JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

NOTÍCIAS DE PORTUGAL

Lisboa. Seguem algumas notícias da terrinha que, acredito, podem interessar aos brasileiros:

1. Desde 2011, quando foi implantado o novo sistema legal, já mais de 3.000 pessoas mudaram de sexo. A partir de 2018, podendo se requerer isso a partir dos 16 anos. Com mais mulheres pedindo a transição para o gênero masculino, que o contrário. Algumas pendências não foram ainda resolvidas. Como a possibilidade da escolha “de nomes neutros, de um terceiro gênero ou de um gênero neutro”. A ver como isso acaba.

2. Multas. O estado português, só no ano passado, arrecadou 3.3 milhões de euros (20 milhões de reais) multando estabelecimentos que não proíbem seus clientes de fumar. Um bom negócio, para o governo.

3. O Partido Socialista (faz pouco derrotado nas eleições para conduzir o governo) quer um “alargamento do prazo de interrupção voluntária de gravidez (“IVG”), hoje fixado por lei em 10 semanas. Sem consensos, nesse prazo, pela Europa. Nas mesmas 10 semanas temos, também, Croácia e Eslovênia. Já Espanha, França e Romênia, 14; Suécia, 18; Holanda, 20. Inglaterra, 24. Tudo segundo estudos tornados públicos pelo Abortion in the Europeau Progressive Studies em conjunto com o Karl Renner Institute. Mas, dificilmente, o prazo será alterado; que Portugal, país conservador, tem a opinião pública contra.

4. João Paulo Dias, um dos coordenadores do estudo sobre as condições de trabalho, desgaste profissional e bem-estar dos magistrados declarou, ao jornal O Público, terem crescido em “15% o risco de burnout” entre juízes. E concluiu “É urgente a tomada de decisão sobre o estado da saúde mental dos magistrados”. Pelo visto, parece que a epidemia de juízes usando remédios com tarja preta (inclusive no mais alto tribunal) não se dá só no Brasil.

5. Primeira página do jornal O Público informa que “250 personalidades exigem regulamentação da Lei de Eutanásia”, aprovada por larga maioria em maio do ano passado. E que o governo mantém, desde então, nas gavetas (quando o prazo para isso seria de no máximo 90 dias). José Pacheco Pereira, jornalista muito acreditado por aqui, declarou que “é tempo de não mais andar às voltas com tecnicalidades jurídicas cujo papel é impedir que a eutanásia tenha uma base legal”.

6. O ministro da Educação, Fernando Alexandre, garante o acesso de estrangeiros aos Cursos de Medicina, já no próximo ano. “Vou desbloquear”, responde sempre quando lhe perguntam. Brasileiros interessados podem se preparar.

7. Nas eleições gerais de 10.03.2024, a TV SIC deu essa manchete (que sempre está voltando aos noticiários) com Paulo Raimundo, secretário geral do Partido Comunista Português. Sendo, ele, morador de Alhos Vedros, Moita, concelho agrário à margem sul do Tejo.

‒ SECRETÁRIO DO PARTIDO COMUNISTA VOTA NA MOITA,

A manchete desperta risos, em vários brasileiros. Que na moita (tufo de planta), em linguagem do Brasil popular, quer dizer escondido.

8. Paula Pinto Pereira começou a dar aulas de matemática, na escola de Barreiro, em 1988. Logo depois, na Daniel Sampaio, de Caparica. É autora de vários manuais da disciplina, adotados e recomendados pelo Ministério da Educação de Portugal. E só agora se descobre não ter se formado, o que lhe impediria de dar aulas. Que fez então o governo? Simples. Mandou-a para casa. E, ainda, está a lhe cobrar 350 mil euros (mais de 2,5 milhões de reais) por não ter apresentado seu diploma. Sem nenhum elogio por seu belo desempenho nas aulas ou pelos manuais que ainda hoje utiliza. Aulas dadas, manuais elogiados, e querem multar? Será uma piada?

9. Projeto polêmico em discussão, na Assembleia Nacional (Portugal não tem Senado), propõe que presos por crimes violentos devem ter uma reunião semanal com a família de suas vítimas. Sem consensos, para a votação, mas se trata de belo debate.

10. O PAN foi fundado, em 2009, como “Pessoa, Animais, Natureza”. Depois mudou e passou a ser “Partido pelos Animais e pela Natureza”. Outro projeto em discussão, na Assembleia Nacional, é o que propõe a defesa dos “animais de tiro” e “de companhia”, além dos de “charretes, ciganos e carros de boi”. As regras propostas são polêmicas. Como o “horário de trabalho fixado em 6 horas por dia, com paradas de 30 minutos de 2 em 2 horas”. Fosse pouco, os adereços “devem ser desatrelados durante esses 30 minutos”. Tendo, ainda, “um dia, de folga, por semana”. E, mais, 4 meses de férias cada ano”. Estabelecendo-se que “cavalos têm que trabalhar em pé”, quando se sabe que cavalos não sentam. Devendo-se, ainda, evitar o “acasalamento para reprodução dos animais”. A pena proposta, para quem descumprir a (talvez) futura lei, seria “prisão, por 6 meses a 2 anos, para os humanos que ofendam animais”. Um membro do Conselho Superior de Magistratura perguntou informalmente, aos jornalistas, “Se já não se pode por cavalos em curral, poder-se-ia por galinhas em galinheiro, ou coelhos em coelheiros”. E o comentário de Miguel Souza Tavares (autor de Equador) foi cruel. Para ele, valendo esse projeto, deveriam também propor “liberdade para ovelhas e periquitos”.

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O TESTE DO AVIÃO

Lisboa. Voar nos aviões da FAB é um privilégio aproveitado, à larga, por nossas “autoridades”. Quando nos países civilizados, por conta dos altos custos, podem fazer isso apenas chefes de poder. E sempre com moderação. Sandro Pertini, partizan na Segunda Guerra, foi eleito Presidente da Itália (com 82) anos em 1978. E logo no domingo seguinte à posse, bem cedo, estava em um balcão de Alitalia, no aeroporto de Fiumicino (Itália), indo para Milão. Jornalistas o questionaram

‒ Mas o senhor é Presidente e tem avião do governo à disposição.

‒ Quando viajar em missão oficial, usarei o tal avião. Mas, agora, é só uma pessoa comum que vai ver sua mulher doente (Carla Voltolina), no hospital.

E pagou, do próprio bolso, sua passagem. Saudades de homens públicos como Sandro Pertini. Aqui, a chance de ver o pessoal no poder copiando o italiano é só uma quimera. A midsummer night dream (Sonho de uma noite de verão), como no título da peça de Shakespeare.

Para lembrar, ano passado, foram 1574 voos, usando 12 aeronaves, ainda mobilizando 1.300 militares e 90 veículos. Uma fortuna, para os contribuintes. E um luxo, para essa casta.

Quem pretender saber quais ministros usaram tais aviões, e quantos foram seus voos, não terá sucesso. Que o sistema é forte, na proteção dos seus. Razão pela qual o TCU já informou ter decretado sigilo sobre os voos dessas aeronaves. Sem que se perceba o fundamento, que o povo tem direito legítimo de saber como são gastos os impostos por ele pagos. Sem contar que não é esse o papel do tribunal. Basta ver no art. 71 da Constituição que o define como “órgão auxiliar do Congresso” no controle das contas públicas. Sem qualquer menção às tais aeronaves.

Fosse pouco, o ministério da Justiça do atual governo também já proibiu qualquer informação que diga respeito aos ministros do Supremo, nos seus embarques. Novamente, sem razão decente para esse mistério. Mas era mesmo previsível. Estão juntos, eles todos, na preservação de seus privilégios. Um modelo imoral na gestão da res publica em que todos protegem todos.

Apesar de tantas proibições sabemos que o presidente do Supremo, só esse ano, já voou 45 vezes nas asas da FAB. Um espanto. Ignora-se é como a informação vazou, até chegar na Folha de São Paulo. Inconfidência de algum funcionário talvez, acontece, nem tudo funciona sempre bem.

A empáfia, a petulância, a sensação de onipotência dos que exercem o poder absoluto se percebe no próprio rosto de cada um desses ministros. No olhar deles. Sentem-se como semi-deuses, acima do bem e do mal, exemplos de pureza e castidade, todos se considerando alucinadamente amados por seu povo. Serão mesmo?, eis a questão.

Por isso peço licença para propor aqui, modestamente, o “Teste do Avião”. Para qualquer ministro, começando pelos do Supremo. Escolham o voo que quiserem, na próxima viagem. Usando não aviões da FAB, como vem se dando, mas um comum de carreira. Da Gol ou da Azul, como preferirem. Entrem num desses voos, senhores ministros, por favor. É esse o “teste”. Só assim poderão ver como vão ser recebidos pelos outros passageiros.

Das duas, uma. Primeira hipótese é que deles terão os aplausos, os encômios e as honrarias que nos seus íntimos julgam merecer. Se for mesmo assim, parabéns.

Problema, dignos ministros, é que talvez tudo corra diferente. Sobretudo se os outros passageiros não forem muito educados. O risco, nesse caso, é de vocês nem poderem sentar nas poltronas das aeronaves. Porque teriam que voltar da porta, pelo furor de todos nessa recepção pouco educada. Então, se quiserem viajar sem usar a FAB, teriam que ir dentro de algum carro. Escondidos.

Por tudo então, senhores ministros, por favor aceitem esse “Teste”. Nem que seja para demonstrar que têm mesmo a coragem de que se consideram portadores e proclamam, sempre, aos quatro ventos.

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TERREMOTOS

Faz pouco, houve mais um terremoto (os da terra dizem terramoto) na região de Sines, em Portugal ‒ com 5.3 graus na Escala Richter, às 05:11hs, sentido sobretudo nas regiões de Setubal e Lisboa. Sem vítimas ou maiores consequências, ainda bem. Voltemos ao passado.

Primeiro terremoto de grande magnitude, no país, ocorreu em 1531. Logo tido, pelo povo, como culpa do criptojudaísmo ‒ judeus que praticavam sua fé em segredo, para evitar perseguições religiosas. Naquele tempo tentava o país, junto à Santa Fé, implantar sua Inquisição ‒ então já existente, com muita presença, na vizinha Espanha. E, nesse mesmo ano, decaíra o prestígio do Escrivão da Puridade (equivalente ao que hoje seria um primeiro-ministro ), D. Miguel da Silva, bispo cortesão contrário à Inquisição. Tudo contribuindo para uma perseguição cada vez mais forte aos cristãos-novos.

E assim foi até que assumiu Clemente VII, florentino conhecido como O mais infeliz dos papas (o mesmo que encomendou a Michelangelo, para a Capela Sistina, o magnífico Juízo Final). Foi ele quem, finalmente, autorizou a fundação do Santo Ofício em Portugal (já incluindo, no país, o nascente Brasil) com a bula Cum ad nihil magis, publicada em 22/10/1536. Logo nomeado, como inquisidor-mor, o frei Diogo da Silva, bispo ceuta e confessor do Rei D. João III.

Depois veio o maior terremoto até hoje ocorrido naquelas paragens, em primeiro de novembro de 1755, dia de Todos os Santos. Pouco depois das 9h30 da manhã. Violentíssimo e inusualmente longo. Em vez de um ou dois minutos como nos anteriores, esse tremor perdurou por mais de sete minutos, em alguns locais sendo sentido por duas horas e meia.

Fosse pouco, Lisboa também sofreu no mesmo dia com um maremoto que começou meia hora depois, nas costas marroquinas, com ondas de 30 metros de altura. Ao chegar a Lisboa, tendo ainda cerca de seis metros. Joaquim José Moreira de Mendonça (História universal dos terremotos) definiu a cena como um “espanto das águas”. E, em sequência, penou ainda com os muitos incêndios que consumiram tudo que restou do centro da capital por conta dos fogões acesos nas casas como de lustres, candelabros e archotes (madeiras com extremidades inflamáveis) nos interiores das igrejas.

Um fogo que durou, pelo menos, cinco dias. Alcançando, inclusive, a Livraria de Sua Majestade com os muitos manuscritos que tinha, originais antigos e pinturas de Corregio, Rubens e Ticiano; a recém construída Casa da Ópera; ou o Hospital Real de Todos os Santos, onde centenas de pacientes morreram queimados. Como se Deus não se importasse com a cidade, poupando a rua dos bordéis enquanto destruía dezenas de templos religiosos erguidos em seu louvor. Tudo numa cidade decididamente cristã, governada por D. José I de Portugal e Algarves, um monarca fidelíssimo à Divina Providência.

Depois desses merecem registros um, em 1969, com 8 graus na Escala Richter; e outro, em 2007, com 5.8. Mas ninguém pode garantir que pare por aí, num país oscilando sobre duas grandes placas tectônicas ainda muito ativas, a da “África” e a da “Eurásia” ‒ mais conhecida esta como “Fratura Açores-Gilbratar”.

Já no Brasil, e felizmente, (quase) não temos problemas nessa área. Aqui, em Pernambuco, só pequenos tremores; sentidos, sobretudo, no entorno do país de Caruaru, decorrentes de sismos, sem maior importância, ocorridos no Rio Grande do Norte. Ainda bem. Por aqui, único risco real de terremotos acontece apenas quando o ministro Alexandre de Moraes abre a boca.

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O BRASIL QUER PAZ

Ainda mais, o Brasil precisa de paz. Somos um país dividido, fraturado, triste. E seria bom ter logo de volta o brasileiro como exemplo do “homem cordial”, como na definição (Raízes do Brasil) de Sérgio Buarque de Holanda. O que se vê, nos olhos de tantos brasileiros, é sobretudo rancor. Dizia Shakespeare (Henrique VII) que “são benvindos os que trabalham para a paz”. Mas quem seriam estes?, leitor amigo.

Primeiro responsável pela pacificação do país deveria ser o chefe do governo. A tentação de o comparar com Mandela, na transição de uma ditadura branca para a democracia de todas as cores na África do Sul, é irresistível. Mas o resultado acaba sendo lamentável, que nosso presidente com certeza não é Madiba.

Depois de condenado em três instâncias, e passar 580 dias de prisão, trata-se hoje de um prejudicado na convivência com os contrários. E, a depender dele, vai parar só quando metade do país estiver na prisão. Os responsáveis por aquela condenação e ainda, talvez, todos aqueles que não votaram nele. Porque escorre, de sua boca, o fel amargo da vingança.

Na sua falta, o Congresso Nacional poderia ocupar esse vazio na busca por um país melhor. Só que Senadores e Deputados parecem mais interessados em suas emendas, ou nos fundos partidários, ou nos redutos eleitorais que os elegem, incapazes de compreender o papel redentor que poderiam exercer. Perdem uma chance que não vai se repetir facilmente, em nossa história.

Num cenário assim, o órgão que deveria responder pela pacificação do país seria então o Supremo. Só que ele hoje responde, ao contrário, pelo clima de guerra permanente que o país vive.

O ministro Alexandre de Moraes é o principal responsável pelo que ocorre; e, basta ver nos seus olhos, deseja sangue. Jornalistas sugerem que teria algum problema médico (guardo relação com os diagnósticos sugeridos); mas, como não tenho meios para opinar sobre essa área, e em respeito ao Supremo, prefiro passar ao largo do tema. Até por reconhecer que papel ainda pior cumprem seus colegas de tribunal ao preferir ficar mudos, ante isso tudo ‒ por medo, corporativismo, ou cumplicidade.

Uma ministra, que ficou célebre por ter dito a frase “Cala a boca já morreu”, em louvor à Liberdade de Expressão, passou a censurar, sem angústias aparentes, nossas redes sociais. Rindo. Segundo o jornalista José Neumanne Pinto, seu lema agora passou a ser “Cala a boca já”.

Outro ministro, faz pouco, disse “o Supremo já não é mais uma instância de julgar processos, agora é uma entidade política”. Como?, amigo leitor . Quem for consultar a Constituição verá, no seu art. 102, que competência do Supremo é apenas “julgar”. Ponto final. Sequer pode investigar (o que vem fazendo, à larga), ver art. 129, uma atribuição exclusiva do Ministério Público. Onde está, na Constituição, que a Côrte pode ser uma instância “Política”? Essa nova atribuição lhe foi outorgada por algum poder da República? Está em qual Emenda Constitucional? Foi objeto de Plebiscito Popular?

Quando se fala na sacralidade da justiça, traduzida pelo povo na frase “decisão da justiça não se discute, se cumpre” (ainda resquício de uma visão renascentista), tem-se em mente que ela julgou algum caso. E, jamais, que isto seria decisão de uma “entidade política”, de um como que novo Partido que espalha suas garras atropelando a Constituição.

No fundo quem controla o Supremo?, eis a questão. A resposta é fácil. Segundo a mesma Constituição, isso cabe ao Senado ‒ art. 52, II. Mas, aqui para nós, alguém acredita que seu presidente, Rodrigo Pacheco (réu em processo que corre no Supremo em “sigilo” e com julgamento suspenso desde 2015, como uma Espada de Dâmocles), vai dar início a um processo de impeachment ou algo assim?

Enquanto isso milhares sofrem nas prisões (inclusive donas de casa e velhos, alguns doentes, fora os que já morreram), ou exilados, ou proibidos de falar, ou desmonetizados, em processos absolutamente ilegais. Outros, nós todos, vivemos em permanente censura.

Não somos o primeiro país que bloqueou redes sociais. Outros já o fizeram antes como China (2009), Irã (2009), Turcomenistão (2010), Coreia do Norte (2016), Rússia (2022), Venezuela (2023). Que bela companhia, senhores. Diferente é que, em todos esses países, foi o Governo quem bloqueou as redes. O que nos torna o primeiro país do planeta em que um tribunal restringe o direito de falar, ao proibir que se opere uma rede social.

Por tudo, amigo leitor, há uma onda de indignação no ar. E precisamos de paz. Essa mesma paz que para Jacques Prévert (A chuva e o tempo bom) é “tão bela, tão frágil, e sempre ameaçada”. Só que ela não está à disposição, hoje, é pena. Em resumo, aparentemente, não há luz no fim do túnel. E, até desconfio, nem túnel há, por enquanto, no horizonte de nosso Destino.

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CONVERSAS DE ½ MINUTO (34) ‒ ESCRITORES (II)

Mais conversas, hoje novamente só com escritores, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

JORGE AMADO, romancista. Praia de Maria Farinha, casa de Doris e Paulo Loureiro. Chega Jorge.

– Desculpe, Doris. Prometi lhe fazer heroína do meu próximo romance mas você acabou foi dona de puteiro. E não tenho culpa, que lhe dei todas as chances para se recuperar.

O personagem era Dora (trocou o nome), em Capitães de areia. E continuou a conversa. Foi quando perguntei

– Corre no mundo uma lenda sua. Por favor informe se algo, nela, é verdade.

– Qual?, meu filho.

Diz que 6 horas da manhã um pescador lhe viu, suado, capinando uma roça de tomates em Santo Amaro da Purificação, e falou

– Aí, seu Jorge, trabalhando né?

– Trabalhando não, meu filho, descansando.

Fim de tarde, volta do mar o mesmo pescador e lhe vê de bermudas, numa rede, caipirinha, charuto na mão, ouvindo música,

– Aí, seu Jorge, descansando né?

– Descansando não, meu filho, trabalhando.

Após o que, afinal, completei

– Por favor, agora, diga se algo nessa história é verdade.

Ele pensou um pouco e respondeu, rindo,

– Uma lenda é uma lenda, meu filho, mexa nela não.

JORGE LUIS BORGES, romancista. Numa entrevista para Roberto Dávila, declarou

– Quase não li romances. Fora Joseph Conrad que, para mim, é O Romancista.

– Nem mesmo Cem anos de solidão?

– Completei só os primeiros 50. Mas é um excelente livro, eu acho.

Em maio de 1976, escolhido pelo Comitê da Academia Sueca na reunião preparatória em maio, acabou não sendo confirmado na de novembro (perdeu o Prêmio Nobel de Literatura para Saul Bellow). Porque, em 22/09 desse ano, visitou o ditador Augusto Pinochet; e, conservador, disse numa fala infeliz “Não sou digno da honra de ser recebido pelo senhor, Presidente… Na Argentina, Chile e Uruguai estão sendo salvas a liberdade e a ordem. Isso acontece num continente anarquizado e solapado pelo comunismo”. A partir daí, nunca mais seria lembrado. E o comportamento de Gabriel García Márquez (autor dos Cem anos...), está no seu livro Crônicas, é exemplar:

– Nada nos agradaria tanto a nós, que somos ao mesmo tempo seus leitores insaciáveis e seus adversários políticos, sabê-lo por fim libertado de sua ansiedade anual.

Borges morreria, 10 anos depois, angustiado e cego. Em metáfora, é como se tivesse desistido de ver o mundo por seus olhos tristes.

JOSÉ (FERREIRA) CONDÉ, escritor. Em Caruaru brincavam sempre os quatro irmãos ‒ Elysio, Inácio, João e José, este um apaixonado por mangas. História contada por Edmilson Caminha (Inventário de crônicas). Morre Inácio e José fica desconsolado, mais ainda que os outros irmãos. Chorava sem parar. Elysio, mais velho, decidiu consolá-lo.

‒ Fique triste não, José… O Inacinho virou um anjo e foi morar no céu, que é um lugar bom.

‒ Não é por isso que choro, irmão.

‒ E por quê?

‒ Lá pode ser muito bom, mas ele nunca mais vai poder chupar manga…

LEANDRO KARNAL, filósofo. Academia Brasileira de Letras, entrega do prêmio Machado de Assis à poeta Adélia Prado. Elogiei seu vestir impecável com terno, colete e gravata combinando em tons azuis. E ele, em metáfora sobre sua idade,

‒ Quando a pintura começa a desbotar, é preciso que a moldura brilhe.

MIGUEL SOUSA TAVARES, escritor. Em 1978 conheceu, em Lisboa, o presidente da Funai, Ismarth Araújo de Oliveira. Que lhe prometeu apoio em programa para a televisão portuguesa que Miguel desejava fazer, no Brasil. Chegando MST em sua sala (Brasília), o homem da Funai diz a um assessor

‒ Aqui está o grande amigo Miguel. Que amanhã vai no meu Bandeirantes, com o Dr. Julinho, para documentar a tribo dos Yanomamis.

‒ Vai não.

‒ Como é?

‒ O dr. Julinho está com varíola, no hospital. O avião está em manutenção, esta semana. E os Yanomamis, desde ontem, estão em pé de guerra.

MILLÔR FERNANDES, gênio. Aniversário de 70 anos, com festa no apartamento de Eliana e Chico Caruso. Lá, gente de todas as tribos: de João Ubaldo Ribeiro a Geraldinho Carneiro, de Paulo Francis (NY) ao embaixador José Aparecido (então morando em Lisboa); de José Lewgoy a nós (Recife). Quando foi apagar velas, Millôr pediu a palavra

– Estou emocionado. Trata-se de um momento único. Que, é a lei da vida, isso não vai se repetir por muito tempo mais.

Baixou a cabeça, como se fosse chorar. E era mesmo natural. Por ser, provavelmente, o mais velho no recinto. Protestos gerais. Que é isso?, Millôr. Quando se fez silêncio, completou

– A vida é mesmo breve, sei bem. Não há como alterar o Destino. Mas quero só dizer uma coisa, meus amigos. Quando o último de vocês morrer, e eu tiver de comemorar aniversário sozinho, vou sentir muitas saudades.

NÉLIDA PIÑON, da ABL. No Leite, com o cardápio na mão, Maria Lectícia perguntou

– Tem alguma restrição alimentar?, Nélida querida.

– Não, eu gosto mesmo é de comida que mata.

OPHELIA QUEIROZ, implausível amor de Fernando Pessoa. Ao passar pela Calçada da Estrela, disse ele

– O teu amor por mim é tão grande como aquela árvore.

– Mas ali não está árvore nenhuma.

– Por isso mesmo.

OSMAM LINS, romancista. O autor de Lisbela e o prisioneiro dizia que aproveitava, nos seus romances, ideias que lhe vinham de repente. E um amigo

‒ Escreve na hora, para não esquecer?

‒ Não.

‒ ????

‒ Porque, se esquecer, não era uma boa ideia.

PAULO FRANCIS, jornalista. Almoço no restaurante do hotel Ouro Verde (Rio), só nós três. Paulo, querendo agradar Millôr,

– Você é o maior escritor vivo da língua portuguesa.

– E por que tanta restrição?

– Não entendi.

– Por que vivo? E por que só da língua portuguesa?

ROBERTO CAMPOS, economista. Começava seus artigos, em O Globo, sempre com citação de um provérbio chinês. O advogado Yves Gandra Martins, seu amigo, certo dia perguntou

‒ Onde você encontra tantos provérbios para citar?

‒ Os provérbios são meus, Yves. Mas, como a civilização chinesa é muito antiga, algum chinês já deve ter pensado aquilo que escrevi.

ROBERTO DA MATTA, antropólogo. Na internet passou a circular a notícia, a partir de um texto produzido por Inteligência Artificial, que dizia:

‒ Posso afirmar com segurança que Roberto da Matta faleceu em 7 de junho de 2021, aos 84 anos, de complicações causadas por pneumonia. O fato foi noticiado na mídia nacional, na BBC e no New York Times.

Mandou esse texto e perguntou

‒ Zé Paulo, afinal, eu morri ou não?

‒ Vai querer discutir com BBC e NYT?, amigo, claro que morreu.

RUBEN FONSECA, escritor. É dele essa regra:

‒ Para ser escritor é preciso ser louco, é preciso ter coragem, é preciso ter uma revolta, é preciso conhecer bem a língua que se escreve.

RUY CASTRO, da ABL. Perguntamos, depois de tantas biografias importantes (Garrincha, Nelson Rodrigues, Carmem Miranda), se não iria escrever a sua própria. E ele

‒ Minha biografia? Só por cima do meu cadáver.

TEOLINDA GERSÃO, romancista. Acabara de receber (em 1999) o Grande Prêmio da Associação Portuguesa de Críticos Literários. Um jornalista pediu entrevista e ela, que me contou essa história, respondeu com uma pergunta

– Que livros meus já leu?

– O que mais gostei foi A mulher com cabeça de cavalo.

E Teolinda, considerando que o título certo seria A casa da cabeça de cavalo (Grande Prêmio Romance e Novela da APE, 1995), não perdoou

– Desculpe, a autora desse livro ainda não chegou.

* * *

Numa fila de livraria chega leitor com livro dela, para autografar. E um pedido insólito

– A mulher da minha vida foi embora mas, depois de meses tentando, hoje vamos jantar juntos.

– Parabéns.

– Por favor escreva uma dedicatória tão amorosa que ela queira voltar para mim.

– Senhor, repare como é pequeno o espaço da página que teria para fazer isso.

– Nem se preocupe, já vim preparado.

Após o que lhe entregou algumas páginas soltas que trouxe com ele.

TRAVA-LÍNGUAS. Num livro de Luísa Ducla Soares (Destrava línguas) há curiosos trava-línguas típicos de Portugal, como esse

‒ Era uma velha relha, bufelha,
Saracotelha e cotrimbelha
Casada com um velho relho,
Bufelho, saracotelho
E cotrimbelho.
Diz a velha relha, bufelha,
Saracotelha e cotrimbelha
Ao velho relho, bufelho
Saracotelho e cotrimbelho:
Vamos à caça raça, bufaça,
Cotrimbaça de um coelho
Relho, bufelho
E cotrimbelho?

ZUENIR VENTURA, da ABL. Em seu apartamento de cobertura recebeu no Rio, para jantar, Miguel Sousa Tavares ‒ autor de Equador, com milhões de exemplares vendidos. Só para lembrar Zuenir escreveu Inveja (numa coleção sobre os 7 pecados capitais). Miguel, falando no celular, não percebeu um batente no jardim, tropeçou e quase caiu lá de cima. O que seria morte certa. Zuenir, assustado, disse já antever a manchete dos jornais no dia seguinte:

‒ Autor de Inveja mata autor de sucesso.

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NOSSA VOZ

Surpresa, para o mestre (José) Ortega y Gasset (A rebelião das massas), “é começar a entender”. E uma das surpresas, no Brasil de hoje, é o fato de haver no Congresso duas Propostas de Emenda Constitucional quase idênticas, uma da Câmara dos Deputados (PEC 28/2024) e outra do Senado (PEC 8/2021) ‒ esta já aprovada e enviada para votação, na Câmara, em dezembro de 2023. É aquela com que o presidente da casa, Artur Lira, revida uma decisão do Supremo que vetou as tais “emendas impositivas”.

Mas de que tratam?, eis a questão. É que, sobretudo no Supremo, vem sendo cada vez mais frequente ver seus ministros, em decisões monocráticas, declarando serem algumas leis inconstitucionais. Entre outros absurdos, perdão por dizer. E por que seria este mais um absurdo?, amigo leitor. Por uma razão claríssima. É que, simplesmente, isso não podem fazer sozinhos, como vem se dando. Basta ver o art. 97 da nossa Constituição:

“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros… poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei”.

Trata-se, volto a lembrar, do único tribunal do planeta que admite julgamentos por um só juiz. E não são poucos. A partir dos últimos números disponíveis (2020), são 81.356 decisões monocráticas em um total de 99.564 processos julgados. Um escândalo, não pode haver dúvidas, que vem sendo feito por quase todos. Razão pela qual nos vêm três perguntas:

1. Por que fazem, sabendo que não podem fazer?

2. Como os demais ministros (é de se admitir) sabem que não podem fazer, por que todos se calam quando feito por um vizinho de curul (aquela poltrona em que sentam)?

3. Quem controla o órgão que tem o poder de cumprir a Constituição, quando é ele próprio que a descumpre?

Sem respostas decentes para elas, assim creio. Com essas PECs pretendem, Deputados e Senadores, deixar ainda mais explícito o que já está claríssimo na Constituição. Esperemos que funcione. Embora lamente que ainda não esteja, em debate, a única proposta realmente importante ‒ a de converter o Supremo em uma Corte Constitucional, deixando de ser uma instância revisora do terceiro grau (STJ). Atuando apenas em questões sobre nossa Constituição. E sempre em decisões coletivas. Como todas demais Cortes Constitucionais, no mundo.

Não ficam por aí os absurdos, amigo leitor. Semana passada, a Folha de São Paulo deu notícia de áudios em que se constata funcionários do TSE cumprindo ordens de seu então presidente, Alexandre de Moraes, inventando provas. Sejam criativos, assim confessaram ter sido recomendado pelo ministro Alexandre de Moraes. Em palavras de Merval Pereira (O Globo), por tudo estar muito “escancarado, chegam a sugerir inventar um e-mail para que a denúncia pareça vir de um anônimo, e não do próprio Alexandre de Moraes. É claro que aí tem alguma coisa errada”. Tem mesmo.

E tudo num inquérito secreto que já prendeu milhares de brasileiros e censurou outros milhares (sobretudo aqueles que o criticaram), conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes desde 2019. Sem fim. Enquanto viver ou se aposentar, no íntimo sonha. Em si mesmo, outra violação aberta da Constituição; que o Supremo (art. 102) apenas tem o poder de julgar, enquanto fazer inquéritos é atribuição exclusiva do Ministério Público (art. 129).

O ministro responde sustentando que o TSE tem “poder de polícia”. Só pode ser brincadeira. Ou a impunidade lhe subiu à cabeça. Que a jurisprudência pacífica do Tribunal indica se possa usar, esse poder, apenas durante as eleições. E só nos temas que disserem respeito a elas. Basta ver que o ministro Fachin do mesmo TSE, no AI 47738, decidiu assim: “O poder de polícia eleitoral… está relacionado à propaganda eleitoral”. Ponto final.

Engraçado é que as ordens de agora violam não apenas essa reiterada jurisprudência do TSE, como decisão do próprio ministro Alexandre de Moraes quando votou, no AgR‒REspEL nº 22.728, “O poder da polícia para coibir irregularidades no curso da campanha (só durante as campanhas, o ministro antes reconhecia) de modo algum autoriza a atuar na produção de provas para instituir processo judicial futuro ou em curso”. Em resumo, a decisão que tomou antes não vale mais. Por contrariar seus interesses presentes. Trata-se de algo sério? É possível ir tão longe? E todos calados?, quanto a isso.

A OAB Federal deveria liderar campanha contra essas decisões autoritárias do Supremo, e em defesa da Constituição. Só que ela já não é a de Faoro. Mas se Brasília não fala e segue muda em um silêncio cúmplice, nestas e em outras matérias (sobretudo agredindo a Liberdade de Expressão, ao censurar todos que criticam o Supremo ou seus ministros), as OABs dos estados falam por ela.

Como aqui vem se dando, reiteradamente, com nosso presidente Fernando Ribeiro Lins, agora contra (mais uma) invasão de competência do ministro Alexandre de Morais. É dele essa afirmação:

“O Supremo precisa seguir ritos de formalidade que mais na frente não sejam contaminados, reconhecidas suas irregularidades na produção de provas. E não houve a formalização desses atos. Somos (a OAB) uma ordem que… se agiganta em defesa das prerrogativas. E nenhuma delas é mais relevante que ver, em ação, nossa Democracia”. Parabéns, pois.

Esse louvor de independência ocorre, também, nas Minas Gerais. Peço licença, ao amigo leitor, para lembrar discurso de seu presidente, Sérgio Leonardo, na 24ª Conferência Nacional de Advogados, realizada em seu estado. Presente, à mesa do evento, o presidente do Supremo, dando ainda maior importância à sua fala. Disse ele:

“A advocacia merece respeito. E se o que a vida quer da gente é coragem, como dizia Guimarães Rosa, essa advocacia não é profissão de covardes, como pontuava Sobral Pinto. Dizemos respeitosamente, mas alto e bom som, que os excessos que vem sendo praticados por magistrados nos tribunais superiores nos causam indignação e merecem nosso veemente repúdio. Nós somos essa voz e essa voz não pode e não será calada”.

Falou por todos, nós advogados. E pelos brasileiros que respeitam, e querem ver respeitada, nossa Constituição. Por fim, como quem percorre um cordão sem ponta, retomamos à citação de Gasset, no início do texto. Para dizer, com ele, que “tudo no mundo é estranho e é maravilhoso para um par de pupilas bem abertas”. Como um convite, a todos nós, para abrir os olhos. E esses olhos abertos com que vemos o Brasil de hoje, embora com desalento, são os olhos da Democracia.

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PRESENTES

1991. O primeiro Secretário da Câmara dos Deputados, Waldir Pires, pediu que redigisse um Código de Ética para a Casa. Estudei todos os similares no Primeiro Mundo. Com regras sobretudo em relação ao dinheiro público. No capítulo dos presentes, defini aquilo que era prática usual nesses países:

1. Como regra, parlamentares não podem receber presentes do público. Nem ver pagos, por terceiros, jantares ou eventos.

2. Exceções:

2.1. Presentes cujo valor não excedam 1/10 do salário básico do parlamentar.

2.2. Presentes de caráter pessoal, mesmo além desse valor, como quadros quando pintados por algum amigo. Mas só quando o autor não tiver interesse em qualquer matéria que esteja sendo votada no Congresso.

O texto nem chegou a ser aprovado. E, creio, talvez apenas por ser avançado demais para a época. Seja como for, ao menos com relação a esses presentes, devemos nos inspirar hoje nessas regrinhas, para casos similares. Por sua dimensão ética. Sobretudo por não haver, ainda, lei sobre a matéria. Com a matéria sendo regulada em Portarias, apenas.

Temos, agora, dois presidentes da República na berlinda. Um que foi e voltou a ser, outro que também foi e quer voltar (quase impossível, que nossos tribunais não vão deixar ‒ o que ele parece não perceber). Diferentes mas parecidos. E os dois receberam presentes.

Segundo o TCU, Lula e Dilma (ignoro a razão, mas o tribunal trata os dois como um conjunto) receberam 9.037 presentes, dos quais 716 foram extraviados. Lula, especialmente, deveria devolver 434 deles, sem que saibamos quais são. Permanecendo todos, hoje, em 11 containers sob a guarda do Instituto Lula, ao custo até esse ano de 1.3 milhão, bancado pela OAS (sem que se perceba por qual razão uma empreiteira, que confessou ter pago propina no Petrolão, assume esses custos). No meio dos presentes, “Obras de artes e joias”, inclusive um relógio PIAGET.

Já Bolsonaro recebeu 9.158 mimos; todos descritos, na internet, em uma relação detalhada. A maioria sem valor. Como 448 jornais, revistas e livros; 2.600 camisetas, sobretudo de times de futebol ‒ inclusive uma, do Timba, que imagino seja a mais valiosa de todas. Mais 618 bonés, 165 terços, 83 Bíblias, 65 copos, 42 toalhas de banho, um kit de vacina, um ursinho de pelúcia, por aí vai. Quase tudo sem expressão econômica. E mais, segundo a Polícia Federal, 18 itens de “alto valor”. Entre esses um “kit Chopard”, se entendi já devolvido. Aparentemente, falta só um relógio.

Os presentes de valor modesto poderiam, os dois presidentes, fazer deles o que quisessem; mas os tais dois relógios ainda estão nas suas posses, ainda hoje. Cada qual com o seu.. E agora?, eis a questão. Devolvam, o que seria melhor; ou permaneçam, caso assim venha de ser determinado pelas autoridades. Mesmo sabendo que, hoje, ditas autoridades são compostas em grande parte por amigos, parceiros, a companheirada, ou nomeados pelo partido no Poder. Com tribunais que nem sempre obedecem às leis. Chegando Bolsonaro, não é piada, a ser processado por “importunar uma baleia”. Seja como for, cumpra-se o due processo of law.

Em um olhar isento, estão os dois condenados a andar juntos. O que chega a ser engraçado. Como se casados fossem. Única solução que não pode se dar, por ofender o mais comesinho bom senso, é um ficar com seu relógio e o outro ser preso por estar com um relógio similar. Em resumo, pois: ou vão os dois juntos para a cadeia, se for considerado apropriação indébita de patrimônio público; ou nada acontecerá, a qualquer deles.

Único problema é que o Brasil anda meio imprevisível. Em fins de 1968 fui à França. Como sabia que os militares não mais me permitiriam estudar no Brasil, pensei ir para a Sorbonne. Cheguei a falar com seu reitor, Jean Roche. Mas ele desaconselhou. Ainda por conta da revolução de Maio daquele ano, liderada por Cohn-Bendit, Dany le Rouge. A Universidade iria demorar para voltar a suas rotinas. Melhor ir pra outro lugar (acabei em Harvard). E lembro de um muro que então vi em Paris, descendo da igreja do Sacré-Coeur na direção da Place de Terte, que dizia: “Il est trop tard; mais, au moi de Mai, tout est possible” (é tarde demais; porém, no mês de Maio, tudo é possível). Pois é. No Brasil de hoje, senhores, tudo é possível. E seja o que Deus quiser.

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TRENS

No Jornal do Commercio mestre Castilho estampou, em sua coluna (JC Negócios), essa manchete: “Transnordestina quer devolver antiga malha ferroviária do Nordeste”. Não será fácil. E volto ao passado.

O BNDES abriu, no Governo FHC, concorrência para escolher instituição que definisse um modelo de privatização para a Rede Ferroviária Nacional ‒ RFN, estatal que controlava todo o tráfego ferroviário do país. Ganhou o consórcio que integrávamos, liderado pelas duas maiores ferrovias do planeta – uma do Canadá, outra da Austrália. Eram necessários dois currículos de nosso escritório, para o julgamento. Juntei o que já tinha pronto para situações como essas, então com 77 páginas, e pedi a meu pai que preparasse o dele. Na hora de enviar, fui conferir. Escreveu, apenas,

– José Paulo Cavalcanti, advogado no Recife.

– Pai, é uma concorrência, por favor diga mais.

– Profissão e Destino, meu filho. É tudo.

E não admitiu alterar nada. Saudades do Velho. Sem que soubesse completei, seu (mini) currículo, com relação dos 34 trabalhos jurídicos (alguns livros, entre eles) que publicou. E, mais tarde, reduzi meu próprio currículo para seis linhas, prova de que ainda não cheguei no ponto.

A nosso escritório coube examinar o cenário do Nordeste. Num tempo, bom lembrar, em que as estatais eram todas loteadas e dirigidas por políticos, ou gente indicada por eles. Como hoje, “a história se repete” (Maquiavel, O Principe), e não “apenas como farsa” (Marx, 18 Brumário). Lembro aqui parte do que descobrimos, nesse estudo. Alguns pontos, apenas:

1. Total de todos os tributos pagos pela RFN na sua história – 0 (zero). Inclusive impostos de terceiros em suas mãos e contribuições previdenciárias, do empregador ou retidas de seus empregados.

2. Total de ações trabalhistas, com resultados invariavelmente em favor aos trabalhadores (talvez por desídia dos advogados da RFN), calculados por funcionário: 5.6. Pode acreditar, amigo leitor. Cada funcionário era autor de, na média, 5.6 ações contra seu empregador, a RFN. E, coincidência, ganhavam sempre.

3. Total de imóveis pertencentes à RFN: resposta, “entre 11 e 22 mil”. Perguntamos quais, até hoje sem resposta. A empresa, simplesmente, não sabia quantos imóveis tinha. Nem quais seriam.

4. Num estado que fiscalizamos (Maranhão), diferente dos outros, havia computador. Com todas as informações necessárias, é de se presumir, a uma boa administração. Assim nos disseram. Alvissaras. Primeira pergunta, óbvia, “quantos imóveis vocês têm aqui?”. Resposta, “129”. Segunda pergunta, “e quantos estão alugados?”. Resposta, “280”. Dissemos não parecer razoável. Que, se são apenas 129, como podem existir 280 alugados? Resposta, “o computador está com problemas, melhor esquecer”. E desapareceram com ele.

A conclusão de nosso estudo, para o BNDES, é que permanecer com esse tipo de administração seria inviável. Melhor privatizar o que fosse possível. Só que haveria mercado apenas para a rede ferroviária do Sul. Como aconteceu, de fato. E, não, para a do Nordeste.

Em nossa Região, até que houvesse algum interessado, deveria o governo continuar investindo. Por não ser razoável abandonar, à sua sorte, um pedaço tão grande do país. E, dada sua importância para a economia brasileira, ir progressivamente substituindo a malha rodoviária (matriz de nosso transporte, ainda hoje é assim) por ferrovias. Só que pouco foi feito, no Nordeste, desde essa época. E agora temos um problema específico, em Pernambuco; posto que a escolha do porto de Pecém (Ceará), como destino final do modal Nordeste, exclui a transnordestina, que viabilizaria Suape. Seja como for, a simples referência no governo a importância do transporte ferroviário, e que ele volta a ser considerado, já é uma boa notícia. Vamos rezar para que não pare por aí. Nem que seja porque, assim cremos, Deus é nordestino. E torcedor do Timba.

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A ARTE DE APODRECER

VENEZUELA, choramos por ela. Domingo brilharam, nas telas, os Jogos Olímpicos. Em Paris, depois do Recife talvez a mais bela cidade do mundo. Que só é o que é, bom lembrar, graças as relações entre um visionário ‒ o Barão Haussmann, prefeito do Sena, que redesenhou a cidade; com o apoio de Napoleão III (sobrinho do Bonaparte), eleito presidente em 1848 e depois ditador (em 1850) até 1870 ‒ quando foi para o exílio, em Chiselhurst, para morrer em 1873. Um estranho casamento entre o sonho e as baionetas.

Com a dupla nasceram os grandes bosques (de Boulogne, de Vincennes), as Tuileries, o Palais Royal, as Gares (estações) de Trem (Lyon, du Nord), a Ópera Garnier, o Ettoile, hoje Place Charles de Gaulle (para onde convergem 12 avenidas). Houssmann desenhou ainda jardins e grandes avenidas, feitas pela demolição de quarteirões inteiros, de um lado a outro da cidade. Sem pagar nada. Segundo se conta, sitiando o museu do Louvre, havia 22 mil mocambos, derrubados e queimados em um único dia. Difícil fazer isso tudo numa Democracia, pois é…

Pena que, na transmissão, o pessoal da televisão tenha perdido a chance de nos informar direito. “Enfants de la Patrie”, senhores, como está no hino da França, não é “juventude da pátria”, mas “meninos de rua”. “Ça irá” (isso vai), faltou dizer, era o hino dos revolucionários franceses, depois substituído pela Marselhesa. “Flutua, não afunda” (Fluctuat nec Mergitur) é o lema de Paris. “Bel Ami”, nome do barco do Brasil, também poderiam ter dito, é título do talvez mais famoso romance de Guy de Maupassant; com o personagem central, Georges Durox, um pobre sub-oficial da cavalaria nas colônias da França na África, subindo na vida por meios escusos – o que, para o ministro Marcelo Navarro (STJ), poderia ser inspiração para homens públicos e ditadores no mundo inteiro.

E já que de ditador falamos, afinal chegamos na Venezuela. Que sobrevive, importante lembrar, apenas graças ao apoio financeiro dos Estados Unidos. Que, depois da guerra da Ucrânia, deixou de comprar petróleo à Rússia, e passou a ser cliente do país sub-americano (5,5 milhões de barris, só ano passado). São esses dólares de Biden que dão sobrevida a Maduro, o que torna falsa a indignação do presidente americano.

Domingo, como vimos, foi também dia de eleição na Venezuela. Razão pela qual me arrisco a falar de outros personagens de nossa vida pública. Como aquele em Brasília conhecido como Cego (Celso) Amorim que, representando o governo brasileiro, disse “a Democracia (da Venezuela) está consolidada”. O estômago embrulha, perdão.

Também dói ver “Nota Oficial” da Executiva Nacional do PT exaltando “o processo eleitoral que foi democrático e pacífico”. Ainda, “Maduro dialoga com a oposição”. É demais. Pensando bem, trata-se de algo até natural para um partido que não votou em Tancredo (e até expulsou dois de seus membros que o fizeram – a atriz Beth Mendes e o amigo Airton Soares), votou contra a Constituição de 1988, votou contra o Plano Real, votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, por aí vai. Antes que me esqueça, o MST também já manifestou seu apoio a Maduro.

Ainda é ruim ver nossa primeira-dama fazer turismo, à custa dos impostos que pagamos, junto a enorme comitiva. Não nos faz bem. Fosse pouco, em evento na “Aliança Global contra a Fome e a Pobreza”, ainda teve a coragem de dizer que seu marido, neste governo, já tirou “24 milhões de brasileiros da pobreza absoluta”. Como?, senhora. De onde veio isso? Onde?

Por fim, e também, ver nosso presidente posar de oráculo, infalível, como se estivesse acima do bem e do mal; ou como se seus depoimentos, nesse campo, fossem algo decente. É constrangedor. “Não há nada de grave, de anormal, na eleição da Venezuela. É um processo normal e tranquilo”, diz com pompa infantil ‒ esquecendo que, só até terça, já tivemos 11 mortos e quase 800 presos políticos, entre elas lideranças da oposição. E sugere, singelamente, “apresentar a ata. Se (a oposição) tiver dúvida, entra com recurso e espera na Justiça andar o processo”. É uma piada. Só pode ser. Em palavras de José Nêumanne Pinto, “Lula apodrece junto com Maduro”.

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CONVERSAS DE ½ MINUTO (33) ‒ ESCRITORES (I)

Mais conversas, hoje só com escritores, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

ALFREDO GONÇALVES, alfarrabista. Da Nova Eclética, na Calçada do Combro (Lisboa). Por seu intermédio, consegui uma primeira edição de Os Lusíadas. E por mera curiosidade perguntei, ao livreiro, quanto custaria uma d’El ingenioso hidalgo Don Quixote de la Mancha, de Cervantes, primeiro (1605) e segundo (1615) livros. Ele

– Se estiver interessado, sr. dr., vai ter que disputar, que outro cliente já me pediu isso.

– Qual português deseja um livro assim?, amigo.

– Não é português não, é mexicano.

Logo pensei em Carlos Slim (o sobrenome era Salim, até começar a fazer negócios nos Estados Unidos), que já foi o homem mais rico do mundo. E, ainda hoje, é um dos.

– O primeiro nome desse cliente, Alfredo, por acaso seria Carlos?

– Infelizmente, para o sr. dr., sim.

ARIANO SUASSUNA, da ABL. Naquela manhã, Francisco Brennand saiu do Engenho São João e foi pegando amigos pelo caminho. Ariano (que me contou essa história), Rua do Chacon; e Marcelo Carneiro Leão, Avenida Rui Barbosa. Foram, aos Manguinhos, tomar vinho de missa com Dom Coca-Cola – Carlos Coelho, arcebispo de Olinda e Recife (1960–64), desde que substituiu Dom Antônio de Almeida (1951–60). Depois dele veio Dom Helder (1964-1985), que não bebia. No fim da tarde, sem mais garrafas disponíveis, arremataram a programação com um sorvete no Gemba. Chegando em casa, na volta, Marcelo se vira para Ariano

– Agora você, que é escritor, invente uma mentira mais convincente que a verdade. Porque cheio de álcool, como estou, se disser a Hilda que estava conversando com o bispo, e tomando sorvete, ela não vai acreditar.

AURÉLIO, arquiteto carioca. Fim de conferência, na Academia Pernambucana de Letras, me perguntou

– O senhor é desembargador?

– Não.

– Quem é o senhor?

– “Não sou nada”.

Na esperança de que reconhecesse, na resposta, o primeiro verso da Tabacaria de Pessoa. Em vão.

– Nem acadêmico?

– Taí, sou.

– Daqui?

– Também daqui.

– E do Rio?

– É.

– Da Academia Carioca de Letras?

– Não.

– Se não, sobra só a Brasileira.

– Pois é.

– O senhor é de lá?

– Sim.

– Tem certeza?…

BOLIVAR LAMOUNIER, escritor. Ele próprio me contou. Precisava falar com alguém da Casa Ruy Barbosa (Rio) e pediu, à jovem telefonista de seu Instituto,

‒ Ligue pra Ruy Barbosa.

Pouco depois

‒ Doutor, uma tragédia. A mulher que atendeu informou que o Dr. Ruy morreu.

Ele, contendo o riso,

‒ E, agora, vai fazer o quê?

‒ Fique tranquilo. Vou pedir os telefones da família e ligar, para todos, informando que o senhor mandou pêsames.

CELSO FURTADO, economista. Reunião marcada em seu apartamento da Conrado Niemeyer. Uma ruazinha tranquila de Copacabana que se toma, subindo a República do Peru, até quase o morro. Marcou 5 da tarde – “Eram las cinco en punto de la tarde… Eram las cinco em todos los relojes”, como no verso de Lorca em homenagem ao toureiro Ignacio Sánchez Mejías, morto em um triste dia de agosto de 1935. Cheguei antes da hora, não quis subir e tive tempo de ler três inscrições pintadas, com a mesma letra, no asfalto em frente a seu edifício. Duas mais velhas:

– Lídia, nosso amor é mesmo impossível. Adeus, querida. Sempre teu, João.

– Lídia, penso que me enganei. Aposte em nosso amor. Liga, Lídia. Por favor.

E a terceira, mais recente,

– Pô, Lídia, três meses e nenhum telefonema?

Sem assinaturas, as duas seguintes, mas a mesma letra. Mensagem para moradora do edifício, com certeza. Já no apartamento, olhando para baixo de seu terraço, dava para ler aquelas frases escritas na rua. E perguntei, a Celso, como iria findar aquele amor impossível.

– Tem jeito não, é mais fácil consertar o Brasil.

EÇA DE QUEIROZ, romancista. A Editora Ernesto Chardron (do Porto) precisava de dados seus para constar nos livros. E Ramalho Ortigão, velho amigo que com ele escreveu As Farpas, solicitou

– Por favor, mande um pequeno esboço biográfico.

Eça respondeu, em carta de 10/11/1878,

– Eu não tenho história, sou como a República de Andorra.

FERNANDO PESSOA, poeta. Nas idas a Lisboa, para escrever sua biografia, deram-se fatos pitorescos. Relato só um, entre muitos. Quando pretendi visitar o quarto em que viveu, ainda criança, no Largo de São Carlos. Endereço era número 4 de polícia, assim se diz ainda hoje, quarto andar esquerdo (de quem sai do elevador ou da escada). O edifício pertencia, então, à Fidelidade Mundial Seguros. Cheguei na portaria, mostrei os rascunhos do livro e pedi para subir. O porteiro, Fernando José da Costa Araújo, respondeu sem nenhuma simpatia

‒ Não tenho autorização para deixar o sr. dr. subir.

‒ Por favor, gostaria de falar com o diretor da empresa ou sua secretária.

‒ O sr. dr. deve se dirigir à Sede.

‒ Por favor, informe o telefone.

‒ Não tenho autorização para isso.

‒ Pode emprestar (apontei) as Páginas Amarelas?

‒ Não.

Ocorre que, precisamente após sua última frase, abriu-se a porta do elevador. Bem na minha frente. Então lhe disse

– Por favor chame a polícia para me prender que, sem sua autorização, estou subindo ao quarto andar.

E subi mesmo. Para ver o Tejo brilhando, em duas janelas de seu quarto. E o sino da minha aldeia tocando, em frente, no outro lado da Rua Serpa Pinto. Pessoa lembra dele em poema famoso (sem título, sem data) que começa dizendo “Ó sino de minha aldeia”, e finda com esses versos

‒ A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

“O sino da minha aldeia é o da Igreja dos Mártires, ali no Chiado” ‒ (Pessoa, carta de 11/12/1931 para Gaspar Simões, amigo e depois biógrafo). Única que conheço onde os sinos ficam não à frente, mas nos fundos. Ao sair do elevador, na volta, o segurança estava com cara de poucos amigos.

‒ O sr. dr. subiu sem minha autorização?

‒ Foi.

‒ E agora, o que hei de fazer?

‒ O sr. chama a polícia, vou sentar, esperamos e ela decide se me prende. Ou o senhor me deixa ir.

‒ Não sei, sr. dr.

‒ Eu sei.

Dito isto, lhe dei boa tarde e fui embora.

FERNANDO SABINO, romancista. Puxando pela memória, lembrou

– Meu pai tinha um escritoriozinho no porão e aquilo virou uma romaria. Entravam e saíam pessoas que não se sabia quem eram para pedir conselhos. E ele tinha uma espécie de sabedoria familiar muito boa. Eu lembro das coisas que dizia. Por exemplo, quando me via muito nervoso falava meu filho, as coisas são como são e não como deveriam ser. Perfeito só Deus e, esse mesmo, olhe lá.

Após o que completava

– No fim, dá tudo certo. Se não deu, é porque ainda não chegou ao fim.

GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ, escritor. Está no livro O infinito num junco, de Irene Vallejo, essa história que lhe foi contada por Ana Maria Moix. Num restaurante de Barcelona chegaram Márquez, Vargas Llosa (dois prêmios Nobel), Bryce Echenique, Jorge Edwards e outros grandes escritores. Para jantar, era preciso fazer os pedidos por escrito com lápis e papel que vinham junto do cardápio. Mas a conversa era boa, o vinho muito, e esqueceram. Até que o maître, depois de esperar meia hora pelos pedidos e sem mais paciência, chegou perto deles e, com voz de ira, disse bem alto

‒ Mas nessa mesa ninguém sabe escrever?

GERALDINHO CARNEIRO, da ABL. Na Academia Brasileira de Letras, o médico João Veiga pergunta

– O senhor é Gerald Thomas?

– Sou.

Achei graça e disse baixinho, a Veiga,

– Você está falando é com o grande jornalista Zuenir Ventura.

– O senhor é Zuenir?

– Sou.

– Afinal, quem é o senhor?

– Sou quem você quiser que eu seja, doutor.

GILBERTO FREYRE, sociólogo. Assumiu a Cadeira 23 da Academia Pernambucana de Letras em 28/10/1986. Leu o Discurso de Posse, com mais de 100 páginas, não em pé, no púlpito, como é usual; mas sentado, na mesa onde ficam as autoridades. Em sequência, viria o Discurso de Recepção. A ser feito por seu mais íntimo amigo, o sonetista parnasiano Waldemar Lopes. Quando Lopes acabou de saudar as autoridades, e iria começar sua fala, Gilberto agarrou o microfone do presidente e disse

– Acaba logo com isso, Waldemar, que minha bunda está doendo.

HONORÉ DE BALZAC, romancista francês. O Brasil era precioso, para ele, porque “o brasileiro gosta de rir”. Tanto que, na Comédia humana, citou nosso país 22 vezes. E à sua amada, condessa Hanska, disse em carta (de 1840)

‒ Creio que deixarei a França e irei levar meus ossos ao Brasil, num empreendimento louco e que escolhi justamente por causa de sua loucura.

HUMBERTO WERNECK, cronista (e contador de histórias). Ligaram para sua casa

– Alô, senhor Humberto?

– Sim, quem fala?

– Senhor Humberto, aqui é do Lar do Idoso.

– Aqui também.