Lá vem chuva!
As cadeiras e tamboretes, arrumados em forma de arena de teatro, “tanto brilhavam quanto cheiravam, aquele cheiro de pureza, de Fé e de esperança”, algo que toma forma e sai do abstrato pela necessidade de se tornar real pela necessidade.
A extensa área fora varrida por Dona Doca com uma vassoura de vassourinhas, agora era iluminada pelo candeeiro dependurado por João numa das pontas de caibro do telhado.
A comunidade próxima e vizinha se reuniria para a primeira noite da novena no meado do mês de fevereiro, até o início de março em louvor a São José, o Padroeiro estadual – São José senta na mesma mesa e mora no mesmo condomínio de São Pedro, o Guardião das Chuvas.
Estranha as ausências das mariposas, das andorinhas famintas e até das formigas, que, cedo da noite se recolheram para seus lares, levando o mantimento que garantiria sustento por alguns dias e talvez meses.
A Natureza é sábia. Calou as cigarras, e até as corujas se recolheram.
Todos presentes. As orações da novena começaram.
Todos juntos pedindo ao Padroeiro um tiquinho de chuva.
Terminadas as orações e as cantigas religiosas da ladainha, todos se servem do café, dos bolos de carimã, dos bolos feitos na palha da bananeira, dos biscoitos e do cuscuz.
As despedias e desejos de boa noite.
A chuva e a sangria
Após o café, os que vieram de mais distante retomaram suas montarias e voltaram para suas casas. Alguns com lanternas para espantar os bichos que poderiam estar deitados no caminho – seguindo em fila indiana até encontrar a primeira bifurcação.
A despedida: “noooiiite”!
Quando a claridade do novo dia chegava, João estranhou que o galo não cantou e cabras e bodes continuavam em silêncio – sem movimento que garantia o barulho dos chocalhos no chiqueiro.
Vento forte. Vento frio invadiu a casa e João e Dona Doca tiveram que levantar. O barulho da chuva no telhado acordou ambos. A tramela mal colocada da janela permitiu que o vento forte a abrisse.
Chuva. Muita chuva.
João teve que sair às pressas para recolocar as terrinas e potes grandes nas biqueiras para aparar a água.
Chuva durante toda a manhã. No final do dia, mais chuva.
Durante quatro dias, muita chuva. As primeiras notícias do enchimento do açude. Dois dias depois, a notícia dando conta do sangramento do açude.
Meninos, a alegria voltou. As orações da novena foram ouvidas. Muita chuva.
Meninos, era muito peixe!
Peixe demais!
Peixe capturado sem rede pela sangria
Ô riqueza!
Jesus, lembro muito bem. Ficamos a noite inteirinha tirando as vísceras dos peixes, enquanto alguém se revezava no pilão “socando” sal para salgar. Tirar escamas era perda de tempo. Menino, era muito peixe! No chiqueiro, os bodes “sorriam em berros” e no quintal os “galos cantavam” de alegria. Não precisávamos matar bodes nem galinhas. Era muito peixe! E, olhe que, ainda levamos mais da metade para vender na pracinha improvisada.
Zé, meu bom Zé, passei pelas glosas do poeta Jesus, e depois de bem punhet.. ops, poetar, segui até encontrar a primeira bifurcação e nela TÁTU, hômi.
E a tramela mal colocada da janela permitiu que o vento forte a abrisse. E a tramela do Zé me levou à tramela de minha casa de infância, que rodava com o vento noturno e deixava a porta amanhecer escancarada.
Naquela época ninguem tinha medo de ladrao aproveitar a tramela frouxa para entrar na casa. Ladrao nao tinha na minha infância, Zé.
Hoje eles TAO em tudo que é canto. Dizem uns gaiatos que até em Brasilia tá cheio.
Abração, Zé.
Sancho, obrigado. Entre pela porta da frente, pois está sem tramela, visse. Pegue um tamborete desses com assento de couro de bode e vamos tomar um cafezim com batata doce cozida, macaxeira ciolina e beiju de massa de farinha!
Adispois vamos balançar nas redes armadas na latada e ficar espiando a chuva cair e moiar o chão tórrido!