JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

MORENA TROPICANA – EU QUERO SEU CALOR!

Mulher brasileira esbanja beleza

Morena Tropicana – Alceu Valença

Da manga rosa
Quero gosto e o sumo
Melão maduro, sapoti, juá
Jaboticaba, teu olhar noturno
Beijo travoso de umbu cajá

Pele macia
Ai! carne de caju!
Saliva doce, doce mel
Mel de uruçu

Linda morena
Fruta de vez temporana
Caldo de cana caiana
Vem me desfrutar!
Linda morena
Fruta de vez temporana
Caldo de cana caiana
Vou te desfrutar!

Morena Tropicana
Eu quero teu sabor
Ai! Ai! Ioiô! Ioiô!
Morena Tropicana
Eu quero teu sabor
Ai! Ai! Ioiô! Ioiô!

Alguém já parou para pensar e apreciar a beleza da mulher brasileira, independente da sua proximidade com ela?

Pois, faça isso!

Faça isso e veja que, a ausência dos olhos azuis e transparentes é compensada pela tez da cor de jambo e emoldurada pelas curvas sempre mais perigosas que as curvas da estrada de Santos. Delineadas, definitivas, sem obstáculos, e como se tudo isso não bastasse, com versos poéticos escritos por Deus através da Natureza.

Na foto anexada para ilustração, observe atentamente o conjunto de perfeições que faz essa menina morena tropicana, e brasileira. Precisa de olhos azuis?

E a beleza escuda detalhe importante em se tratando de Brasil: é afrodescendente!

E alguém liga para isso?

Observe a boca dessa belezura com o lábio superior protegido por um buço apenas imaginável, mas perceptível quando a respiração nasal fica mais ofegante.

É linda!

É brasileira!

É tropicana!

A televisão tem sido o altar onde aparecem algumas mulheres quase santas – mas anjos, com certeza – como um desafio para quem tanto aprecia a beleza de dançar um tango, banhar nu num igarapé ou, simplesmente, apreciar e tentar vencer o desafio que é a beleza de Débora Nascimento.

Foi a Vênus Platinada quem nos apresentou a beleza agressivamente brasileira da Vênus Tropicana dos olhos levemente esverdeados.

As novelas globais de hoje não demonstram muitas preocupações com as qualidades interpretativas de atores e atrizes. O que interessa é a beleza fisionômica aliada a beleza física. O resto não conta muito.

E foi exatamente numa novela global que apareceu Débora Nascimento, hoje, com certeza, uma das mulheres mais bonitas do Brasil, enquanto a qualidade interpretativa fica em segundo plano. Sim, e de Sonia Braga, todos já esqueceram?

Esqueceram que ela um dia foi Gabriela e desfilava essência e cheiro de cravo e canela?

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

A SOLIDÃO

Lulu na janela

Nascida Luzia, filha de pais portugueses que chegaram ao Brasil no século passado. Era a única filha de uma prole de quatro. Entretanto, quase ninguém sabia seu verdadeiro nome, pois era mais conhecida naquela rua, pelo apelido carinhoso e respeitoso de Lulu.

Aquela moradora da Rua do Gás, no bairro Andiroba conhecia a todos, e sabia da vida da maioria.

Pudera. Nascera ali, crescera ali, casara ali e ficara viúva ali, havia pouco tempo. Não teve filhos por conta de problemas de saúde. Sofria de toxoplasmose.

Não vivia só porque, com ela, morava uma “secretária” criada pela mãe, que parentes conheceram no interior da Bahia. A “secretária” já era mais idosa que Lulu. Era a responsável por quase tudo e por quase nada. Sempre foi assim, permitindo que Lulu pudesse trabalhar até garantir a aposentadoria.

Famosa, Lulu havia trabalhado durante anos numa emissora de televisão da cidade.

Depois do falecimento do marido, Lulu caiu na solidão e, após aposentadoria, sem filhos e sem afazeres domésticos, que ficavam na responsabilidade da “secretária”, passava as cinco horas da tarde de todos os dias, debruçada na janela. Provavelmente esperava o passeio e o pouso das andorinhas que escreviam poemas em voos. Cada voo mais sinuoso que o outro. Claro, as odes de um poema precisam ser diferentes.

“Boa tarde” para um, “boa tarde” para outro, e, da janela só saía, quando falava o primeiro “boa noite”!

Ninguém entrava ou saía daquela casa, além da “secretária”, que, pelo menos uma vez na semana saía para ir ao comércio, onde se abastecia de víveres.

Às vezes (fora frutas e legumes) a compra era para a semana toda.

Vez por outra, a meninada traquinas tocava a campainha e corria. Aquilo irritava Lulu que, às vezes, fosse quem fosse, nem atendia mais.

Pois, ontem, durante as cinco horas da parte da tarde e começo da noite, não havia ninguém naquela janela.

Lulu, a moradora, estava sendo velada entre preces na capela Sossego Eterno. O corpo sairia dali para ser cremado, como era o desejo dela!

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

A SERENATA DOS APAIXONADOS

Seresteiro antigo repete a cena do filme Romeu & Julieta

As mulheres!

Ah, as mulheres, esses seres inigualáveis que ajudaram na construção física do homem, e, ainda hoje, continuam inabaláveis na construção da família, como peça de argamassa, de moldura e de sustentação.

O que seria dos homens, pobres coitados, não fossem as mulheres.

Não há quem, por maior tentativa, que encontre uma explicação, que arquitete e conduza a família de forma mais digna e completa que a mulher. A mulher é, ao mesmo tempo, a massa, o tijolo e o cimento que edificam e fortalecem a construção.

Assim, elogios merecidos, mas, à parte, mulher é alguém que “se derrete” toda com as boas preliminares. E, nesse caso, não estamos falando nem pensando em sexo. Estamos falando de viver. Tratar bem uma mulher é viver bem as preliminares.

E se me lembro bem, ainda consigo ver, bem ali na primeira esquina da vida, os galanteios preliminares que cada dia uniam mais um casal de namorados enamorados. Cada dia e cada noite. Independentemente de qualquer balcão de Julieta, a seresta noturna para a namorada, era como um buquê de rosas vermelhas e sem espinhos.

Falo das serenatas. Feitas com respeito e limites. As serenatas marcaram época de romantismo e ternura. Qualquer jovem que se prezasse, em vez de “tablet” ou celular, tinha a sua radiola portátil. Movida a pilha e tocada sem chip, mas com muito amor.

Os anos 50/60 vividos em Fortaleza – naquela época uma cidade muito distante da metrópole que é hoje – foram vividos com sabedoria. Usufruir a vida e a juventude tinha um conceito diferente de hoje, onde muitos jovens se envolvem com práticas e valores que os afastam ainda mais da maturidade. Hoje, trocar alhos por bugalhos virou algo normal.

Muitos trocam o amanhã pelo hoje, por conta de definições as mais irreais possíveis. Os jovens de hoje (rapazes e moças) não namoram mais, não sonham mais, não vivem mais. Cedo estão envolvidos com situações que acabam por não resolver e jogam a solução para os pais. O jovem de hoje não namora mais. Não namora mais na sala, na frente da casa da namorada. Vai direto para o quarto e o namoro acaba virando sexo – e quase sempre com situações que ele não está capacitado para resolver.

A serenata (ou seresta) era um momento mágico e de aproximação entre os casais enamorados, e muitas vezes, a música falava por ambos. Era ali também, que, muitas vezes amadurecia um pedido de casamento – sempre no dia seguinte.

“Maria” foi minha primeira namorada. “Maria” estudava na Escola Normal de Fortaleza, naquele tempo, localizada próximo do Colégio Militar, na Aldeota. Cedo nos apaixonamos e namoramos alguns anos. Não deu em casamento. Se tivesse dado certo, hoje eu não estaria aqui em São Luís.

Aí entrei na gandaia, e ao mesmo tempo namorava (frequentando a casa de todas quase todas as noites) cinco jovens. Todas muito bonitas. Eram a Célia, a Dinaci, a Antônia e a Carolina, além claro, da “Maria”.

Carolina é hoje uma conceituada médica, além de Jornalista, Professora de Jornalismo e Diretora de um curso na área de Comunicação de uma conceituada instituição de ensino de Fortaleza. Todas gostavam de música e das serenatas que, todos os meses, eu e um ou dois amigos fazíamos.

Atenção: Os nomes aqui apresentados são todos fictícios. Mas os namoros foram verdadeiros.

* * * 

DIA DE FESTA

Érica Luíza a aniversariante

Não consigo enganar ninguém. Dói, quando tento fazer isso e, graças à Deus, sou impedido de fazê-lo.

Estou repetindo esta crônica, publicada aqui mesmo, faz tempo.

Desde ontem (sábado) resolvi me envolver com uma data festiva. 11 de fevereiro é aniversário da minha caçula. 34 anos!

Enfermeira graduada na UFMA (Universidade Federal do Maranhão), Érica Luíza é prestativa sem ser da Cruz Vermelha. Tem virtudes e defeitos (e, um desses defeitos: é flamenguista). Solteira por escolha. Entendeu que teria problemas na família trabalhando em hospitais.

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

O SONHO INTERROMPIDO

O passeio na noite parisiense

Não sabíamos nosso destino inicial. Estávamos em Belleville, um bairro de Paris, onde a noite convida para a diversão, para a realização dos sonhos de quem ama. A felicidade do momento, era impagável – ela, vivendo outra vida conjugal e afazeres profissionais e domésticos, resolvera se autopremiar com aqueles momentos de dias diferentes.

Ela vestia um vestido longo para garantir a proteção contra a baixa temperatura. Calçava botas de couro, e um cachecol azul marinho lhe protegia o pescoço. Passos lentos e elegantes garantiam o caminhar de uma dama.

Eu, vestindo uma calça jeans, um sobretudo por cima de uma blusa italiana com fios de lã e um cachecol xadrez, ao tempo que, cortês e cavalheirescamente fazia tudo para que aqueles momentos furtivos valessem à pena. Ambos fugíamos da realidade que vivíamos distante dali.

Mãos entrelaçadas vestindo luvas, diziam bem o que seria o momento quando voltássemos ao aconchego da hospedagem – um simples, mas muito bom hotel.

Os ares noturnos tinham uma magia tipicamente francesa, pós outono e anúncio do inverno. Pairava uma magia que não existe em qualquer lugar, pois Belleville nos oferecia a magia musical de um saxofone tão regulado que imaginávamos muito distante. Era a magia contagiante que a cidade onde nascera Edith Piaf nos oferecia:

La Bohème

Je vous parle d’un temps
Que les moins de vingt ans
Ne peuvent pas connaître
Montmartre, en ce temps-là,
Accrochait ses lilas
Jusque sous nos fenêtres
Et si l’humble garni
Qui nous servait de nid
Ne payait pas de mine
C’est là qu’on s’est connus:
Moi qui criait famine
Et toi qui posais nue.

La bohème, la bohème
Ça voulait dire:
On est heureux.
La bohème, la bohème
Nous ne mangions qu’un jour sur deux

Dans les cafés voisins
Nous étions quelques-uns
Qui attendions la gloire
Et bien que miséreux
Avec le ventre creux
Nous ne cessions d’y croire
Et quand quelque bistrot
Contre un bon repas chaud
Nous prenait une toile
Nous récitions des vers
Groupés autour du poêle
En oubliant l’hiver.

La bohème, la bohème
Ça voulait dire:
Tu es jolie
La bohème, la bohème
Et nous avions tous du génie.

Souvent il m’arrivait
Devant mon chevalet
De passer des nuits blanches
Retouchant le dessin
De la ligne d’un sein
Du galbe d’une hanche
Et ce n’est qu’au matin
Qu’on s’asseyait enfin
Devant un café-crème
Épuisés mais ravis
Fallait-il que l’on s’aime
Et qu’on aime la vie

La bohème, la bohème
Ça voulait dire:
On a vingt ans.
La bohème, la bohème
Et nous vivions de l’air du temps.

Quand au hasard des jours,
Je m’en vais faire un tour
À mon ancienne adresse,
Je ne reconnais plus
Ni les murs, ni les rues
Qui ont vu ma jeunesse
En haut d’un escalier
Je cherche l’atelier
Dont plus rien ne subsiste
Dans son nouveau décor
Montmartre semble triste
Et les lilas sont morts.

La bohème, la bohème
On était jeunes, on était fou.
La bohème, la bohème
Ça ne veut plus rien dire du tout…

“Édith Piaf

Édith Giovanna Gassion, conhecida como Édith Piaf (Paris, 19 de dezembro de 1915 — Grasse, 10 de outubro de 1963), foi uma consagrada cantora, compositora e atriz francesa. O seu ritmo musical era concentrado inicialmente em música de salão e as suas variedades, mas ficou reconhecida pelo seu talento com a música de estilo francês chanson. O seu canto dramático expressava claramente os momentos trágicos que permearam sua intensa história de vida.

A consagrada cantora nasceu como Édith Giovanna Gassion em Belleville, um distrito cheio de imigrantes em Paris. Uma lenda diz que ela nasceu na calçada da Rue de Belleville 72, mas a sua certidão de nascimento cita o Hospital Tenon, que faz parte de Belleville. Ela recebeu o nome de Édith em homenagem a uma enfermeira britânica da Primeira Guerra Mundial que foi executada por ajudar soldados franceses a escapar dos alemães. Piaf, um nome coloquial francês para um tipo de pardal, foi um apelido dado a ela 20 anos depois.

Édith Piaf está sepultada na mais célebre necrópole francesa, o cemitério do Père-Lachaise. O seu funeral foi acompanhado por uma multidão poucas vezes vista na capital francesa. Hoje, o seu túmulo é um dos mais visitados por turistas do mundo inteiro. Segundo a pesquisa da BBC: Le Plus Grand Français, Édith Piaf foi considerada a 10.ª maior personalidade francesa de todos os tempos. (Informações extraídas do Wikipédia)”

Na volta ao hotel, uma taça de vinho iniciava a realização de um sonho tão satisfatório para quem somava os desejos de um passado que só tinha relação com a juventude.

A subida para o aconchego……. e, poooorrrrrraaaa! Alguém tocou forte na minha rede e me acordou!

Puta que pariu!

Nem em sonho a gente pode ser feliz, passear em Paris e ouvir Édith Piaf?!

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

O CHÃO TÁ RACHANDO! – VALEI-ME MEU JESUS CRISTIM!

Leito de antigo açude meses após a seca devastadora

“João Buretama” era meu Avô materno. Nascido lá para as bandas do povoado que hoje é conhecido como “Chácara dos Ventos”, a alguns minutos da serra em Uruburetama – daí a corruptela linguística “Buretama” – no ano que está tão distante que poucos lembram.

Conheceu minha Avó materna no ajuntamento dos empregados para trabalharem numa “farinhada” que duraria mais de dois meses e era propriedade dos Albano, donos de quase tudo nas Queimadas, povoado de Pacajus, onde nasci.

João Buretama não conhecia o sertão. Filho de pescador, era mais afeito ao mar, de onde a família tirava o sustento – “tudo com as Graças Divinas” de São Pedro.

Quando atingiu a maioridade, teve conhecimento que, para as bandas do Sul, em relação a Uruburetama, os Albano estavam oferecendo “trabalho”. Coisa rara nos dias atuais. Viajou quase dois dias para vencer um percurso que, nos dias atuais, não viajaria mais de sessenta minutos.

Desceu da boléia do “Pau-de-Arara” no então povoado Chorozinho e, depois de uma boa caminhada, finalmente chegou na casa dos Albano.

Joaquim Albano, o patrão, olhou para João de cima para baixo e definiu:

– “Baixinho e forte. Vai trabalhar na prensa”.

A prensa era onde os fortes espremiam a mandioca para retirar o líquido e a massa da farinha. O líquido retirado, posto à parte, vai secar e se transformar na goma.

A mandioca vinha do catitu. O catitu era “operado” por Raimunda, de quem já falei inúmeras vezes aqui. Era minha Avó, querida e inesquecível.

Pois, João Buretama e Raimunda, tão logo acabou a farinhada dos Albano, receberam suas pagas e, sem muita conversa foram morar juntos e “amigados”. Foi de onde nasceu minha Mãe, Jordina, antes do nascimento de Maria, minha tia.

João Buretama e Raimunda, agora, também Buretama.

Raimunda já era conhecida dos Albano, pois descendia dos índios Pacajus e morava nas Queimadas fazia tempo. Albano chamou João e ofereceu os elementos necessários para ser “meieiro” de aves e animais (vacas, jumentos e cabras e bodes), sem esquecer de oferecer, também, terra para plantio de feijão, milho e mandioca.

Tudo aceito e acordado, João Buretama plantou raiz. Virou morador e meieiro dos Albano, além de garantir o emprego na prensa durante a realização das farinhadas a cada ano.

Enxada e foice nas mãos, João Buretama brocou o mato e limpou a terra onde plantaria as sementes que tivesse. Café em grãos, sal, açúcar teria que comprar, além do fumo para os cachimbos, querosene para as lamparinas e outros itens do suprimento da casa.

Eis que chega a seca de 1957. A pior de todas elas desde que o mundo é mundo e as pessoas não plantavam nada que servisse para comer.

João Buretama pegou a enxada, enfiou no cabo uma cabaça com água e foi tentar limpar o espaço onde plantaria alguma coisa. Maxixe que fosse. Não demorou muito e voltou para casa numa carreira só, afuleimado e gritando para Raimunda:

– “Mulé, o chão tá rachando. Valei-me meu Jesus Cristim!”

Sol do meio-dia no sertão cearense

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

MENINOS ACREDITEM: ERA PEIXE DE MAIS

Lá vem chuva!

As cadeiras e tamboretes, arrumados em forma de arena de teatro, “tanto brilhavam quanto cheiravam, aquele cheiro de pureza, de Fé e de esperança”, algo que toma forma e sai do abstrato pela necessidade de se tornar real pela necessidade.

A extensa área fora varrida por Dona Doca com uma vassoura de vassourinhas, agora era iluminada pelo candeeiro dependurado por João numa das pontas de caibro do telhado.

A comunidade próxima e vizinha se reuniria para a primeira noite da novena no meado do mês de fevereiro, até o início de março em louvor a São José, o Padroeiro estadual – São José senta na mesma mesa e mora no mesmo condomínio de São Pedro, o Guardião das Chuvas.

Estranha as ausências das mariposas, das andorinhas famintas e até das formigas, que, cedo da noite se recolheram para seus lares, levando o mantimento que garantiria sustento por alguns dias e talvez meses.

A Natureza é sábia. Calou as cigarras, e até as corujas se recolheram.

Todos presentes. As orações da novena começaram.

Todos juntos pedindo ao Padroeiro um tiquinho de chuva.

Terminadas as orações e as cantigas religiosas da ladainha, todos se servem do café, dos bolos de carimã, dos bolos feitos na palha da bananeira, dos biscoitos e do cuscuz.

As despedias e desejos de boa noite.

A chuva e a sangria

Após o café, os que vieram de mais distante retomaram suas montarias e voltaram para suas casas. Alguns com lanternas para espantar os bichos que poderiam estar deitados no caminho – seguindo em fila indiana até encontrar a primeira bifurcação.

A despedida: “noooiiite”!

Quando a claridade do novo dia chegava, João estranhou que o galo não cantou e cabras e bodes continuavam em silêncio – sem movimento que garantia o barulho dos chocalhos no chiqueiro.

Vento forte. Vento frio invadiu a casa e João e Dona Doca tiveram que levantar. O barulho da chuva no telhado acordou ambos. A tramela mal colocada da janela permitiu que o vento forte a abrisse.

Chuva. Muita chuva.

João teve que sair às pressas para recolocar as terrinas e potes grandes nas biqueiras para aparar a água.

Chuva durante toda a manhã. No final do dia, mais chuva.

Durante quatro dias, muita chuva. As primeiras notícias do enchimento do açude. Dois dias depois, a notícia dando conta do sangramento do açude.

Meninos, a alegria voltou. As orações da novena foram ouvidas. Muita chuva.

Meninos, era muito peixe!

Peixe demais!

Peixe capturado sem rede pela sangria

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

SÓ UM PÔQUIM DE CHUVA

Acauã ave agourenta

A calçada alta com as bordas feitas de tijolos brancos desgastados com o subir e descer da gente. Arestas abauladas pelo sentar e pelo tempo, naquele momento se tornava confortável e parceira na tristeza normal do fim de dia e chegada da lugubridade da noite. João cuidava em preparar os candeeiros para amainar a noite.

“Vem-vem!……..”

Sem que ninguém estivesse para chegar, o vem-vem cantava em tiriça, entristecendo mais ainda aquele fim de dia, que ficava mais triste ainda com a chegada das mariposas perseguidas pelas andorinhas.

Uma ode poética num verso que nada dizia além da desesperança. Sim, por quê, longe dali, na grande capoeira duas, três, quatro e agora cinco vacas haviam morrido de sede, virando carniça e fazendo o banquete dos urubus. A natureza se fazia perversa, ainda que de forma passageira.

Mais escuro que claro, o silêncio do vem-vem parecia uma autorização para os sussurros lúgubres da coruja que sobrevoavam a área. Aquele “cantar”, diziam alguns, era o prenúncio da chegada da morte para alguém. Era, pelo assim dizer sertanejo, um “agôuro”!

João concluíra a tarefa da preparação dos candeeiros. Agora, segurando na mão firme e envelhecida de Raimunda – os dois – dobrava os joelhos e rezava o que mais parecia uma cantiga que oração:

“Pai celestial de todos nós. Minhas vaquinhas estão morrendo de sede. Onte morreu uma, onteonte morrer duas e mais uma novilha, e hoje perdemos ôtra”. Ajude nós, Sinhô de todos. Nem temos mais o que cumê, faiz três dias.”

Acauã – Gravação de Luiz Gonzaga e letra de Zé Dantas

“Acauã, acauã vive cantando
Durante o tempo do verão
No silêncio das tardes agourando
Chamando a seca pro sertão
Chamando a seca pro sertão
Acauã,
Acauã,
Teu canto é penoso e faz medo
Te cala acauã,
Que é pra chuva voltar cedo
Que é pra chuva voltar cedo
Toda noite no sertão
Canta o João Corta-Pau
A coruja, mãe da lua
A peitica e o bacurau
Na alegria do inverno
Canta sapo, gia e rã
Mas na tristeza da seca
Só se ouve acauã
Só se ouve acauã
Acauã, Acauã…”

Muito mais que o sono, o cansaço e a ansiedade pela chegada da chuva, adormeceram João minutos após a oração conjunta com Raimunda. Candeeiros acesos. Cessado o canto da coruja. Mariposas que conseguiram se salvar da gula das andorinhas, fugiram e se aquietaram. Com o fato seguinte, concluo mesmo que se esconderam ou se abrigaram.

A noite quente que traz aquele calor conhecido na roça, agora começava a se transformar. Uma neblina e em seguida uma chuva mais forte e cada vez mais forte fazendo barulho nas telhas, acordou João.

– Chuva meu Deus! “Aubrigado” por atender minha oraçãozinha mais cheia de Fé que de conhecimento”!

Agora mais intensa, a chuva continuava caindo. A forte ventania começou a preocupar João que, longe dali, escutava os chocalhos das vacas em movimento procurando abrigo. A ressequida sombra do juazeiro não protegeria todas.

A claridade do dia seguinte chegou. João levantou, tomou café acompanhado de farinha seca e foi pastorear as vacas, na esperança que elas tivessem se protegido durante a chuva. Algumas sobreviveram, outras tantas se afogaram nos lagos formados pelo excesso de chuvas nas capoeiras. Mas, havia a alegria do futuro garantido pela chuva.

Contrito e agora só, João mais uma vez dobrava os joelhos em oração. Não era oração. Era uma cantiga do vasto cancioneiro sertanejo:

“Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar

Oh! Deus, será que o senhor se zangou
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há

Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedi pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão

Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração”

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

A METAMORFOSE DA LIBERDADE

Seis etapas da metamorfose do início ao fim

Na noite anterior o noticiário divulgado por alguns veículos garantia que, a previsão pluviométrica para o dia seguinte era: tempo bom, sem chuvas, temperatura moderada variando entre 22 e 25 graus.

Entretanto, com o privilégio de sentir a Natureza e seus itens, alguns insetos sabiam com antecedência o que seria o dia seguinte: propício para completar a metamorfose e alçar voos em passeios de plena liberdade. Liberdade de completar o ciclo da transformação e, mais ainda, de exercer a liberdade determinada pela Natureza.

O vento moderado estava favorável. Não havia risco de interrupção ou enfrentamento de tempestade, logo no primeiro dia de vida e de liberdade em voos. A sombra das árvores ajudaria para que tudo se completasse em favor da beleza propiciada pela transformação.

Uma lagarta multicolorida. Na sequência, um casulo com todas condições biológicas dos primeiros dias. Quantos dias?

Os biólogos continuam céleres nas pesquisas para encontrar a resposta. O foco e a resiliência, com certeza encontrarão uma resposta convincente.

Na terceira fase a lagarta multicolorida de antes transmuda e recebe carapaça protetora produzindo asas ainda inibidas que não garantiriam o voo.

As fases seguintes, sem experimentos, consumarão a formação do necessário, parecendo versos que formarão a “poesia da metamorfose e da liberdade” – asas para que te quero.

Voe!

Viva a liberdade divina da transformação.

Coragem!

Tudo vai dar certo – a Natureza garante!

As lagartas em voos sem regressão

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

A DEVASTAÇÃO – ACABANDO O QUE ERA DOCE

A insanidade dos que destroem o próprio lar

Afinal, o que querem as ONGs?

Por que, de um momento para outro, resolveram lutar pela existência e estabilidade (além de muito dinheiro que conseguem dos governantes) no solo brasileiro, preferencialmente da região amazônica?

Por que essas ONGs não “tentam salvar” o Saara ou o Atacama?

Essas ONGs são todas compostas por “estrangeiros”?

Estudei Ciências Naturais no Curso Primário. Ao chegar no Curso Ginasial, ainda que fosse o mesmo assunto, Ciências Naturais recebia o nome de Botânica. Conheci, ali, ainda que superficialmente, itens da fauna e da flora. Pela primeira vez ouvi falar na Papua Guiné, onde, dizem, teria começado tudo. Ou, começado a terminar quase tudo.

Nos dias atuais, esquecemos as referências passadas e, além do tal “carbono” dominar todos os assuntos, falamos mais de biomas, etc., etc.

Por que isso?

Alguém que ler este reles texto, terá liberdade para dizer que, “Zé, o mundo mudou, e, com ele, os valores que se assomaram às descobertas”. Mas, não terá o meu “de acordo”.

Continuarei insistindo que o mundo não mudou. As pessoas, sim. E isso, para mim, jamais será a mesma coisa. Num passado nem tão distante, mundo à fora, sem excluir o Brasil, a quantidade de idiotas e imbecis era menos da décima porcentagem. Nelson Rodrigues tinha razão quando vaticinou: “o mundo será dominado pelos idiotas”.

Qual o mal que uma abelha faz para a humanidade?

Nos dias atuais, vira e mexe, conseguimos ver nas poucas árvores do perímetro urbano parasitas que nasceram a partir das sementes mal digeridas pelos pássaros que, literalmente expulsos pela devastação das florestas, procuram e acham abrigos para crescer e se multiplicar. As fezes, com a umidade, nascem, formando um visual nada agradável.

Também vemos, vez por outra, casas-ninhos de João-de-Barro construídos em engenharia magnífica em postes de iluminação elétrica ou em outros locais onde eles (os pássaros) se adequem.

E, por que isso?

Por enquanto, apenas pequenas aves tentam conseguir viver fora da floresta devastada. Mas, o que acontecerá, quando tivermos que dividir nossos espaços domésticos com jacarés, cobras, javalis e outros integrantes da fauna, considerados ferozes?

Em resumo: por enquanto estamos apenas sob ameaças. Mas, quase que diariamente, ao tomar o café matinal, tenho recebido a visita de abelhas – provavelmente por conta do cheiro que o açúcar orgânico (é o que uso, mais caro, mas o valor adicional me poupará de gastar mais com medicamentos) – ainda sem ferrão.

Isso significa para mim, que, em breve, além da “jandaíra”, espécie mais conhecida desde o meu sertão, poderemos ter a visita da “arapuá”, uma espécie difícil de ser domesticada para produção de mel. É violenta e a picada incomoda tanto quanto a picada do marimbondo.

E o mel que consumimos para fins medicinais, quem produzirá?

Mel de abelha tem importante percentual positivo na economia

EM TEMPO: Desejo aos amigos leitores e seguidores neste JBF, o mais venturoso Rèveillon, que 2024 traga saúde, Paz, prosperidade e entendimento, principalmente entre os familiares.

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

É NATAL

 Natal de luz – que ilumine nossas mentes

“Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz
Onde houver ódio, que eu leve o amor
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão
Onde houver discórdia, que eu leve união
Onde houver dúvida, que eu leve a fé

Onde houver erro, que eu leve a verdade
Onde houver desespero, que eu leve a esperança
Onde houver tristeza, que eu leve alegria
Onde houver trevas, que eu leve a luz

Ó mestre, fazei que eu procure mais consolar que ser consolado
Compreender que ser compreendido
Amar que ser amado
Pois é dando que se recebe
É perdoando que se é perdoado
E é morrendo que se vive
Para a vida eterna

Ó mestre, fazei que eu procure mais consolar que ser consolado
Compreender que ser compreendido
Amar que ser amado
Pois é dando que se recebe
É perdoando que se é perdoado
E é morrendo que se vive
Para a vida eterna”

Nesta penúltima coluna do ano, em contrição, dobro mais uma vez os joelhos, junto as mãos, e me dirijo ao meu único Senhor, para pedir a graça da Paz, da saúde, da humildade e do arrependimento de todos que, ainda que distantes materialmente, fizeram e fazem parte da minha existência, e do meu crescimento como ser humano.

Senhor,

Concedei-lhes um Feliz Natal, que vá além da mesa farta transbordante, que seja repleta de humildade e agradecimento pelos dias de vida concedidos.

Que reine a Paz,

Que reine a iniciativa do perdão,

Que todos tenham oportunidades para o cumprimento das missões.

Que nada consiga separar as famílias – quaisquer que sejam os objetivos ideológicos.

Que o pão esteja sempre disponível à divisão e multiplicação.

Que a saúde seja tão farta quanto a ceia natalina que hoje está servida.

Que seja feita, Senhor, a tua vontade!