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O FIM DE UMA ERA NA BOLÍVIA

Editorial Gazeta do Povo

Rodrigo Paz eleições bolivia

O senador Rodrigo Paz foi o candidato mais votado no primeiro turno da eleição presidencial na Bolívia e disputará o segundo turno contra o direitista Jorge Quiroga

Depois de quase duas décadas ininterruptas de governos esquerdistas na Bolívia – com exceção do breve interregno de Jeanine Áñez, que governou por um ano após uma grave crise política –, a população do país andino decidiu dar um basta aos socialistas. Pela primeira vez desde 2009, quando a atual Constituição entrou em vigor, haverá um segundo turno, mas sem nenhum esquerdista: disputarão a presidência o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, de direita, que recebeu quase 27% dos votos válidos; e o senador Rodrigo Paz Pereira, de centro-direita, o mais votado do primeiro turno, com pouco mais de 32% dos votos válidos. O novo presidente boliviano será conhecido em 19 de outubro.

O Movimento ao Socialismo (MAS) governou a Bolívia desde 2006, com a vitória de Evo Morales, reeleito em 2009, em 2014 e em 2019 – nestes dois últimos casos, graças a uma ajuda amiga do Tribunal Constitucional do país, já que a Constituição só permite que uma mesma pessoa governe o país por dois mandatos seguidos. Morales, no entanto, nem chegou a assumir o quarto mandato, renunciando após uma onda de fortes protestos populares motivados por denúncias de fraude no pleito de 2019. Foi nesta ocasião que a centrista Jeanine Áñez, então segunda vice-presidente do Senado, assumiu o poder em meio ao caos na linha sucessória. Ela convocou novas eleições para o ano seguinte, e o MAS saiu-se vencedor novamente, desta vez com Luís Arce, ex-ministro de Morales que, depois, romperia com seu padrinho político. Morales até tentou se candidatar novamente este ano, mas foi barrado e passou a pregar o voto nulo, que foi a escolha de 19% dos eleitores. No fim, o esquerdista mais votado foi Andrónico Rodríguez, com 8% dos votos válidos; o candidato do MAS, o ministro Eduardo del Castillo, amargou medíocres 3%.

Durante os governos socialistas, a Bolívia padeceu de um problema comum a nações latino-americanas ricas em recursos naturais governadas pela esquerda: a incapacidade crônica de aproveitar bons momentos para dar solidez à sua economia. Da Venezuela, miserável apesar de ter as maiores reservas de petróleo do mundo, nem se fala; o Brasil do “PIBão” de 15 anos atrás, movido pela alta demanda por commodities, acabou na recessão lulodilmista. Durante os governos de Morales, a Bolívia surfou na onda do gás natural, que substituiu o estanho como o item solitário do qual dependia a economia do país; o país de fato cresceu, e a pobreza e a desigualdade diminuíram, mas, quando a bonança acabou – em parte porque Brasil e Argentina acharam outras fontes do hidrocarboneto –, sobraram a dependência de um produto que já não tinha tanta demanda, déficits comerciais, fuga de dólares e inflação em alta. A crise é tamanha que Arce nem tentou a reeleição, delegando a Del Castillo a tarefa de tentar manter seu partido no poder.

Independentemente do vencedor do segundo turno, parece certo que a Bolívia deve se distanciar do apoio a ditadores latino-americanos, uma das marcas do MAS na condução da política externa boliviana – Arce, por exemplo, reconheceu Nicolás Maduro como governante da Venezuela, revertendo a postura de Jeanine Áñez, que reconhecera Juan Guaidó. Dentre os candidatos que avançaram na disputa, Quiroga é quem mais tem laços com as forças democráticas na Venezuela, na Nicarágua e em Cuba. O futuro das reservas de lítio bolivianas, as maiores do mundo e atualmente exploradas em parceria com Rússia e China, também deve estar em jogo.

O novo presidente terá o desafio de manter conquistas sociais dos governos anteriores enquanto reverte o altíssimo grau de estatização da economia boliviana promovido pelo MAS – recorde-se, por exemplo, a ocupação militar de instalações de exploração de gás natural ordenada por Morales em maio de 2006 (com a anuência de Lula, no caso de unidades da Petrobras). A “motosserra” de Javier Milei na Argentina vem dando bons resultados após o choque inicial, e foi invocada como inspiração pelos candidatos de direita bolivianos; há dúvidas se ela pode funcionar também na Bolívia, um país onde a elite empresarial está mais unida ao Estado. Por fim, resta saber se o resultado boliviano é isolado ou o indicativo de um movimento pendular para a direita na América do Sul, mas isso só será possível descobrir após os pleitos presidenciais chileno e brasileiro, em novembro deste ano e outubro do ano que vem.

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