mas não me vingarei de coisa alguma.

Se voltares um dia à minha porta,
Tangida pela fome e pela bruma,
Em vez da ingratidão, que desconforta,
Terás um leito sobre um chão de pluma.

E em troca dos desgostos que me deste,
Mais carinho terás do que tiveste,
E os meus beijos serão multiplicados.

Para os que voltam pelo amor vencidos,
A vingança maior dos ofendidos
É saber abraçar os humilhados.

Almanaque de História: Quem é Rogaciano Leite.

Rogaciano Bezerra Leite, São José do Egito-PE, (1920-1969)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

DOIS GRANDES DESTINOS – Rogaciano Leite

Ontem, dois grandes destinos
Dois sonhos divinos
Dois alegres ideais
Hoje, dois olhos tristonhos
Duas mortalhas de sonhos
Desilusões, nada mais

Ontem nos nossos passeios
Havia música e enleios
Perfumes, flores e canção
Hoje pela nossa estrada
Resta uma sombra enlutada
Folhas secas, solidão

Ontem a lua furtiva
Testemunha festiva
Nós dois conversando a sós
Hoje, triste e pesarosa
Se escondeu, fugiu de nós

Ontem nossas mãos unidas
Apertavam nossas vidas
Na febre do nosso amor
Hoje distantes e vazias
Apertam nas noites frias
Um nome, um verso e uma flor

Ontem, dois grandes destinos
Dois sonhos divinos
Dois alegres ideais
Hoje, dois olhos tristonhos
Duas mortalhas de sonhos
Desilusões, nada mais .

Almanaque de História: Quem é Rogaciano Leite.

Rogaciano Bezerra Leite, São José do Egito-PE, (1920-1969)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

ERROS MEUS – Camões

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa (a) que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! Que tanto pudesse que fartasse
Este meu duro Gênio de vinganças!

Luís Vaz de Camões, Portugal, (1524-1580)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

OS PODERES INFERNAIS – Carlos Drummond de Andrade

O meu amor faísca na medula,
pois que na superfície ele anoitece.
Abre na escuridão sua quermesse.
É todo fome, e eis que repele a gula.

Sua escama de fel nunca se anula
e seu rangido nada tem de prece.
Uma aranha invisível é que o tece.
O meu amor, paralisado, pula.

Pulula, ulula. Salve, lobo triste!
Quando eu secar, ele estará vivendo,
já não vive de mim, nele é que existe

o que sou, o que sobro, esmigalhado.
O meu amor é tudo que, morrendo,
não morre todo, e fica no ar, parado.

Carlos Drummond de Andrade, Itabira-MG, (1902-1987)