MAURÍCIO ASSUERO - PARE, OLHE E ESCUTE

XADREZ POLÍTICO

Há muitos anos eu ganhei um livro intitulado Otimismo em Gotas. Era feito de frases incentivadoras e tinha pensamentos de filósofos como Platão, Sócrates, Voltaire, Sartre e tantos outros. Lembro-me de uma frase que dizia: “A mosca é um animal político. Voa do monturo para a sala e vice-versa.” Quem definiu o Homem como animal político foi Aristóteles e olhando a cena política atual no Brasil acho que só faltam as asas porque do monturo para sala, e vice-versa, é notório que nossos representantes são capazes de voar.

Não há dúvida de que o interesse pessoal sempre vai sobrepor o interesse da coletividade. O político não pensa na sociedade, ele pensa primeiro na eleição, nos votos necessários para coloca-lo na “cadeira”, seja ela qual for. No meu entendimento, temos um sistema eleitoral ultrapassado. O tal quociente eleitoral tira do jogo candidatos com votação extraordinária para colocar outros de votação medíocre como Jean Willys que teve 20 mil votos e foi eleito deputado federal graças a votação de Chico Alencar. O suplente de senador não recebe um voto sequer. São indicados pelo candidato e não escolhidos pelo povo.

O sistema tem muitos males, mas acho que o maior chama-se partido político. Em torno deles apinham-se pessoas interessadas no corporativismo, no fundo partidário, no fundo eleitoral e são pessoas que não enxergam roubos dos pares. O conselho de ética é formado por deputados e senadores sem ética e não sei se há exceções. Eu vejo o movimento de políticos em torno de cargos, de composições e fico pasmo com a cara de pau e com a leniência do povo brasileiro. Parece que a gente gosta de ser roubado apenas para dizer que fomos roubados. Nesse sentido resolvi fazer um resumo de fatos ocorridos no Brasil com o intuito de demonstrar que não adianta ficar reclamando e continuar votando em bandido.

O senador Fernando Bezerra Coelho entregou o cargo de líder do governo no senado porque recebeu apenas 7 votos para a vaga no TCU. Moro, então no ministério da justiça, foi contra a indicação dele para líder e chegou a lembrar de que FBC tinha processos por corrupção e que não seria bom para o governo começar dessa forma. Voz vencida e FBC ficou foi no cargo até receber os 7 votos para TCU, ou seja, um cara com a ficha suja queria um cargo – vitalício – num órgão responsável pela apuração de desvios de recursos. Nada como botar a galinha para tomar conta do galinheiro.

Mas, acho que a falta de descaramento global vem da possível aliança entre Geraldo Alckmin e Lula. Recentemente, rebatendo Fernando Haddad nas redes sociais o nobre Geraldo Alckmin, conhecido como “Picolé de Chuchu”, declarou o seguinte: “Caro Fernando Haddad, não é o meu partido que é comandado de dentro de um presídio. Nem minha campanha foi lançada na porta de penitenciária….”. Essa frase foi dita em 2018. Se voltarmos a 2006 vamos encontrar outras pérolas de Alckmin contra Lula. O que foi que mudou? Para Alckmin ser vice-presidente é o maior troco que ele pode dar a João Doria. Ele como vice-presidente sufocaria Doria que ao sair do governo de São Paulo vai perder seu emprego público. Para Lula, contar com o carisma que Alckmin tem em São Paulo seria fundamental para vencer a resistência dos paulistas em relação ao seu nome. As pessoas votariam nele pelo seu vice. É difícil engolir um troço desses.

A entrada de Sérgio Moro no Phodemos vai trazer alguns constrangimentos para ele. O cara já chega falando de “prisão em segunda instância”, mas isso não passa porque quem faz a lei são os caras que roubam e nenhum deles vai atirar no próprio pé. Quando em 2017, o STF estava julgando essa matéria, Lewandowski, pensando no seu bandido de estimação, votou contra e foi logo avisando que era cláusula pétrea. Não precisa nem mudar a constituição para resolver essa questão. Usa a matemática. Muitas vezes a gente tem uma curva num referencial e a gente não consegue identificar que curva é, então a gente muda o referencial (rotação, translação ou ambos) e pronto. Então, muda o referencial do trânsito em julgado para a segunda instância. Basta aprovar que o trânsito em julgado ocorre após o julgamento da segunda instância. Pronto.

Todo mundo sabe que entre a segunda instância e o trânsito em julgado só tem recursos protelatórios para manter o cara fora da cadeia. Paulo Maluf foi condenado em 1995/1996 e só foi pra cadeia em 2015. Pimenta Neves matou a namorada com dois tiros, em ano 2000, e só foi para cadeia em 2012. Putz! O cara matou. Ele confessou que matou, mas espera-se o trânsito em julgado para que a justiça se convença de que o cara matou mesmo. Aí entra o STF com suas decisões incríveis para dizer que o cara não matou: a moça é que ficou na frente das balas. O STF anulou todas as condenações da Lava Jato. Marcelo Odebrecht disse que houve roubo, Palocci disse que houve roubo e o STF disse “quem é isso? de onde vocês tiraram a ideia de que vocês roubaram? O juiz da primeira instância era imparcial, então essa provas de roubos são miragens. Vocês são inocentes e parem de dizer que vocês roubaram senão serão processados por calúnia e difamação. Onde já se viu? Uma pessoa ter a coragem de se difamar publicamente!”.

Não custa lembrar que Lula foi condenado por 13 juízes. Até o STJ apenas reduziu a pena dele para um período semelhante à condenação de Moro e os caras falam da imparcialidade do juiz de primeira instância. Mas, é bom esclarecer que Lula não é INOCENTE como se diz. O processo dele foi para outra vara, apenas para beneficiar com a prescrição por conta da idade. As pessoas tem o hábito de manipular as palavras para enganar o povo. Vamos há dois casos:

1 – A PF deflagrou uma operação no INEP por conta de beneficiamento das gráficas que imprimem as provas do Enem. Uma servidora ganhava R$ 7,5 mil e o filho tinha uma Ferrari e um Porsche. Pelo que se sabe, a mulher levou uma “comissão” de R$ 5 milhões. O deputado Paulo Pimenta, do PT, imediatamente falou sobre a corrupção no governo Bolsonaro. O filho da puta não teve a coragem de dizer que o período investigado era de 2010 a 2018, quando Dilma esteve no poder.

2 – Ciro e Cid Gomes foram alvos de ações da PF. Lula foi solidário com eles. E Ciro, que atualmente, chama Lula de ladrão, agradeceu e acusou o governo atual, embora a ação seja fruto das obras da Copa de 2014. Ciro não consegue convencer ninguém com seu discurso porque é meio biruta (aquele funil de pano que usa para saber a direção do vento), ou seja, fica ao sabor do vento e dos interesses imediatos. O PDT trabalha para não ter candidato a presidente e publicamente diz outra coisa. Ciro foi isolado pelo PT o tempo todo. Em 2018 foi o ápice.

O Brasil não vai sair desse esgoto a céu aberto com este modelo político. Acho que precisamos repensar muita coisa. Experimentar coisas diferentes. Candidaturas avulsas, por exemplo. Tem muita gente boa que poderia mudar muita coisa, mas que não se sente a vontade quando tem que conviver com ladrões. Enquanto isso o xadrez político vai continuar levando políticos para o xadrez, mas o STF que temos ele sai da cadeia rapidinho.

JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

OS BRASILEIROS: Glauber Rocha

Glauber Pedro de Andrade Rocha nasceu em 14/3/1939, em Vitória da Conquista, BA. Jornalista, escritor e essencialmente cineasta. Foi precoce na vida e na morte. Aos 10 anos escreveu uma peça de teatro: O fio de ouro, com ele no papel principal. Fio de ouro não deixa de ser um prenúncio da sua inserção na cinematografia internacional com o “cinema novo”, tendo “Deus e o diabo na terra do sol”, sob sua direção, que se tornou referência obrigatória na história do cinema brasileiro.

Filho de Adamastor Bráulio Silva Rocha e Lúcia Mendes de Andrade Rocha, teve os primeiros estudos em casa, com sua mãe e ingressou numa escola católica. Em 1947 a família mudou-se para Salvador e passou a estudar no Colégio 2 de Julho, instituição presbiteriana, onde participou de um grupo de teatro, escrevendo e atuando. Aos 13 anos participou de um programa de rádio, como crítico de cinema. Até 1956 integrou alguns grupos e teatro e entrou na Cooperativa Cinematográfica Iemanjá. Aos 18 anos passou a escrever regularmente para algumas revistas culturais de caráter politico: “O Momento“, “Sete Dias”, “Mapa” e “Ângulos”. No ano seguinte, já consagrado como jornalista, assume a direção do suplemento literário do “Jornal da Bahia” e passa a escrever também para o “Diário de Notícias de Salvador” e suplemento dominical do “Jornal do Brasil”.

Em 1959, foi cursar Direito na UFBA, mas largou 2 anos depois para se dedicar ao jornalismo e cinema. Por essa época casou-se com sua colega Helena Ignez. Seu primeiro filme foi um curta-metragem O pátio (1959), seguido de Cruz na praça (1960). O primeiro longa-metragem se deu em 1961, com Barravento, premiado na Tchecoslováquia. A partir daí o movimento “cinema novo” irrompe pregando um cinema nacional autêntico, com uma temática social e uma nova linguagem cinematográfica explorando cenas externas, próximas do filme documentário. Glauber liderou o movimento, tendo Nelson Pereira dos Santos e Joaquim Pedro de Andrade encabeçando o movimento no Rio de Janeiro e Roberto Santos, em São Paulo. Além destes, outros destacados cineastas integraram o movimento: Cacá Diegues, Zelito Viana, Arnaldo Jabor, Ruy Guerra, Leon Hirzman, Helena Solberg entre outros.

A fim de consolidar o movimento, lançou em 1963 o livro Revisão crítica do cinema brasileiro, apresentando as linhas mestras de uma nova cinematografia nacional. No ano seguinte tais linhas mestras foram para a tela com o filme Deus e o diabo na terra do sol (1964), premiado no Festival de Cinema Livre, Itália; indicado para receber a Palma Ouro, no Festival de Cannes e representar o Brasil no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1965. Assim, ficou conhecido no plano internacional. Em seguida produziu e dirigiu outros filmes de grande repercussão aqui e no exterior: Terra em transe (1967), que lhe deu o Prêmio Luis Buñuel, no Festival de Cannes e indicado para receber a Palma de Ouro e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), que lhe garantiu o Prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes. Com a radicalização do regime ditatorial no País em princípios da década de 1970, foi considerado um dos expoentes da esquerda brasileira e procurou um autoexílio em Portugal, em 1971.

Por esta época realizou mais alguns filmes, predominando a temática poíitica, com pouca repercussão no público, devido a precária distribuição e também a complexidade dos temas, atraindo um público mais seletivo: O leão de 7 cabeças (1970), Cabeças cortadas (1970) O rei do milagre (1971) e As armas e o povo (1974), um documentário gravado nas ruas de Lisboa durante a “Revolução dos Cravos”, que derrubou o regime ditatorial do governo Salazar. Em 1977 sofreu um abalo com a morte da irmã, a atriz Anecy Rocha, que caiu num fosso de elevador. No ano seguinte declarou: “Eu pretendo, lenta e gradualmente, passar a ser mais romancista e menos cineasta. Não quero mais filmar tanto, porque acho que meus livros acabarão sendo filmados por mim ou por outra pessoa” e lançou o romance Riverão sussuarana”.

Em meados de 1979, a situação política no País estava conturbada diante da polarização ideológica e da luta pela anistia que foi decretada naquele ano. Neste cenário Glauber fez um comentário que abalou a esquerda brasileira. Declarou que Golbery (Chefe da Casa Civil) era o gênio da raça. Logo passou a ser chamado de louco pela esquerda. Mais tarde Darcy Ribeiro explicou que ele estava fazendo uma referência ao regime militar nacionalista no Peru, onde o governo Alvarado promovia reformas estruturais para debelar a pobreza. Não houve entendimento entre Glauber e muitos intelectuais de esquerda e ele passou a ser combatido, isolado ou até mesmo sofrer a acusação de ter sido cooptado pelos militares. Alguns diziam que aquela declaração seria o atestado de que ele realmente estava ficando louco. Pouco depois passou a comandar um programa aos domingos à noite na TV Tupi, intitulado Abertura, um programa de variedades culturais e política sobre a situação brasileira, onde pode exercer a contento sua veia jornalística.

Em outubro de 1979, fez sua última apresentação do programa e concluiu com uma despedida e espécie de manifesto: “Dediquei 20 anos de minha vida ao cinema brasileiro. Sou um dos seus principais artífices. Realizei alguns filmes de repercussão internacional e me encontro marginalizado em meu país. Sou famosíssimo e paupérrimo. Isso é o Brasil. E o cinema é a superestrutura de um regime econômico. A mais importante de todas as artes. Boa noite Brasil! Aqui é o desmascaramento histórico (coloca e tira máscaras no rosto em close). Nós mulatos, sertanejos, brasileiros, perguntamos: o Brasil precisa ou não de reformas estruturais? Porque todo mundo fala, fala, fala um papo furado, um papo jurídico, fala em Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, aquele negócio decadente, bem brasileiro e não fala no básico, que são as reformas estruturais que prejudicariam uma parte dos patrícios. Mas será que essa parte não poderia ceder em função de uma nova utopia? Por que a burguesia tem que ser cruel? Matéria para reflexão. Boa noite, saravá! Não vai aqui nenhum sentido de provocação. Assim é a democracia. Todos nós temos um ego semelhante. Nada de guardar rancores, loucuras escondidas. Voltemos para dentro do Brasil, de nossos rios, de nossas florestas, onde vive povo pobre, liquidado, doente, que precisa realmente de ser resgatado. Vamos deixar de lado a revolução francesa e a soviética para descobrir a feijoada, o carnaval, o frevo. Nossa cultura é a macumba, não é a ópera. Vamos descobrir o Brasil. Ninguém fala do Piauí, de Sergipe, da Paraíba, terra de mulher macho sim sinhô. Queria ver o Doca Street na Paraíba! Tô de saco cheio de teorias, tô querendo soluções! Alô, alô Antônio Carlos Jobim. Pau no Sinatra! Estou entrando de férias para terminar a montagem do meu filme A idade da terra, tem os livros que estou terminando e tenho de ir para a Europa para cuidar da saúde”.

Foi sua última aparição na TV brasileira. Partiu para Portugal, onde passou a viver, filmar e viajar pelo mundo. Em meados agosto de 1981, a saúde apresentou problemas pulmonares, foi internado em Lisboa e pouco depois entrou em estado de coma. Os amigos providenciaram sua transferência para um hospital no Rio de Janeiro e veio a falecer em 22/8/1981. Costumava dizer que era uma reencarnação de Castro Alves e que iria morrer aos 42 anos. Em seu enterro, Darcy Ribeiro fez um comovente discurso ressaltando sua indignação política. Seu último filme foi A idade da terra (1980), que concorreu ao Leão de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza. Foi seu 5º filme na lista dos “100 Melhores Filmes Brasileiros de Todos os Tempos”. Entre os dias 14 e 24 de março de 2019, ao completar 80 anos se estivesse vivo, a Prefeitura de Vitória da Conquista realizou ampla programação com o evento “Glauber Rocha ressuscita o povo brasileiro“, com mostra de filmes, debates, exposição etc.

O cineasta deixou um enorme acervo de filmes, textos inéditos, fotos, desenhos e documentos em geral, organizados por Dona Lúcia e Paloma Rocha, mãe e filha respectivamente, colocados à disposição do público no “Tempo Glauber”, um espaço cultural no Rio de Janeiro, de 1983 a 2017, quando foi transferido para a Cinemateca Brasileira. Pouco depois do falecimento, uma frase-síntese de sua vida passou a circular no meio intelectual: “Foi um cineasta controvertido e incompreendido, patrulhado pela esquerda e pela direita”. Para muitos era considerado gênio do cinema; para outros era um “profeta” dado o acerto de algumas de suas afirmações.

Após sua morte, surgiram alguns livros na tentativa de compreender o homem e/ou sua obra: Glauber Rocha, de Sylvie Pierre (Papirus, 1997); Sertão Mar: Glauber e a estética da fome, de Ismail Xavier (Cosac & Naify, 2007); Glauber Rocha: cinema, estética e revolução, de Humberto Pereira de Souza (Paco Editorial, 2016); A primavera do dragão, de Nelson Motta (Objetiva, 2019), além de uma de uma densa biografia publicada por seu amigo João Carlos Teixeira: Glauber Rocha, esse vulcão, lançada em 1997 pela editora Nova Fronteira. Um livro interessante e revelador de sua personalidade foi publicado em 1997 (Cia. das Letras), organizado por Ivana Bentes. Trata-se de Cartas ao mundo, reunindo 270 cartas escritas por ele, entre 14 e 42 anos, e dirigidas aos parentes e amigos (Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, João Ubaldo Ribeiro, José Guilherme Merquior, Caetano Veloso… Vistas no conjunto, as cartas apresentam um retrato íntimo de uma das personalidades mais fascinantes do século passado.

DEU NO X

DEU NO JORNAL

FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES - SEM OXENTES NEM MAIS OU MENOS

NASCIMENTO DO MENINO

De repente, num dia qualquer de um final de dezembro, completou-se o tempo da parição. O casebre era rústico, de taipa e chão de barro batido. No apertado quintal, duas árvores e um pedaço de jornal velho que noticiava estrondoso baile de final de ano, gastos alibabásticos, desbunde total, os vários sexos em esfregamentos desvairados, tudo fingidamente em prol das criancinhas de rua da cidade.

A dor apertando mais. Calor brabo, três da tarde, um domingo. Ao lado do magro colchão de palha estendido no chão do único dormitório, a Elisabete, prima também descendente de Aarão, aguardava o instante maior. Possuía tanta bondade que o seu filho João iria anunciar a Boa Nova, também há muito profetizada por uns santos homens já desencarnados, que pregavam a libertação de todos. Com Maria – a prima parturiente – e os demais familiares, acreditava que um dia os famintos seriam cumulados de bens e os maus ricos despedidos de mãos vazias. Lembrando-se do futuro Papa Paulo VI – “Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos” – orgulhava-se de pertencer a uma associação de moradores, num bairro de classe operária.

Elisabete também sabia que só blá-blá-blá não resolveria problema algum, a solução sempre advindo da organização e da união de todos para a concretização dos sonhos sempre acalentados. Segundo ela, sonhando muitos estavam, embora ficassem restritos aos sonhos, não aceitando críticas, partindo para o desaforamento como se moleques de rua, sem a serenidade analítica racional das lideranças dos ontens já acontecidos.

A parteira chegara. Os panos e as toalhas, fervidos em caldeirão sobre carvão, a postos. As contrações ampliadas, embora a felicidade muito atenuasse as dores sentidas. Em minutos, Emmanuel exteriorizou-se rapidamente, sendo enfaixado e deitado numas palhas doadas pelos da redondeza, solidariedade presente e sempre atenta aos gritos de fome e de angústia dos desempregados, das prostitutas que terão prioridade de ingresso na Festa de Encerramento e dos chacinados por uma violência policial desenfreada, efeito maior de uma injustiça cinicamente mantida pelos que controlam um sistema financeiro instalado na contramão da História.

Sadio, Emmanuel chegara. Foi circuncidado no oitavo dia e apresentado ao Chefão de Tudo, conforme recomendava uma cartilha muito lida: “Todo macho que abre o útero será consagrado ao Senhor”. E dos muitos testemunhos, o de Simeão, um velho estivador aposentado por invalidez, foi o que calou mais fundo: “Esse Menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos”.

A aparência luminosa do garoto contagiava. Os vizinhos vibraram com a chegada do Filho da Maria. E prometiam ser d’Ele companheiros de Vida, para a difusão de um amor sem preconceitos, sem opressores, sem ódio e sem medo, onde ninguém fosse menos que ninguém, sem consumismos desenfreados, num agir sempre corajoso e viril, fruto indispensável de uma evangelização essencialmente libertadora.

PS. Um Feliz Natal para todos aqueles que depositam irrestrita confiança nas promessas do Emmanuel. E para os demais, independentemente de credo religioso, também filhos muito amados da Criação. E para os caríssimos leitores da Besta Fubana, sempre sob o comando do escritor Luiz Berto, um cabra muito arretado de ótimo. Também para a Sissa, meus filhos e filhas, netos e netas, todos eles fachos de luz do meu caminhar existencial terrestre, que certamente percorrerá um 2022 mais humano e solidário, sem negativismos nem discriminações de espécie alguma, uma nova era muito mais arretada, reestruturadora por derradeiro.

Um Feliz Natal para todos!!! Sem oxentes nem mais ou menos, apesar de todos os pesares de uma pandemia assassina, classificada como uma “simples gripezinha” por quem, péssimo sapateiro, ansiou subir além das chinelas.

PENINHA - DICA MUSICAL