Pensa na surpresa do arqueólogo do futuro quando pesquisar os humanos atuais.

Xilogravura de Cícero Lourenço
Roda de glosa coordenada por esta colunista.
Mote de Zé Limeira:
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
* * *
Dalinha Catunda:
Chegou essa pandemia
parecendo um vendaval.
Confesso que fiquei mal
de medo eu quase morria,
e morrendo de agonia,
hoje a Jesus eu recorro,
morro pedindo socorro,
pois penico eu já pedi:
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Joab Nascimento:
Eu já fui contaminado
Por essa tal pandemia
Juro qu’eu quase morria
Com o vírus desgraçado
Fiquei muito desgastado
Nem sequer subi o morro
Já no mato sem cachorro
Mas logo sobrevivi
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Bastinha Job:
Vou dar uma de artista
No mote de ZÉ Limeira
Nascido lá em Teixeira
E era surrealista
Foi notável repentista
Famoso igual ao Zorro
Na décima então discorro
Em Orlando Tejo li:
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Araquem Vasconcelos:
Aprendi vencer a morte
Pois já morri uma vez
Comigo não tem talvez
Eu sou caboclo do Norte
Vencer heróis é meu forte
E se vier pega esporro
Eu nunca pedi socorro
E nem de medo eu corri
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Gevanildo Almeida:
Quando comecei saber
Desse vírus condenado
Fiquei desorientado
Disse agora vou morrer
Deus veio me socorrer
No meu leito pôs um forro
Com ele eu disse, não corro
Seguir firme decidi
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Jairo Vasconcelos:
Quando chegou no Brasil
Essa grande pandemia
Me causando uma agonia
Morreram duzentos mil
Mantando mais que fuzil
Chorando pedir socorro
De medo quase eu escorro
Me segurei não escorri
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Rivamoura Teixeira:
Foi sim eu morri de medo
Me tornei um mascarado
O mundo todo tomado
De um virus do degredo
Eu me levantava cedo
Ia parecendo um zorro
Se for me abraçar eu corro
Faça boca de siri
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Francisco de Assis Sousa:
Eu já vivo é morrendo
De medo todos os dias
Entre susto e agonias
Assim eu sigo vivendo
Com tudo é me benzendo
Até de espiro eu corro
Uso máscara, alcool, gorro
Não quero arribar daqui
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Creusa Meira:
Ao sentir que o dia nasce
Abro os olhos com surpresa
Vejo se não tem fraqueza
Nas pernas, calor na face
Respiro fundo, com classe
E toda a casa, percorro
A mais um dia, concorro
Pra viver, estou aqui
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Ritinha Oliveira:
O vírus me derrubou
Igual coice de jumento
Fui ao céu dum passamento
São Pedro me avistou
Ao me ver se agoniou
Gritou pedindo socorro
Eu num mato sem cachorro
Me expulsaram eu corri
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Giovanni Arruda:
O eterno Belchior
Cantor de belas canções
Teve nas composições
Zé Limeira coautor
Essa dupla infernizou
Aquela turma do gorro
Sofreu censura e esporro
Mas resistiu que eu vi
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Vânia Freitas:
A nuvem ficou escura
Vírus das trevas saiu
E o pior que ninguém viu
E nem vê a sua feiura
Só atrás da lente dura
E quem vê pede socorro
Faz da cara um porta-forro
É coisa que nunca vi
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Tião Simpatia:
Faz um ano que me escondo
Desse corona maldito,
Já não conto, nem recito,
Engordei que tô redondo!
O sol nascendo e se pondo
Todo dia por trás do morro;
Eu vi a morte de gorro,
Mas acordei e me benzi…
Ano passado eu morri,
Mas esse ano eu não morro.
Editorial Gazeta do Povo
Participantes da “Marcha dos Vivos” de 2025, evento anual de recordação do Holocausto realizado em Auschwitz
A política externa brasileira sob Lula e seu chanceler de facto, Celso Amorim, já demonstrou que é impossível alguém julgar que já se chegou ao ponto mais baixo, pois, após cada episódio constrangedor, sempre vem algo ainda pior, ou mais difícil de imaginar. E, desta vez, não se tratou apenas de qualidade, mas de quantidade, com dois anúncios, feitos na mesma semana, que escancaram o antissemitismo do atual governo brasileiro.
Na quarta-feira passada, dia 23, o Itamaraty anunciou que o Brasil entraria formalmente em uma ação movida pela África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça, da Organização das Nações Unidas. Os sul-africanos acusam os israelenses de promover genocídio em sua operação militar na Faixa de Gaza, iniciada em resposta à barbárie terrorista cometida pelos palestinos do Hamas em 7 de outubro de 2023 – até hoje, dos cerca de 250 reféns israelenses levados pelos terroristas naquele dia, 50 continuam em poder do Hamas, vivos ou mortos. A postura brasileira não é exatamente uma surpresa – o tom das falas de Lula e das notas do Itamaraty sempre mostrou qual era o lado brasileiro diante da guerra em curso –, mas revela, na “menos pior” das hipóteses, uma ignorância avassaladora, quando não uma opção deliberada que rebaixa o Brasil diante da comunidade internacional.
Que possa haver crimes de guerra cometidos por Israel em sua ofensiva contra o Hamas é algo discutível e que deve, sim, ser investigado. Neste exato momento, inúmeros atores respeitados, que vão do presidente Donald Trump ao papa Leão XIV, têm alertado para uma crise humanitária gravíssima, com o alastramento da fome entre a população palestina da Faixa de Gaza, e não se descarta de antemão a possível (e inaceitável) instrumentalização da falta de comida como arma de guerra. Mas é absurdo apontar um dedo para Israel sem recordar também a responsabilidade do Hamas, que usa a população palestina como escudo humano, aproveita instalações civis para esconder armas e militantes, tem dificultado as negociações de paz, desvia ajuda humanitária e tem como razão de existir a eliminação de Israel e dos judeus, recorrendo para isso ao terrorismo, provocando assim a atual ofensiva israelense. Não é exagero dizer que o Hamas também ganha com a fome em Gaza – e talvez tenha até mais a ganhar que Israel.
A existência de eventuais crimes de guerra, no entanto, não basta para que se configure genocídio. A literatura acadêmica e o Direito Internacional são bastante claros a esse respeito: a definição clássica de genocídio exige a existência de uma intenção deliberada de eliminar um povo: os judeus, os ucranianos, os armênios, os tutsis – estes, sim, foram vítimas inequívocas de genocídio pelas mãos, respectivamente, de Hitler, de Stalin, dos turcos e dos hutus. Ainda que possa haver, dentro do governo israelense, alas mais radicais que gostariam de ver os palestinos varridos do mapa (ou ao menos expulsos definitivamente de Gaza e da Cisjordânia), afirmar que esse desejo move as ações militares israelenses é um enorme non sequitur, mas um que o governo brasileiro parece disposto a adotar. A rigor, aliás, os terroristas do Hamas e seus patrocinadores iranianos estariam mais próximos da definição clássica de promotores do genocídio (ainda que incapazes de realizar seus objetivos) que os militares israelenses.
Como se não bastasse, enquanto defende a existência de genocídios imaginários, o Brasil lulopetista menospreza os genocídios reais. No dia seguinte ao anúncio brasileiro sobre a ação sul-africana na CIJ, o governo anunciou sua saída da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), da qual participava como observador desde 2021. A entidade é responsável, por exemplo, pela definição de antissemitismo adotada por quase 50 países e milhares de instituições em todo o mundo. Como bem lembrou o comissário da Organização dos Estados Americanos (OEA) para o Monitoramento e Combate ao Antissemitismo, Fernando Lottenberg, Lula pode até ter suas diferenças com o atual governo israelense, mas isso em nada deveria influenciar a posição brasileira em relação ao passado – o Brasil recebeu cerca de 25 mil sobreviventes do Holocausto.
Um grande parceiro ideológico de Lula nos seus dois primeiros mandatos, o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, negou o Holocausto mais de uma vez. Lula pode até não chegar a esse extremo, mas sua aversão a Israel e outras democracias como os Estados Unidos aproxima o Brasil do que há de pior no mundo: totalitarismos, ditaduras, nações patrocinadoras do terrorismo, agressores de países vizinhos, criminosos de guerra. A respeitada escola de diplomacia de Rio Branco e de Oswaldo Aranha não existe mais; foi substituída pela ideologia mais rasteira, que agora norteia a atuação internacional brasileira.