Leito de antigo açude meses após a seca devastadora
“João Buretama” era meu Avô materno. Nascido lá para as bandas do povoado que hoje é conhecido como “Chácara dos Ventos”, a alguns minutos da serra em Uruburetama – daí a corruptela linguística “Buretama” – no ano que está tão distante que poucos lembram.
Conheceu minha Avó materna no ajuntamento dos empregados para trabalharem numa “farinhada” que duraria mais de dois meses e era propriedade dos Albano, donos de quase tudo nas Queimadas, povoado de Pacajus, onde nasci.
João Buretama não conhecia o sertão. Filho de pescador, era mais afeito ao mar, de onde a família tirava o sustento – “tudo com as Graças Divinas” de São Pedro.
Quando atingiu a maioridade, teve conhecimento que, para as bandas do Sul, em relação a Uruburetama, os Albano estavam oferecendo “trabalho”. Coisa rara nos dias atuais. Viajou quase dois dias para vencer um percurso que, nos dias atuais, não viajaria mais de sessenta minutos.
Desceu da boléia do “Pau-de-Arara” no então povoado Chorozinho e, depois de uma boa caminhada, finalmente chegou na casa dos Albano.
Joaquim Albano, o patrão, olhou para João de cima para baixo e definiu:
– “Baixinho e forte. Vai trabalhar na prensa”.
A prensa era onde os fortes espremiam a mandioca para retirar o líquido e a massa da farinha. O líquido retirado, posto à parte, vai secar e se transformar na goma.
A mandioca vinha do catitu. O catitu era “operado” por Raimunda, de quem já falei inúmeras vezes aqui. Era minha Avó, querida e inesquecível.
Pois, João Buretama e Raimunda, tão logo acabou a farinhada dos Albano, receberam suas pagas e, sem muita conversa foram morar juntos e “amigados”. Foi de onde nasceu minha Mãe, Jordina, antes do nascimento de Maria, minha tia.
João Buretama e Raimunda, agora, também Buretama.
Raimunda já era conhecida dos Albano, pois descendia dos índios Pacajus e morava nas Queimadas fazia tempo. Albano chamou João e ofereceu os elementos necessários para ser “meieiro” de aves e animais (vacas, jumentos e cabras e bodes), sem esquecer de oferecer, também, terra para plantio de feijão, milho e mandioca.
Tudo aceito e acordado, João Buretama plantou raiz. Virou morador e meieiro dos Albano, além de garantir o emprego na prensa durante a realização das farinhadas a cada ano.
Enxada e foice nas mãos, João Buretama brocou o mato e limpou a terra onde plantaria as sementes que tivesse. Café em grãos, sal, açúcar teria que comprar, além do fumo para os cachimbos, querosene para as lamparinas e outros itens do suprimento da casa.
Eis que chega a seca de 1957. A pior de todas elas desde que o mundo é mundo e as pessoas não plantavam nada que servisse para comer.
João Buretama pegou a enxada, enfiou no cabo uma cabaça com água e foi tentar limpar o espaço onde plantaria alguma coisa. Maxixe que fosse. Não demorou muito e voltou para casa numa carreira só, afuleimado e gritando para Raimunda:
– “Mulé, o chão tá rachando. Valei-me meu Jesus Cristim!”
Sol do meio-dia no sertão cearense