ALEXANDRE GARCIA

OS PROCESSOS CONTRA JOSÉ DIRCEU ESTÃO ANULADOS

José Dirceu

Ex-ministro José Dirceu tem os direitos políticos garantidos após anulação de condenações

A grande notícia é o ex-ministro José Dirceu livre. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes livrou José Dirceu um dia depois do anúncio de que o petista receberia o título de doutor honoris causa de uma universidade no Rio de Janeiro. Dirceu, que já disse que “sempre confiou na Justiça”, deve estar festejando tudo isso.

Gilmar Mendes contrariou o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR). O ministro enquadrou José Dirceu na mesma situação que beneficiou Lula, de suspeição do juiz Sergio Moro. Mas a PGR não concorda com essa tese; diz que não é o mesmo caso, que na Lava Jato José Dirceu não era corréu com Lula, e por isso não era a mesma situação, não cabe esse enquadramento, e vão recorrer. Lembro que foi uma decisão única, monocrática, singular, de um membro do STF. A condenação passou por juízes, desembargadores, recursos, e aí um ministro do Supremo derruba tudo.

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Vontade de um único ministro também derruba regra sobre aposentadoria de policiais

Aconteceu a mesma coisa com uma lei aprovada pela maioria do Congresso e que teve um artigo suspenso por um único ministro do Supremo, Flávio Dino. É um trecho que que equipara policiais – homens e mulheres – na aposentadoria. A ação direta de inconstitucionalidade foi proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol). Dino diz que, enquanto o Congresso não corrigir a lei, ela fica suspensa por ser inconstitucional, pois em toda parte a aposentadoria de homens e de mulheres é diferente.

Mas é inconstitucional? O caput do artigo 5.º da Constituição, que é cláusula pétrea, diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Qual é a distinção entre as pessoas? É o sexo da pessoa? A cor da pele? A importância na sociedade? O tamanho da renda? Se é mais feio, mais bonito, mais magro ou mais gordo? Se é bem ou mal vestido? Diz a Constituição que, perante a lei, todos são iguais.

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Uns têm processo arquivado apesar de delação, outros nem precisam de prova para serem condenados

Um outro ministro do STF, Edson Fachin, também sozinho, arquivou um inquérito contra os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Eduardo Braga (MDB-AM). Estava junto com eles o Romero Jucá, mas, como ele não é mais senador, o caso dele ficou na primeira instância da Justiça Federal em Brasília. É um escândalo de propina da farmacêutica Hipermarcas, cujo diretor, Nelson Mello, em delação premiada, disse ter repassado dinheiro para eles. A PGR pediu o arquivamento dizendo não haver evidências de que eles foram o destino final do dinheiro.

Interessante tudo isso, não? Uns ficam na primeira instância, mas os da manifestação de 8 de janeiro vão direto para a última instância, não têm instância superior a quem recorrer. Para uns é preciso haver provas; para outros isso nem é necessário, basta ter estado na Praça dos Três Poderes. Não há como não percebermos isso.

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DALINHA CATUNDA - EU ACHO É POUCO!

CORDEL – O TABACO DE MARIA

Xilogravura de Erivaldo Ferreira

Na estrada do Pai Mané
Na cidade de Ipueiras
Bem pertinho das Barreiras
De imburana tem um pé
Ele dá um bom rapé
Pra quem sabe preparar
Maria sabe torrar
E tem grande freguesia
O tabaco de Maria.
Todo mundo quer cheirar.

E naquela arrumação
Meu pai era viciado
No dedo era colocado
Do rapé uma porção
Com o tabaco na mão
Pra no nariz esfregar
E logo após aspirar
Ele fungava e dizia:
O tabaco de Maria.
Todo mundo quer cheirar.

Valdenira me indicou
Disse mulher acredite
Ele é bom pra sinusite
Aqui mamãe sempre usou
Depois que ela receitou
Comecei a melhorar
Nunca parei mais de usar
Acabou minha agonia:
O tabaco de Maria.
Todo mundo quer cheirar.

Garapa ficou sabendo
Dessa história do rapé
Foi direto ao Pai Mané
Também estava querendo
Com Maria se entendendo
Resolveu logo pagar
E não saiu sem provar
do cheiroso nesse dia
O tabaco de Maria.
Todo mundo quer cheirar.

Edgar acabrunhado
Com o nariz entupido
Sentindo-se já perdido
Com febre e com resfriado
Foi atrás desse torrado
Para tentar melhorar
Porém mesmo sem gostar
Do produto repetia:
O tabaco de Maria.
Todo mundo quer cheirar.

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COMENTÁRIO DO LEITOR

NÃO TEM PREÇO

Comentário sobre a postagem ISSO É CAGADO E CUSPIDO O JORNALISTEIRISMO BANÂNICO

Pablo Lopes:

Eu li esta coluna no UOL e fiquei abismado com o ponto a que RA desceu.

Em meio a pretensões poéticas e tentativas de prever o passado, o ex-jornalista torceu os fatos para apontar que Lula foi o vencedor destas eleições e Bolsonaro perdeu.

Para ele não existe polarização, pois só existe extrema direita, mas não extrema esquerda e Lula é o centro.

Como para ele o centro venceu, o vencedor é o Apedeuta (era assim que RA chamava Lula quando ainda era jornalista)

De minha parte, eu quero é mais!

Ver os esquerdopadas da imprensa militante chorando e rangendo os dentes não tem preço.

DEU NO JORNAL

DEU NO JORNAL

DO HOMO SOVIETICUS AO HOMO BRASILIENSIS

Luciano Trigo

Do Homo Sovieticus ao Homo Brasiliensis

Citado outro dia, em uma live, por Rodrigo Constantino, o livrinho “Homo Sovieticus”, lançado em 1982 pelo escritor e sociólogo dissidente Aleksandr Zinoviev (1922-2006), é uma leitura impressionante. O autor investiga como viver em uma ditadura afeta as atitudes, os valores e o comportamento do cidadão comum, por meio de um processo gradual (e, até certo ponto, inconsciente) de adaptação psicológica à ideologia, à burocracia e à estrutura política dominantes.

O que mais impressiona é a atualidade do livro. Com pequenas adaptações, todas as características que descrevem o Homo Sovieticus, no decadente império comunista de 1982, se aplicam ao Homo Brasiliensis, na pujante democracia relativa de 2024. Um e outro desenvolveram mecanismos de defesa para sobreviver em contextos de repressão e controle, internalizando a lógica do regime para enfrentar os desafios do cotidiano.

Zinoviev descreve como a ditadura soviética condicionou os indivíduos a serem obedientes e conformistas. Sob vigilância constante e com medo de represálias, consolidou-se uma mentalidade passiva, bem como a relutância em desafiar o status quo, o que era fundamental para a manutenção do regime.

Mas também se consolidou uma atitude velada de cinismo e desconfiança em relação às promessas do governo e à propaganda estatal. Essa atitude, contudo, não levava à rebeldia; ao contrário, reforçava a resignação, a descrença em qualquer possibilidade de mudança real da sociedade.

Como o Homo Sovieticus, o Homo Brasiliensis é cético em relação ao governo, à política e às instituições. Após décadas de escândalos de corrupção e ineficiência, ele concluiu que o sistema raramente funciona em benefício da população. Isso gerou cinismo e descrença – por exemplo, em relação ao sistema judicial, percebido como politicamente parcial e complacente com os ricos e poderosos.

As pessoas também se tornam descrentes porque percebem que a realidade contradiz o discurso oficial. Esse cinismo não gera uma rebelião direta, mas cria uma atitude de desconfiança e alienação em relação a qualquer narrativa oficial ou promessa de mudança. O sistema é algo que as pessoas aceitam publicamente, mas rejeitam internamente.

Na ditadura soviética, as pessoas aprenderam a manter uma “dupla consciência” – a diferença entre o que expressavam publicamente e o que realmente pensavam e sentiam em privado. Essa dissociação alimentava sentimentos de insatisfação e frustração que só podiam ser compartilhados com pessoas da maior confiança. No Brasil de hoje não é muito diferente.

Em um país onde escrever uma frase com batom pode render 17 anos de prisão, muitas pessoas também preferem adotar uma postura de autopreservação. No trabalho, no transporte público, nas redes sociais e até mesmo dentro de casa, há uma cautela em expressar opiniões divergentes, especialmente sobre política, para evitar conflito ou retaliação.

A expressão genuína de opiniões e sentimentos se tornou perigosa. Qualquer desvio das normas impostas pode resultar em punição e ostracismo social. Com o tempo, isso leva à supressão do pensamento crítico e da individualidade.

Zinoviev argumenta que a própria identidade do indivíduo acaba mudando, adaptando-se à realidade de uma vida sob opressão: o Homo Sovieticus não é apenas uma vítima, mas também um produto do sistema. Alguém que, para sobreviver, introjeta as normas e os valores do regime, alimentando um ciclo contínuo de repressão e aceitação.

Tal como o Homo Sovieticus de Zinoviev, o Homo Brasiliensis é um indivíduo adaptado, que desenvolve uma complexa relação com o sistema que o vigia e controla. Um e outro se acostumaram a lidar com naturalidade com crises políticas e econômicas frequentes, desastres naturais, violência urbana e desigualdade social endêmicas.

A indiferença é uma forma de suportar o estado permanente de incerteza e precariedade em que se vive, sem cair no desespero. Sob a pressão de um sistema que parece imutável, adota-se uma atitude fatalista, acreditando que a situação jamais irá mudar. Esse fatalismo cria uma apatia generalizada, onde as pessoas se resignam às dificuldades e injustiças. A aceitação passiva reflete o sentimento de falta de controle sobre suas próprias vidas.

A vigilância social, externa ou autoimposta, se torna comum em ambos os contextos. No caso do Homo Sovieticus, o Estado conduzia uma vigilância oficial; no caso do Homo Brasiliensis, há uma vigilância implícita, para garantir que ações e opiniões estejam alinhadas com o consenso, sempre em defesa da democracia.

Outra característica comum entre as duas espécies é a indiferença pelos resultados de seu próprio trabalho, o que resulta em baixa produtividade. Na União Soviética se costumava dizer: “Eles (burocratas e políticos) fingem que nos pagam e nós fingimos que trabalhamos.” Isso decorre de um ambiente que desestimula a iniciativa, a meritocracia e a responsabilidade individual.

O Homo Sovieticus era um indivíduo acomodado, escravizado, incapacitado, privado de iniciativa, incapaz de pensar criticamente, que esperava e exigia que tudo fosse fornecido pelo Estado, porque ele não queria nem podia tomar nas mãos as rédeas do seu próprio destino. O Homo Brasiliensis, em muitos casos, também é assim.

No sistema soviético, destacar-se podia trazer problemas, levando as pessoas a adotar uma postura de mediocridade calculada. No Brasil, a meritocracia virou um palavrão. Os jovens não são estimulados a competir, nem a acreditar que seus esforços serão um dia recompensados, ao contrário: são ensinados desde cedo a se enxergar como vítimas de uma sociedade injusta, que lhes deve uma reparação.

A ênfase é na coletividade, e o indivíduo que não se enquadra é percebido com uma ameaça. O sistema desincentiva qualquer forma de diferenciação que perturbe o equilíbrio coletivo. A mediocridade é incentivada como uma forma de proteção, e qualquer ambição individual é reprimida, levando ao nivelamento por baixo. Por exemplo, se a evasão de alunos nas universidades é alta, a solução apresentada é baixar o nível dos currículos.   

O Homo Brasiliensis desenvolveu o “jeitinho” – o hábito de contornar regras e improvisar soluções alternativas para driblar o sistema. Zinoviev demonstra que o Homo Sovieticus também fazia isso. O “jeitinho” soviético era uma forma de resistência silenciosa, mas acabava contribuindo para perpetuar uma sociedade disfuncional.

No Brasil é a mesma coisa: o “jeitinho”, muitas vezes percebido como uma característica positiva, ou como um sinal da nossa criatividade inata, reforça uma cultura de flexibilidade moral que relativiza o certo e o errado, e incentiva a impunidade e a transgressão: “Eu sei que está errado, mas todo mundo faz, então eu também tenho o direito de me dar bem”. Para sobreviver, o indivíduo desenvolve um senso de “moralidade paralela”, mas acaba legitimando a amoralidade daqueles que o governam.

PENINHA - DICA MUSICAL