CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

54 ANOS DE VENERAÇÃO E PRAZER

Aconteceu no ano da graça de 1965. Cheguei em férias a Maceió, na época, eu era tenente do Exército, bonito e solteiro. Estava no meu paraíso, vesti um velho calção de banho desci à praia da Avenida da Paz, mar azul esverdeado, mergulhei, nadei, cheio de felicidade. Dona Zeca havia preparado um almoço de delícias dos Deuses, carapeba, sururu e fritada de camarão. Após o almoço conversando com a família, minha irmã Rosita convidou-me a visitar o acampamento das bandeirantes, ela a chefe. Ao entardecer fui ao Pontal da Barra onde jovens adolescentes se divertiam brincando de escotismo. Logo notei uma lourinha bonita, beleza de anjo que me tocou, tirei-lhe uma graça cantando um trecho de ciranda: “oh galeguinha você é tão bonitinha, engraçadinha, vou me casar com você…”

O tempo passou, anos depois reencontrei a galeguinha, a mulher mais bonita que já vira, meu coração explodiu, fui direto: “Quero casar com você, se possível, amanhã”. Vânia levou na brincadeira, só acreditou com minha insistência de homem apaixonado. Iniciamos o namoro, eu nadava em alegria. Em seu aniversário, agosto, noivamos e casamos dia 9 de janeiro de 1970, há exatamente 54 anos. Durante o curto namoro/noivado, nos divertimos comprando móveis. Para os noivos tudo é belo, eu beirando os 30 anos, Vânia, 21. Todos os dias nos encontrávamos entre abraços, beijos, paixão ardente, hormônios ativos, amor e tara, conseguimos comprar os móveis. Passaram-se 54 anos e ainda beijo seus cabelos que a neve do tempo marcou.

Na noite do 8 de janeiro, véspera do casamento, houve a despedida de solteiro. Os amigos foram se achegando ao Bar do Miltinho na Praça 13 de Maio, tinha o melhor tira-gosto da cidade, cerveja gelada, uísque, cachaça da boa, foi ali a celebração de meu último dia de homem livre. O Bar do Miltinho ficava na Praça Treze de Maio, um recanto bucólico, arborizado, a melhor área verde da região do bairro do Poço. A Praça hoje está acabada, foi construída criminosamente a sede do SESC, por que destroem nossa bela cidade? Se eu fosse prefeito, implodia o SESC, retornava a praça ao povo.

Às oito da noite o bar estava lotado, de repente aparece o Téo Vilela com uma Banda de Pífano, alegrou o encontro. Houve discursos, cantorias, histórias engraçadas e obscena relembradas. Amigos militares junto a amigos comunistas no auge da ditadura, um padre, duas raparigas, uma cafetina, sentadas juntos. Alegre despedida de um boêmio. Terminamos com o dia amanhecendo cantando em ritmo de guerreiro: “A minha turma que bebe um pouquinho no Bar do Miltinho até o sol raiar…”

Dia seguinte, a Catedral lotada de convidados, o Capitão no altar, esperando a noiva que atrasou uma hora, os amigos brincavam que a noiva havia fugido. Até que ela entrou de braços com seu pai, linda, devagar ao som da marcha nupcial, eu tinha os olhos molhados, a imagem em nada mudou, vestida de noiva, sorrindo e querendo chorar.

A cerimônia do casamento foi belíssima. A Banda de Música do 20º Batalhão de Caçadores caprichou nas músicas no auge da MPB, da Bossa Nova. O padre Salomão fez uma emocionante oração sobre a união, o casamento. Após a cerimônia saímos de braços dados, do lado de fora da igreja estavam meus colegas oficiais do Exército com suas espadas cruzadas, fazendo um túnel, a abóboda de aço, por onde, abaixados, atravessamos. Durante a recepção a alegria reinou com uma Banda de Pífano, muito uísque, muitos amigos, está gravada em minha memória aquela noite, mais importante e mais feliz.

Nesses 54 anos, o céu nem sempre foi de Brigadeiro, algumas rotas de colisão, alguns percalços, soubemos enfrentar. Agora nenhuma tempestade poderá fazer nosso barco afundar. Além de tudo, já avistamos a praia do outro lado. Estamos pertos, navegar é preciso e inexorável.

Construímos uma bela família, três filhos, quatro netos, Vânia deixa um legado à sociedade: sua atuação na Justiça sempre ao lado do bem social como Promotora, como Advogada e Professora. Também deixo meu legado nos livros, na cidadania.

Em nossa casa de praia, na parede da sala, está desenhado um verso de meu querido Lêdo Ivo: “Na Barra de São Miguel, diante do mar, só agora compreendi, o dia mais longo de um homem dura menos que um relâmpago.”

Esses 54 anos tornaram-se um relâmpago. Resta apenas o carinho, a veneração e a felicidade em estarmos juntos, antes do último clarão do relâmpago.

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

DE MÃOS DADAS

Antonieta acordou-se com leve dor de cabeça e um amargo na boca, havia bebido na noite anterior. Ainda deitada desligou o ar condicionado. Veio-lhe a imagem, detalhes da tarde de amor, Luciano, terno, carinhoso, ao mesmo tempo selvagem, deixou-a em êxtase duas vezes, quase desmaia. Jamais pensou ficar apaixonada por um homem mais velho, poderia ser seu pai. Ela não tinha algum sentimento de culpa, pouco lhe importava aquela situação camuflada de namorar um homem mais velho e casado. Sem problema para ela, bem melhor que Elizeu, ex marido, Luciano usava a experiência, sabia trabalhar nos pontos sensíveis de uma mulher, devagar, sem pressa, ficava a explorar sua anatomia, enquanto Elizeu era um desastre na cama, apesar do belo corpo jovem. Ele bebia muito, cheirava; na hora do amor pensava apenas em satisfazer-se.

Antonieta aguentou apenas dois anos de casada, e não tinha saudade daquela época. Hoje, é uma mulher livre, faz o que quer, até um caso de amor com um homem maduro. Na véspera, depois da estonteante tarde de amor, Antonieta, satisfeita da vida, juntou-se a um grupo de amigos na balada noturna, dançou e bebeu até quase o dia amanhecer.

Ainda deitada saiu do devaneio ao olhar o relógio, 11:30 horas. Levantou-se, abriu a cortina de seu apartamento na praia de Jatiúca, alegrou-se ao contemplar o dia ensolarado, a luminosa manhã. O mar de um verde esmeralda com matizes azul turquesa, convidativo a um mergulho. Contemplando do alto da janela deu-lhe uma sensação de bem estar, amava sua cidade, sua praia, a vida bela.

Na sala encontrou os pais, a irmã mais nova.

– Tieta querida, a noitada foi boa, sua cara de ressaca não nega. – Entregou a irmã.

– Foi ótima, saí com as amigas, eu posso, sou adulta, independente, dona do meu nariz.

Conversavam enquanto Antonieta preparava um lanche na cozinha. O celular tocou, era Didi. Toda mulher bonita, gostosa, separada, tem um amigo homossexual. Didi não parece homo, não dá para notar sua opção sexual até ele abrir a boca. Tieta atendeu.

– Diga Didizinho querido! Como está vossa excelência?

– Estou à toa na vida, quero saber da programação nesse belo sábado, que tal nos encontramos numa barraca de praia, para um bom chope? Depois seja o que Deus quiser. Esse dia ensoralado é um convite para desmantelo.

– Fechado, a uma hora na Barraca Pedra Virada, tem sempre amigos curtindo uma cervejinha.

A mãe ouvindo a conversa, não perdeu oportunidade para um conselho e um puxão de orelha.

– Tieta, você já vai sair? Daqui a pouco fica falada, não arranja outro marido. Esse Didi parece, mas não é homem, cuidado com a vida. Quero que você se divirta, com juízo.

– Minha mãe essa vida é curta, ou eu me divirto ou tenho juízo; os dois são incompatíveis. – Deu uma gargalhada.

Antonieta deu partida no carro rumo ao encontro, tomou a Avenida Beira Mar. De repente, sinal vermelho, ela freou, ficou à espera, ao olhar de lado teve um susto. Seu amado Luciano entrava num restaurante de mãos dadas com a esposa. Deu-lhe uma sensação de mal estar, acabou-se a alegria, veio-lhe um profundo ciúme do fundo da alma. Precisou uma buzinada para acordá-la ao abrir sinal, acelerou o carro, mais adiante parou no acostamento, colocou a cabeça entre as mãos por cima do volante, chorou de raiva e pena de si mesma. Ao se recuperar retomou a Avenida Beira Mar.

Didi esperava sentado, camisa vermelha, bem penteado, moço bonito, elegante, copo de cerveja na mão, peixinho frito na outra, ao vê-la fez sinal. Antonieta achegou-se devagar, sentou-se, queria tomar um porre, contou ao amigo o encontro inesperado com o amado Luciano.

– Você diz não ter preconceito, aceita esse amor proibido. Faz análise, tem cabeça boa, não entendo esse choque, esse chilique ao ver Luciano e a esposa. –  Provocou-a Didi.

– De mãozinhas dadas com a esposa! De mãozinhas dadas não dá para aguentar!

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

EU E A BRASKEM (3ª PARTE E ÚLTIMA)

Não poderia deixar de prestar algum depoimento sobre a Fábrica de Produtos Químicos, Braskem. Essa é a 3ª e última parte, muitos problemas e acontecimentos foram notórios e publicados desde que a fábrica começou a funcionar em 1975. Assim que surgiu a notícia que uma fábrica de produtos químicos, Salgema (Braskem) seria instalada entre a praia e a lagoa no bairro do Trapiche, os valores dos imóveis despencaram nos bairros vizinhos. O bairro do Trapiche seria a futura expansão urbana da classe média, uma nova Ponta Verde. Nenhuma casa nova foi construída nesses 47 anos de funcionamento da BRASKEM, por medo da possibilidade de vazamento de produtos clorados.

Para entender melhor. Foi descoberta uma grande mina de Salgema (Salmoura) no subsolo da lagoa Mundaú, nos bairros de Bebedouro, Mutange, Pinheiro, Bom Parto e uma parte do Farol. A fábrica Braskem escavou 35 minas durante esses anos, extraindo a Salmoura para ser beneficiada pela fábrica do Trapiche por meio da eletrólise separam o Cloro do Sódio, fabricando e exportando produtos básicos para plásticos.

O grande perigo seria um vazamento de cloro. A inalação do cloro causa asfixia na garganta e no peito. O gás cloro é letal foi a primeira arma química utilizada em guerras em 1915 (e proibida usá-las pelo Tratado de Genebra). Esse o grande motivo da desvalorização dos imóveis. Todos os dias, às 10 horas da manhã, o Departamento de Segurança da Braskem liga uma estridente e apavorante sirene como exercícios de fuga, ouvida em toda região. A Braskem tem excelente esquema de segurança (dizem eles), mas, já aconteceram no mundo acidentes de gravíssimas consequências, como numa fábrica de produtos químicos em Bophal na Índia em 1984, quando morreram mais de 6.000 funcionários e moradores dos arredores num vazamento de gás mortífero ainda hoje não explicado (procurem na Internet essa história).

Em 1985, os então estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Érico Abreu e Mário Lima, preocupados com a possibilidade de um acidente semelhante ocorrer na BRASKEM, produziram um material investigativo sobre as consequências da extração de salmoura na Lagoa. Concluíram dentre as possibilidades, estava a de tremores e rebaixamento no solo de áreas próximas às minas. Érico Abreu considera o alerta feito há trinta anos, uma espécie de previsão. Em 2015 aconteceram vários pequenos terremotos, rachando as casas com perigo de afundar. 60.000 moradores foram desalojados da região.

Em 2009 fui convidado e com muita honra passei oito anos como Secretário de Cultura da cidade histórica de Marechal Deodoro. O prefeito deu-me a missão de realizar uma Festa Literária nos moldes da FLIP em Paraty. Planejei durante alguns meses, para realizar a FLIMAR, o orçamento estourou. Deram-me a ideia de solicitar as 11 passagens dos grandes escritores à BRASKEM. Achei até que seria uma obrigação da fábrica pois a cidade de Marechal fica nas proximidades. Fui bem recebido pelos diretor, não teve problema em cooperar com as 11 passagens, desde que colocássemos a logomarca da BRASKEM em folhetos, site, auditórios e distribuísse propaganda da BRASKEM ao povo durante os quatro dias de evento. A 1ª FLIMAR foi um sucesso à nível nacional.

No ano seguinte retornei à BRASKEM, eles ofereceram a colocar trenzinho para conhecer a cidade e convidar grandes nomes não só da literatura como também da música. Assim a FLIMAR cresceu nos outros anos. Era um negócio como outro qualquer, a BRASKEM nos dava parte das precisões em troca de espaços para propaganda. Era importante para eles a propaganda na comunidade. Nesses oito anos eu fui oportuno, todos os anos me convidavam para entregar o Prêmio Braskem instituído exclusivamente à Imprensa com concurso de reportagens ambientais. A entrega dos Prêmios era festa de arromba com artistas globais.

Quando eu soube que a BRASKEM iria instalar a segunda fábrica no município de Marechal Deodoro, duplicando a produção. Falei com Prefeito, Secretário de Meio Ambiente, mas já estava tudo pronto, a Odebrecht construiu a fábrica em um ano. Em 2013 assisti a inauguração da 2ª fábrica da Braskem em Marechal, na ocasião tive a honra em apertar a mão da presidente Dilma Roussef.

Em 2015 aconteceram os primeiros terremotos e a previsão dos jornalistas: Mário Lima e Érico Abreu. O restante da histórias todos conhecem, mas, consultem à Internet ou leiam o excelente livro: “Rasgando a Cortina de Silêncios”. A mim, resta acompanhar milhões de alagoanos gritando: FORA BRASKEM!

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

EU E A BRASKEM (II)

O Trapiche da Barra é um dos bairros mais antigos de Maceió. Começou com um porto na lagoa Mundaú que transportava mercadorias e passageiros aos povoados e pequenas cidades à margem da imensa lagoa. Aos poucos, o bairro foi se modernizando. A classe média e a alta descobriram a beleza, o clima de constante brisa e a excelente qualidade de vida. Um paraíso entre a lagoa e o mar.

Nos anos 70 o bairro do Trapiche da Barra tinha se transformado no futuro urbano de Maceió. No bairro construíram uma ótima infraestrutura: Escolas, Universidade, o “Campus Tamandaré”, Faculdade de Medicina, Hospital Carneiro, Hospital do Pronto Socorro, Ginásio Esportivo Completo, o Trapichão (Estádio Rei Pelé), Supermercados, Motonáutica Clube, comunidade das mulheres rendeiras, cemitério, praças, entre outros equipamentos urbanos e culturais. O Trapiche estava pronto para o futuro. Construíram belas casas, já se pensava na construção vertical entre edifícios e hotéis, competindo com a Pajuçara e Ponta Verde, quando estourou a bomba.

“No bairro do Trapiche da Barra será instalada uma fábrica de produtos químicos aproveitando as jazidas de Salmoura no sub solo da lagoa Mundaú nos bairros da região de Bebedouro”.

Para nós que já tínhamos comprado um terreno pensando em construir um edifício de seis andares, 18 apartamentos com vista para o mar e a lagoa, foi uma tristeza. Apenas alguns ecologistas, alguns estudantes fizeram manifestações contra a implantação da Fábrica Salgema (Braskem). Com a notícia, os imóveis da região foram desvalorizados estupidamente. Desistimos de construir o primeiro belo edifício do Trapiche. Acabaram com o futuro da região. O movimento ambientalista ainda era incipiente. No tempo da ditadura o Sistema Econômico era forte. Aliás, até hoje os Podres Poderes continuam musculosos.

Em 1976, quatro meses antes de iniciar o funcionamento da Fábrica Salgema (Braskem), houve uma reunião com os chefões da Fábrica, Polícia Militar, Bombeiros, autoridades e o pró reitor Radjalma Cavalcante do Campus Tamandaré que funcionava na antiga Escola de Aprendizes de Marinheiro, no final da restinga. Abriram a reunião, um Chefão dirigiu-se ao pró reitor Radjalma perguntando.

– Quantos alunos e funcionários tem o “Campus Tamandaré”, senhor Reitor?

– Cerca de 3.000 (três mil) entre funcionários e alunos. Respondeu Radjalma prontamente.

– Dentro de três meses a fábrica Salgema estará funcionando. E para maior segurança em um eventual vazamento de cloro ou outro produto, é necessário que a Universidade Federal de Alagoas adquira 3.000 (três mil) máscaras contra gases para os alunos e construa um galpão revestido de protetor contra gases tóxicos, que caiba 3.000 (três mil) pessoas. – Ordenou o Chefão como se o resto do mundo fosse à ele subordinado.

– A Universidade Federal de Alagoas não tem dotação para comprar as máscaras, nem de construir esse galpão. – Respondeu prontamente o Pró-Reitor Radjalma Cavalcante olhando nos olhos do Chefão.

– Isso é problema da Universidade.

Encerrou bruscamente a reunião e partiu sem conversa o Chefão.

A Fábrica Salgema (Braskem) iniciou sua produção de matérias cloradas expulsando 3.000 (três mil) estudantes universitários do Pontal da Barra no Trapiche, acabou com o “Campus Tamandaré”. Essa história, o brilhante professor Radjalma Cavalcante contava abertamente em qualquer lugar.

Alguns amigos ainda lembram com saudades do “Campus Tamandaré” onde estudavam cerca de 3.000 universitários. A UFAL teve que alugar urgente algumas casas até terminar a construção e inaugurar a Cidade Universitária no Tabuleiro. 

(continua na próxima coluna)

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

EU E A BRASKEM (I)

Fábrica Braskem, entre o mar, a lagoa Mundaú e encravada na parte urbana do bairro do Trapiche

Éramos meninos, meninos, maloqueiros e reis de um paraíso, nosso reinado: a bela cidade de Maceió. A praia da Avenida da Paz, o coreto, era o ponto de encontro da boa turma divertida. Entre nós não havia diferença social, racial ou religiosa. Havia uma escala de valores: quem melhor jogava ou nadava ou os melhores contadores de histórias. Infância feliz, livre, leve e solta. De repente a puberdade, fomos descobrindo seus encantos.

Pela manhã, logo cedo, hora do racha, futebol na areia branca e limpa. Ainda suados um mergulho no mar azul esverdeado, calmo e transparente. Muitas vezes corríamos até o final a praia do Trapiche da Barra. O ponto de referência na praia era o Morro Tom Mix. Belas dunas do Trapiche e seus imensos coqueiros. Subíamos as dunas com o pé enfiando na areia. Em cima, nos sentíamos donos do mundo. Descíamos pelo lado oposto onde se espelhava a enorme, tranquila e belíssima Lagoa Mundaú com suas ilhas cheias de coqueiros, suas garças voando rente ao espelho d’água, pescando o sustento de seus filhotes em ninhos bem escondidos. Lagoa adentro inúmeros pescadores jogavam tarrafas pescando carapeba, tainha e outros tipos de peixe. Marisqueiras peneirando catavam sururu. Nosso bando percorria a Lagoa Mãe, divertindo-se, descobrindo coisas bonitas e malvadamente matando passarinhos com atiradeiras que levávamos no bolso.

No retorno subíamos o Morro Tom Mix e descíamos pelo o lado da praia sentados em palhas de coqueiros, dava uma sensação gostosa na barriga enquanto escorregávamos sentados nas palhas. Tínhamos inventado o “skybunda”, hoje uma brincadeira adorável nas praias onde existem dunas ou morros. As Dunas do Trapiche, o morro Tom Mix nos fascinavam. De um lado, um mar azul esverdeado e do outro, a Lagoa Mundaú, mãe dos pescadores. Nesse paraíso crescemos, ele ainda vive em nossas almas.

Às vezes partíamos para outros locais, como o Vale do Riacho Salgadinho, onde havia vários sítios. Pulávamos a cerca e ligeiro surrupiávamos: coco, cana, melancia, manga e outras frutas. Era nosso lanche divertido à beira do Salgadinho. Às vezes pescávamos naquela água límpida do riacho que corta toda cidade de Maceió.

O tempo foi dispersando cada menino da Avenida da Paz. Nos anos 70 eu me formei engenheiro, passei a trabalhar na Construtora de um amigo, iniciamos a construir edifícios de apartamento na orla de Maceió. Certa dia o chefe, um visionário, apareceu alegre, havia comprado um terreno na praia do Trapiche para construir um edifício com vista da praia e da lagoa Mundaú. No bairro do Trapiche já havia uma ocupação urbana com belas casas. Na época do início de construção de edifícios na praia de Pajuçara, Ponta Verde, meu chefe, enxergou mais longe. A expansão urbana da cidade seria o belo bairro do Trapiche, o bairro do futuro. Todos os dias havia reunião de planejamento e de um projeto moderno do Edifício do Trapiche. Éramos entusiasmados por aquela obra, o projeto pioneiro faria sucesso, competindo com os incipientes edifícios das praias de Pajuçara e Ponta Verde

Até que um dia nos chegou a sinistra, a trágica notícia: Uma fábrica de produtos químicos clorados seria instaladas entre a praia do Trapiche a lagoa Mundaú. A partir daquele dia houve uma polêmica entre a população pela periculosidade de uma fábrica de produtos de cloro (elemento letal). A Imprensa ajudou a espalhar a mentira que a fábrica traria mais de 2.000 empregos e seria a redenção econômica do Estado. A fábrica iria transformar em produtos químicos a matéria prima, SALGEMA, encontrada em descomunais quantidades no sub solo na Lagoa Mundaú. Poucas vozes surgiram contra a Instalação da Salgema, uma delas, Dr. José Geraldo Marques ainda ecoa, e se tornou líder contra a instalação da fábrica. O Governo Federal, o Poder Econômico, a Petrobrás, interessados, sempre foram bem mais fortes e naquela época não havia consciência ambiental. Não teve jeito, por imposição dos poderosos e da ditadura, a Fábrica Salgema foi instalada numa região de fragilidade ambiental entre o mar e a lagoa. Terraplenaram o Morro Tom Mix, as dunas de minha infância, deu-me uma tristeza! A notícia foi suficiente para desvalorizar todos os imóveis do bairro do Trapiche da Barra e circunvizinhança.

(continua na próxima coluna)

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

A BRIGA DO SÉCULO: CAPIXABA x PORRETA

Osvaldo Carlos do Rego Couto, de apelido Capixaba por ter nascido no Espírito Santo, filho do Coronel Couto, criou-se praia da Avenida da Paz. Forte, musculoso, xodó das meninas, cuidava de seu corpo. Foi meu colega na Escola Preparatória de Cadetes em Fortaleza, atleta de primeira grandeza, excelente ponta direita, não quis continuar a carreira militar. Desde cedo apreciou boas mulheres, bons papos, inteligência e raciocínio rápidos lhe davam o toque de bom humor e alegria. Contador de história nato; prendia atenção ao contar suas aventuras.

Mudou-se para Brasília, nunca perdeu o contato com os companheiros de juventude, gentil, quando visitava Maceió distribuía presentes entre os amigos. Tinha simpatia e alegria, inatas, um ser humano de bem com a vida. Na última vez que almoçamos juntos, festa de fim-de-ano do Cáu, relembramos grandes noitadas, aventuras de jovens cheios de sonhos e até irresponsabilidades. A vida de Capixaba é um livro bem humorado, ainda não escrito.

Capixaba gostava de carnaval, certa vez nós estávamos fazendo o passo no Bloco Cavaleiro dos Montes numa manhã quente de Banho de Mar à Fantasia, a moçada enlouquecia ao tocar o frevo Vassourinhas. Eu vi quando Capixaba recebeu uma cotovelada na cara, caiu no asfalto, atordoado. Ao recuperar-se da pancada identifiquei o agressor, mas não tive a petulância de partir para briga contra o agressor de meu amigo, era nada mais, nada menos que Porreta, um baiano, alto, forte, arruaceiro de zona, certa vez lutou e bateu em três policiais na Boate Tabariz em Jaraguá. Porreta, conhecido nas baixas rodas por ser briguento e homossexual, era o “Madame Satã” de Maceió. Todos tinham medo de Porreta, bicha macho para ninguém botar defeito. Capixaba inconformado, desafiou o baiano para um duelo, tipo Vale Tudo dali a um mês, na Praça Sinimbu à noite. Porreta não refugou, topou a parada.

Capixaba começou a preparar-se para grande luta. Boêmios, prostitutas, policiais, políticos, desocupados, estudantes, comentavam o duelo marcado, causou a maior expectativa na cidade.

Capixaba começou a treinar. Corria diariamente às cinco da manhã do coreto da Avenida ao Morro Tom Mix, uma linda duna demolida na praia do Trapiche pela Salgema (Braskem).

Naquela época, Nezito Mourão, um dos maiores beques do Brasil, jogou pelo CRB, depois jogou no Santos com Pelé, campeão do mundo em 61-62, havia aberto uma Academia de Boxe. Capixaba matriculou-se, recebeu aulas técnicas de murros e defesas, preparando-se para enfrentar o Porreta. Certa vez “brigaram” em treinamento, Capixaba de repente aproveitou uma guarda aberta de Mourão, deu-lhe um soco no olho, zonzou, Nezito tentou dar o troco no indisciplinado aluno, entretanto, Capixaba com medo do revide correu em disparada foi bater em Marechal Deodoro. Fez parte do treinamento.

Certa manhã, nós estávamos conversando sentados num banco da Avenida da Paz, quando Capixaba avistou dois marinheiros ingleses caminhando em direção ao cais do porto, ele gritou “Son of bich”, os marinheiros não gostaram, continuaram a caminhada, Capixaba correu atrás, provocando, deu uma tapa em cada inglês. Iniciou no calçadão uma briga de cinema, dois contra um. Lutaram até cansar. Certo momento Capixaba correu da luta, dizia ser treinamento para enfrentar Porreta.

Afinal, chegou a noite esperada ansiosamente pela população de Maceió. Alguns amigos acompanharam nosso herói até a Praça Sinimbu. Ao se aproximar do local, Capixaba ouviu o grito provocativo do Porreta com as mãos nos quartos, “Preparou-se para levar a maior surra de sua vida?”

Capixaba tirou seus sapatos, a camisa, o relógio, me pediu para guardar. arregaçou a calça. A assistência formou um círculo deixando os dois lutadores no centro. Aconteceu uma das maiores lutas presenciadas nas Alagoas e alhures. Primeiros movimentos, os adversários se estudando, alguns ataques, outras defesas, jogo de pernas. De repente rápidos murros, socos na cara, na barriga, às vezes se atracavam, se soltavam, não havia juiz para separar. Esmurraram-se, se digladiaram por mais de uma hora, suavam, sangravam.

Estavam cansados, Capixaba distraiu a guarda, Porreta aproveitou, acertou um soco desconcertante na cara, nosso amigo caiu no chão, jorrando sangue pela boca. A raiva subiu para cabeça, Capixaba num ímpeto surpreendente levantou-se num pulo dando cabeçada no peito do atônito Porreta. “Madame Satã” caiu de costas, abriu a cabeça no calçamento, sangrou. Ato contínuo, Capixaba montou em Porreta, não perdoou, esmurrando-o incessantemente.

Retiraram Capixaba de cima de “Madame Satã” nocauteado, sangrando. Imediatamente levaram-no para o Pronto Socorro, quatro dentes quebrados, muito sangue. Assim terminou o reinado de Porreta, o baiano mais macho do Brasil.

Capixaba também acabou seu reinado nesse mundo, foi-se embora meu querido amigo. Resta agora lembranças, contar suas histórias, ou dançar um tango.

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

O MILAGRE

Riacho Poxim – Coruripe – Alagoas

Sangrando à bala no ombro esquerdo Vadinho conseguiu com dificuldade atracar a canoa à beira do riacho Poxim. Levantou, ajudou Tereza a sair do barco. Sua namorada também baleada; o tiro acertou o medalhão de Santa Terezinha que ela o levava no pescoço, a bala amassou e resvalou. Os dois abraçados caminharam devagar em direção ao Posto de Saúde do povoado. Durante o percurso, amigos e moradores notando o sangue nas vestes do casal, acudiram e ajudaram. Eram onze horas da manhã daquele sábado meio nublado. O Doutor Luiz prestava consulta ao povo da região. Ao ver Vadinho entrar ensanguentado, o médico levantou-se, enquanto a enfermeira deitou o ferido na cama sala de curativos, retirou-lhe a camisa, constatou que uma bala havia penetrado, o ferimento sangrava. Em poucos minutos o médico anestesiou o local do ferimento, extraiu a pequena bala calibre 22, estancou e limpou o sangue, espalhou pomada, costurou alguns pontos, encobriu o ferimento com gaze e esparadrapo.

– Está pronto para outra. Pode ir em paz, Vadinho. Cuidado com a vida.

– Obrigado Doutor Luiz, foi sorte encontrar o senhor aqui.

– Fui contratado para atender o povoado do Poxim aos sábados, cumpro minha obrigação, mas não estou dando conta. Há necessidade de mais médicos todos os dias. Exijam ao Prefeito.

Tereza na sala de espera do Posto, apreensiva, segurava e beijava o medalhão de Santa Terezinha amassado pela bala que acertou, amassou e resvalou pelo seu corpo. Enquanto atendiam Vadinho, ela contava e repetia os detalhes aos que lotavam o Posto. Uma senhora passando dos 60 anos, fanática adoradora de Santa Terezinha, ao ouvir a história da medalha, como uma explosão saiu caminhando pelo povoado, beijando sua medalha de Santa Terezinha no peito e anunciando, gritando.

– Milagre! Milagre! Milagre!

Tereza continuou contando os tiros que ela e Vadinho levaram.

– Quando notei João de Antônia à beira do rio apontando o revólver e atirando, gritei por socorro. Quando a bala bateu no centro do medalhão, me desequilibrei e caí no fundo da canoa meio atordoada. Vadinho pensou que eu tinha morrido, largou o remo, abraçou-me chorando, gritando que me amava, que eu não morresse. Nesse momento, outro tiro atingiu-lhe o ombro. A dor de me perder era maior, ele continuava me abraçando e chorando. Ao notar que eu abri os olhos e estava viva, ele sorriu feliz. Ficamos abraçados no fundo da canoa. Só nos levantamos quando João de Antônia ligou o carro e fugiu. Vadinho em poucas remadas conseguiu atracar a canoa à beira do rio.

Zé do Grilo, Betoca e Quincas da Marieta, três desocupados que bebiam no Bar do Chico assistiram aos fatos. Zé do Grilo com sua fanfarronice, aproveitou a oportunidade. Contando a todos que chegavam ao bar para tomar uma birita lhe prestavam à maior atenção.

– Chegamos ao Bar do Chico vi ainda Vadinho desatracar a canoa e navegar rio abaixo com Tereza. Não tinha dado dez horas quando apareceram no Bar do Chico, João de Antônia e Inácio, os dois bêbados que nem um gambá, tinham virado a noite numa casa de raparigas de Coruripe. Tomavam a saideira no Bar do Chico, de repente João de Antônia, gritou: “-Filhos de uma puta!!”. Eu vi que Vadinho e Tereza chegavam na canoa Flor do Poxim. João desceu à beira do rio, puxou um revólver, atirou três vezes em direção à canoa que chegava. O primeiro tiro acertou em Tereza que e caiu no fundo da canoa; o segundo tiro, errou; e o terceiro tiro acertou no ombro Vadinho. Tereza estava morta. Os dois deitaram-se abraçados no fundo da canoa. Quando João de Antônia fugiu, eu assisti o milagre, Tereza ressuscitou abraçada à Vadinho que levantou-se ferido, pegou o remo e conseguiu atracar a canoa.

Milagre! Milagre! Milagre. Diziam no Bar do Chico, em poucas horas todo povoado queria abraçar Tereza e segurar a medalha amassada pelo tiro. Vadinho, depois de tratado, sentou a namorada num banco aproveitando a sombra de um figueira de 200 anos.

Foi quando o povo teve a oportunidade de segurar a Medalha Milagrosa por apenas R$ 2,00 que caíam direto no bolso do ferido, o astuto, namorado de Tereza. No final do dia, não se sabe como, o povo, os amigos de Tereza já haviam promovida pelas leis canônicas do povo, como Beata Tereza. Assim surgiu a beata mais bondosa, carinhosa, bonita, fogosa e desejada beata do Nordeste Brasileiro.

Primeira página de meu novo romance: BEATA TEREZA CANSADA DE REZA

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

RAPADURA, OURO NORDESTINO

Tinha de estudar muito, só passava quem soubesse. Não havia cola (o professor entregava a prova, saía da sala, só retornava para recolher na hora determinada, ninguém colava, era parte do nosso Código de Honra, não escrito). O dia do cadete estudante iniciava às seis horas da manhã com o toque da alvorada, imediatamente todos faziam a higiene pessoal, arrumavam as camas, limpavam banheiros e privadas. Vestiam a farda, ficavam prontos para mais um dia de estudo e instruções que só terminava com o toque de silêncio pelo corneteiro às 22 horas.

Havia momentos de lazer, principalmente nos fins de semana. Sem pai, nem mãe, nem irmãos, os colegas tornaram-se nossa nova família. Uma amizade fortalecida entre os irmãos de armas que conviveram juntos por seis anos, incluindo a Academia Militar das Agulhas Negras, conseguimos o objetivo maior: ser oficial do Exército Brasileiro. Essa irmandade entre cadetes da mesma turma é indissolúvel e respeitosa. Alguns colegas deixaram a carreira pelo meio, fui um deles, deixei a carreira militar como capitão. Porém, a maioria continuou com muito esforço e estudo cursando a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, Estado Maior, Escola Superior de Guerra, entre inúmeros cursos. Difícil é chegar a general, dos 77 colegas de 1956 apenas dois galgaram ao posto de general.

Quando termina o curso da Academia Militar das Agulhas Negras os novos oficiais são distribuídos para servir nos mais diversos e longínquo locais do Brasil: Cucuí na Amazônia , Cruz Alta, Cuiabá, e outras cidades melhores e piores, dependendo da classificação. Eu fui servir no 19º BC em Salvador.

O tempo passou, os colegas dispersaram, até que em 1994 o General Rômulo Bini, comandante da guarnição de Natal resolveu organizar um encontro de nossa turma. A partir daquele ano, essas reuniões tornaram-se constantes trazendo alegria e muitas recordações, brincadeiras, passamos a ser cadetes novamente. Este ano haveria uma reunião em Maceió dos OITENTÕES, a maioria daqueles meninos de 1956 completa 80 anos em 2020, mas a pandemia não deixou, ficou adiada para 2021.

Foi numa dessas reuniões que Rocha, aluno 108, laureado primeiro de turma, Porta-Bandeira da Escola Preparatória, contou-me a história da bomba. Confirmada pelo coronel Wanderley, o maior goleiro que passou pela Academia Militar.

Wanderley, paulista de Lorena, foi um dos colegas da Escola de Fortaleza. No tempo de Ceará ele apaixonou-se pela comida nordestina: carne de sol, peixe frito, frutas regionais, mangaba, pinha, e principalmente a rapadura.

No final dos anos 60, eram capitães. Rocha de Engenharia servia na Fabrica de Material Bélico em Piquete e Wanderley de Infantaria, servia no 5º RI de Lorena, cidades próximas. O fato se deu na época de repressão e terrorismo em alta escala, principalmente em São Paulo, onde aconteceram vários ataques terroristas a quartéis do Exército e o caso da fuga do Capitão Lamarca, nosso contemporâneo na AMAN.

Rocha depois de uma viagem de férias ao Jati no Ceará, onde mora, trouxe, como sempre, deliciosas rapaduras para o amigo Wanderley.

Era um dia de quarta-feira à tarde, não havia expediente no 5º RI. Rocha, apressado, parou o carro em frente ao quartel, chamou um soldado e entregou-lhe o pacote de rapaduras embrulhadas em palha de milho, envolta em papel de jornal, pediu para entregar ao Capitão Wanderley. Deu partida no carro rumo a Piquete.

Nesse momento o tenente, oficial de dia observava o movimento pela janela, percebeu quando o soldado recebeu o pacote. O tenente saiu da sala correndo, ordenou ao soldado colocar o embrulho no chão do pátio, mandou tocar alarme geral e gritava: Cuidado é uma bomba !

Soldados que estavam dentro do quartel, tomaram posições estratégicas, atrás de colunas e paredes, vigiando, ao longe, a ”bomba”, imóvel, soberba no meio do pátio.

O quarteirão foi interditado, o transito desviado, ninguém podia se aproximar do quartel. Logo a mídia tomou conhecimento, encheu os prédios vizinhos de câmara de televisão de onde filmavam a bomba no meio do pátio, esperando especialista de São Paulo para desativá-la.

Naquela tarde, o Capitão Wanderley vinha de uma pescaria e notou um movimento estranho, se dirigiu ao quartel. Os soldados contaram o que estava ocorrendo ao capitão. Wanderley entrou no quartel, ao olhar o pacote da bomba, reconheceu os abençoados pacotes que o Capitão Rocha lhe trazia. Contou sua versão sobre a rapadura ao tenente, que nessa altura não admitia outra hipótese, era uma bomba.

Os soldados abrigados por trás das colunas ficaram apavorados com a aproximação do capitão em direção ao pacote. Wanderley nem ligou os gritos de atenção, só pensava na deliciosa rapadura. A expectativa e o silêncio tomaram conta dentro e fora do quartel nos edifícios. Wanderley chegou junto, acocorou-se segurando o pacote, foi abrindo pelos lados, tirou as palhas de bananeiras até aparecer algumas barras douradas de rapadura, o ouro nordestino. Com os dedos quebrou um pedaço, levou-o a boca, saiu mastigando, andando devagar, com o pacote no sovaco, deixando a plateia pasmada e a imprensa frustrada.

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

A MALUCA TRICOLOR

O Brasil inteiro estourou. Fluminense Campeão das Américas, levantou a Taça Libertadores da América no templo do futebol brasileiro, o Estádio Municipal do Maracanã. O sábado 4 de novembro foi um dia histórico para o futebol brasileiro. A vitória do Tricolor das Laranjeiras em cima do arquirrival argentino Boca Júnior, mexeu com todo o Brasil de Norte a Sul. Torcedores de outros times entraram na alegria e na celebração. A Taça Libertadores da América equivale ao Campeão da América que disputará em dezembro o título mundial contra os clubes campões de outros continentes.

Livaldo é torcedor fanático, assistiu ao jogo no apartamento dos pais. Emborcou bastante uísque e cerveja. Quase morria do coração quando o Boca empatou. Ao começar a prorrogação assistiu o resto do jogo ajoelhado junto à televisão. Quando John Kenedy fez o golaço da vitória, os pais de Livaldo tiveram medo dele ter um ataque cardíaco. O jogo terminou não poderia haver no mundo uma alegria maior que a de Livaldo. Assistiu na televisão todos os comentários, a entrega de medalhas, as repetições dos gols. Durante à noite saiu a pé de bar em bar até encontrar alguma turma comemorando com bandeiras na mesa. Abraçou os tricolores, sentou-se à mesa àquela altura cantaram, beberam.

Livaldo queria ver mais tricolores pela cidade para curtir aquela noite maravilhosa, despediu-se dos amigos e caminhou devagar pelo calçadão da Praia da Jatiúca, uma festa. De repente avistou ao longe uma moça na praia bem iluminada de vestido longo verde, faixa branca na cintura, fone no ouvido, descalça, dançando sozinha na areia. As pequenas ondas cobriam seus pés molhando e a ponta do vestido, ela dançava, se requebrava, tendo o mar como companheiro. Livaldo sorriu com a bêbada maluca, continuou sua andança até que retornou. Ao passar novamente pelo local da bêbada notou que ela calçava as sandálias, retornava ao calçadão. Quis o destino, ou o diabo, ou o Sobrenatural de Almeida, que a moça cruzasse com Livaldo. Ele teve um susto quando a bêbada, ao avistá-lo com a camisa do Fluminense, abriu os braços e cantou sorrindo:

– “Sou tricolor de coração… Sou do time tantas vezes campeão…”

A bela maluca aproximou-se deu uma abraço em Livaldo. Depois de algum papo, sentaram num banco olhando o mar. Os dois se entenderam, maior empatia, eram tricolores doentes beirando à loucura. Livaldo calculou a idade da moça entre 25 a 30 anos, bonita coroa. Meio bêbados conversaram sobre a grande vitória. Valéria contou um pouco de sua vida. Engenheira morava em Brasília, estava em Maceió para resolver pendências numa obra, retornaria na quarta-feira. Certa hora, a garota tricolor convidou para tomar uma cerveja, precisava comemorar e muito mais esse título. Sentaram-se à mesa de uma barraca de praia. Entornaram cerveja e uísque. Livaldo observou gracejando que ela estava vestida apenas de verde e branco, perguntou se não tinha pelo menos uma faixa vermelho-grená. Valéria deu uma gargalhada, apertou a mão do amigo, cochichou no ouvido para ele olhar. Sentou-se em sua frente, num gesto discreto e sensual levantou devagar o vestido, apareceu as pernas bem torneadas, as coxas, finalmente ele viu nitidamente a calcinha vermelha grená. Ela levantou-se deu uma gargalhada e disse bem alto, todos ouviram na barraca:

– Eu sou do time tantas vezes campeão. Nelson Rodrigues disse: o Fluminense nasceu com a vocação da eternidade… Tudo passará… Só o Tricolor não passará.

Abraçaram-se, beijaram-se foram para o hotel. Ainda vestidos Valéria puxou-o para dentro do banheiro, abriu o chuveiro, abraçaram-se tirando a roupa do outro, se beijaram, encharcados da água que descia em suas cabeças em seus corpos, se amaram feito dois animais.

Eram duas horas da tarde do domingo quando Livaldo saiu do hotel. Valéria dormia o sono dos justos, dos amantes, dos campeões. Ele deixou um bilhete pedindo para telefonar quando acordasse. Perto da hora do jantar, sem alguma notícia de sua tricolor, Livaldo resolveu caminhar até o hotel, comprou flores vermelhas. Pediu para interfonar, Valéria acordou-se naquele momento, mandou subir. Ao abrir a porta, radiante Valéria abraçou, beijou, arrastou seu tricolor para cama. Não saíram durante a noite, amor ininterrupto, uísque, carinho e alegria. Foi a maior comemoração do Fluminense campeão da América 2023.

Valéria passou mais três dias e meio de amor, interrompidos apenas por algumas horas de trabalho e passeios. Nos dias seguintes Livaldo levou a garota tricolor para magníficos passeios por perto da cidade: Barra de São Miguel, praia do Francês, Mostrou as cidades histórias de Marechal Deodoro e Penedo, onde dormiram no Majestoso Hotel São Francisco.

Valéria retornou à Brasília encantada e com a sorte de ter encontrado um maluco tricolor igual à ela. Marcaram encontro em Brasília para voarem à Arábia Saudita assistirem o Campeonato Mundial Interclubes em 12 de dezembro. Quem sabe se voltarão campeões do mundo?

CARLITO LIMA - HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA

UM MATUTO NO LA LICORNE

Semana passada fui a um consultório médico, cheguei cedo, antes da hora marcada. Encontrei Jairo, velho amigo de juventude e de boas farras. Ele observou pertinente.

– Capita, tempos atrás nos encontrávamos em bares, na boa boemia da cidade, hoje só nos encontramos em consultórios, laboratórios. Essa é a vida de quem viver mais um pouquinho.

O médico estava atrasado tivemos tempo para uma boa conversa. Jairo me mostrou a revista feminina que ele folheava. Tomei um susto ao ler a chamada de capa da matéria principal da revista feminina.

Na capa, a foto de uma mulher, loura, vistosa, sensual, e a manchete: PROSTITUTAS DE LUXO CONTAM COMO DEIXAR UM HOMEM LOUCO. “Você já se perguntou que talentos especiais têm as mulheres das casas de prostituição de luxo?”.

A matéria de quatro páginas apresentava o ambiente da prostituição de luxo de São Paulo. Mostrando segredos desse mundo paralelo que valem riscos, segundo a jornalista. Contava com detalhes o que fazem as profissionais para agradarem os homens. Quatro prostitutas são entrevistadas e dão as dicas como deixar os homens doidões. Ensinam desde o primeiro olhar; como conversar e ser educada: “Ser uma dama na mesa e uma puta na cama”. Confessaram pormenores de toda espécie de carinho. Ensinaram a fazer sexo com criatividade. Massagem nos pés, nas costas e em todos os pontos do corpo masculino. Finalmente constataram que os homens sentem-se poderosos, quando percebem que são solicitados para fazê-las felizes (fingindo, claro). Uma bela aula teórica numa revista comprada nas bancas.

Aproveitando o fascinante tema, meu amigo Jairo, contou-me que há anos ele viajou a São Paulo para resolver algum problema de sua secretaria. Depois de um dia de trabalho, ao chegar no hotel, tomou um banho e jantou. Como nada tinha a fazer foi ao bar, sentou-se no banquinho alto, tomou dois uísque. Sem querer, ouviu a conversa entre dois homens, vizinhos de bar. Eles falavam das lindas mulheres do La Licorne, uma boate de mulheres, perto do hotel. Jairo ouviu o bastante para dar vontade de conhecer. Pediu informações na portaria e saiu. Ao entrar no La Licorne ficou encantado com a decoração e as belíssimas mulheres sentadas no bar esperando a chamada de algum cliente.

Jairo foi atendido por um garçom que o conduziu à uma mesa vazia e deu a dica que ele poderia escolher qualquer daquelas mulheres. Jairo pediu um uísque, sem olhar o preço no cardápio. Ficou pensando que aquelas mulheres deviam ser caras. Mas ele estava disposto, fez um sinal para uma loura tipo Marilyn Monroe, cheia de curvas, com um vestido bem caído, cabelos penteados. A magnífica sentou-se à sua mesa, conversaram, quando soube ele ser engenheiro, ela revelou que seu irmão também era. Não deu meia hora, Jairo, ansioso para saber o custo da mulher na cama, perguntou.

Ela discretamente mostrou três dedos da mão direita. Jairo se alegrou pensando, trezentos reais é cachê de Maceió. Imediatamente levou a Deusa para o quarto. A mulher era uma mestra, fazia coisas que ele nunca imaginou que se praticasse na cama, ele ficou louco com a eficiência da mulher, com a habilidade incrível em usar preservativos na língua. Sentiu-se morrer durante o êxtase. Quando Jairo estava tomando banho, tocou uma sineta discreta. A Deusa apressou o nosso amigo.

– Está na hora, temos cinco minutos para sair ou pagar o dobro do quarto. Gostou meu amor? Pode me pagar agora, o consumo e o quarto você paga na mesa ao garçom.

– Claro que gostei e voltarei. Você foi tão maravilhosa que vou pagar mais um pouco.

Tirou da carteira e entregou à Divina, três notas de cem e uma de cinquenta.

– O que é isso? R$ 350,00? Você está louco? Nosso cachê tabelado é três mil reais, foi o que acertamos.

– Você me mostrou três dedos, eu pensei em trezentos reais. Não tenho R$ 3.000,00 comigo, agora.

– Aceito cartão de crédito, pague junto à conta do bar.

– O problema é que meu cartão de crédito é conta conjunta com minha mulher, ela vai notar a despesa quando chegar a fatura. Deus me livre!

– Vamos à administração para resolver esse problema. Rá, rá. Por R$ 350 reais eu não seguro no cacete.

– Depois de muito discutir qual seria a melhor forma dele pagar. O gerente confirmou por telefone que ele estava hospedado no hotel com saída marcada para segunda-feira. Jairo deixou todos os documentos, levou apenas a identidade e um cartão de um Banco.
Dia seguinte, depois das dez horas conseguiu sacar R$ 3.800,00 no banco. Às quatorze horas quando o La Licorne abriu as portas para recomeçar os trabalhos, ele pagou o cachê e as doses de uísque. Nunca esqueceu a estupenda Marylin.

– Valeu!!!

Me revelou às gargalhadas, enquanto entrava na sala do médico.