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VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

NATAL E A SEGUNDA GUERRA

Na Base Aérea de Natal, avião com homenagem a Maria Boa

Quando se fala da reviravolta social que houve em Natal, com a permanência dos americanos durante a II Guerra, abre-se uma fonte inesgotável de narrativas.

No dia 28 de janeiro de 1943, o presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, teve um encontro em Natal com o presidente Getúlio Vargas.

Rafael Fernandes, então governador do Rio Grande do Norte, sem saber das ilustres visitas, foi convidado a comparecer à Base Naval sozinho, e lá chegando, tomou enorme susto, ao ver os dois presidentes.

No encontro, foi confirmada a utilização de Natal como base de conexão para as tropas americanas e discutido plano de prevenção quanto a um possível ataque nazista ao Hemisfério Sul, a partir de Dakar, no Senegal. O motivo da escolha foi o fato de Natal ser a cidade brasileira mais próxima do continente africano (3 horas de voo em jatos de hoje e 8 horas para os aviões de 1943, de Natal a Dakar, no Senegal).

Também foi acertado o envio de tropas brasileiras ao “front”.

De 1943 a 1945, portanto, funcionou em Natal, o principal quartel general dos países aliados no Hemisfério Sul.

Natal recebeu 15 mil soldados americanos. A população parecia ter duplicado.

A Base Aérea e a “pista”, ligando Natal a Parnamirim, foram construídas, em tempo recorde, envolvendo 6 mil trabalhadores. A Base Naval também foi construída nesse período.

Natal era uma “ponte” para todos os voos americanos que levavam militares das três armas, rumo à África ou aos combates do Atlântico Sul.

Em 1943, no auge do conflito, Parnamirim era o aeroporto mais congestionado do mundo, alcançando o número de 800 pousos e decolagens num dia de pico.

As jovens natalenses suspiravam, ao ver as ruas de Natal, diariamente, cheias de soldados americanos, loiros de olhos azuis.

Natal passou a ser a cidade mais badalada do Nordeste.

Os americanos se divertiam e circulavam em Natal, pelas praias, cinemas, lojas, igrejas, cabarés, Lagoa do Bonfim, e paqueravam nas pracinhas.

Minhas saudosas tias Carmen e Gilka, filhas do meu avô materno, Celestino Pimentel, professor catedrático da língua inglesa em Natal, inclusive Tradutor Oficial durante a Segunda Guerra, na época jovens, dominavam o idioma inglês fluentemente, e logo fizeram amizade com vários americanos. Inclusive, depois da Guerra tia GILKA foi convidada para trabalhar nos Estados Unidos, no Consulado Brasileiro e terminou se casando “de papel passado”, com um americano, seu chefe. O casamento durou até o fim da sua vida. Os dois tiveram um casal de filhos, que ainda hoje moram na Califórnia.

Como consta nos registros de historiadores potiguares, houve uma grande interação cultural entre norte-rio-grandenses e americanos.

Natal foi a primeira cidade do país a ter Coca-Cola, ketchup, chicletes, roupas “Jeans” e óculos “Ray-ban.

O modo de vida descontraído, dos americanos em Natal, foi influenciando, cada vez mais, a sociedade potiguar. O hábito dos homens fazerem a barba com frequência e não usarem paletó para entrar nos cinemas, causou um rebuliço nos costumes. Tomavam banho de mar, usando calções curtos de helanca, enquanto os natalenses usavam calções compridos.

De repente, as mulheres passaram a usar calças compridas, maiô aberto nas costas, sair com as amigas sem a companhia dos pais, frequentar festas, fumar e beber, principalmente Cuba-Libre. Houve uma verdadeira revolução nos costumes.

A invasão do Jazz, Charleston, Blues e do Fox-trot desbancaram o tango argentino em Natal.

Os americanos não podiam passar sem Coca-Cola. Por isso, logo instalaram em Parnamirim um engarrafamento, o primeiro do Brasil, quarto país do mundo a consumir esse refrigerante, depois dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra.

Na cantina do “PIÉCS”, para deleite dos nativos, a Coca-Cola saía de torneiras.

O “PIÉCS” era a grande atração de Parnamirim, pelos preços e novidades. Era uma enorme loja, onde se vendia quase tudo: “gadgets” , como isqueiro químico (ao invés de chama, incandescia uma telinha), fósforos de riscar na sola do sapato, óculos Ray-Ban, relógios, tecidos, blusões de couro, calçados, perfumes, vidros de confeitos, latas de biscoitos etc,

Quanto à vida noturna, Natal nunca foi tão agitada. Os soldados americanos ofereciam festas, semanalmente, na base de Parnamirim, e ainda mandavam ônibus para levar e trazer moças da sociedade natalense, sempre com “chaperones” (acompanhantes mais velhas e casadas, às vezes as próprias mães das jovens). Isso gerou a revolta dos rapazes de Natal, que apelidaram os ônibus de “Marmita”, e os vaiavam constantemente.

Pois bem. Maria de Oliveira Barros veio de Campina Grande para Natal, na década de 40, em plena juventude. Ao chegar, aqui instalou uma requintada casa noturna (Cabaré), no período em que reinava na cidade ampla prosperidade, decorrente do estabelecimento da base militar americana em Parnamirim.

Aproveitando o fluxo de soldados e grandes personalidades políticas, Maria Boa fazia questão de ostentar “glamour” em seu estabelecimento. Tornou-se uma “grande dama”, que respeitava e era respeitada pela sociedade natalense.

Maria de Oliveira Barros, a dona de cabaré Maria Boa

Primava pela boa qualidade dos serviços prestados pela casa; interferia na escolha das “operárias do sexo”, que eram submetidas a rotineiros exames de saúde, e seu gosto predominava na arquitetura do ambiente.

Por trás da “Dama do Cabaré“, estava a figura discreta e íntegra de Maria de Oliveira Barros, grande empresária, que avalizava títulos bancários para alguns figurões locais.

Cabaré era o local de trabalho das damas da noite. Não se confundia com boate, casa de massagens, casa de “strip”, “relax para homens” e outros templos do prazer carnal. Nele, havia uma proprietária, geralmente uma mulher séria e respeitável, conhecedora dos mistérios revelados à meia luz. Essa mulher recebia em sua casa, várias jovens, que, repetindo sua própria história, um dia haviam fugido de casa ou sido colocadas para fora, pelo pai, por terem perdido a virgindade, ou engravidado, sem promessa de casamento.

Natal era influenciada pelos filmes de Hollywood, trazidos pelo próprio exército norte-americano. Maria Boa, em plena juventude, foi fortemente influenciada pela moda e estética dos filmes. Vestia-se com roupas costuradas à mão, usava saltos altos, e copiava os modelos das atrizes de Hollywood.

Seu cabaré tornou-se uma referência turística, e era conhecido no Brasil e internacionalmente, pelo nome de “Casa de Maria Boa”.

O recato e compostura, com que a empresária procurou envolver sua vida e as atividades de seu Cabaré a transformaram num mito. Era considerada uma verdadeira dama. Dona do mais diferenciado cabaré que existiu em Natal, com mulheres selecionadas pela beleza, postura e educação.

O cabaré de “Maria Boa” era frequentado por políticos, empresários, advogados e outras figuras endinheiradas e importantes. Sua fama se eternizou nas telas do cinema, através do filme “For All – O Trampolim da Vitória (vencedor do Festival de Gramado de 1997), de Luiz Carlos Lacerda e Buza Ferraz.

O filme retrata Natal, capital potiguar, em 1943, quando a base americana de Parnamirim Field, a maior base fora dos Estados Unidos, recebe 15 mil soldados, que vão se juntar aos 40 mil habitantes da cidade.

A personagem central se chama “Maria Buena”.

A chegada dos americanos a Natal gerou perspectivas de progresso material e resultou em muitos namoros e casamentos. Para as jovens casadoiras, eles eram os sonhados “príncipes encantados”.

Depois da guerra, a Base Aérea de Natal homenageou Maria de Oliveira Barros, pintando o nome “Maria Boa” no lado esquerdo da fuselagem do nariz do avião B-25 J 5071.

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