Eu já falei sobre o dinheiro digital antes. Veja clicando aqui e também aqui. Não imaginei que gente do governo fosse entregar a rapadura tão cedo e admitir o que pretendem fazer.
Estou falando das declarações do coordenador dos trabalhos do real digital no Banco Central, Fábio Araújo, na última quinta-feira. Em um evento sobre o real digital, ele disse as seguintes frases:
“Uma Prefeitura poderá dar um voucher para comprar leite que pode ser digital e estar na carteira digital do cidadão, e ter todas as características de dinheiro, mas, na hora do pagamento, ele só vai se prestar para aquela finalidade.”
“Em um caso extremo, um voucher entregue como dinheiro poderia proibir o consumo de refrigerante com açúcar em meio a uma eventual epidemia de obesidade. “
“Tem um grau de influência na vida das pessoas quando você começa a pensar nesses mecanismos, que vão muito além do que se deveria fazer com essa tecnologia.”
Note o tempo verbal na última frase: “do que se deveria fazer”. É bem diferente de “não será feito”. E é bem diferente justamente porque este é o objetivo principal do projeto: controlar o uso do dinheiro. Ou alguém acha que nossos políticos, ao terem esse poder nas mãos, não vão usá-lo?
A população já está sendo condicionada a aceitar esse controle faz algum tempo. Bloquear bens de “suspeitos” sem julgamento já é trivial. O controle cada vez maior do governo sobre o que as pessoas fazem com seu dinheiro é sempre justificado com expressões vagas como “combater a sonegação”, “combater o crime organizado” ou “combater a lavagem de dinheiro” – é bom lembrar que quem diz o que é “sonegação”, “crime organizado” ou “lavagem de dinheiro” é o governo, e qualquer coisa que ele não goste pode ser encaixada nessas definições.
O PIX vem cumprindo sua função de acostumar as pessoas à presença do governo como intermediário em cada pequena compra do dia-a-dia. Pouca gente parece preocupada em pensar que em um futuro próximo, comprar comida no mercado ou pão na padaria só será possível com a participação (e a anuência) do Banco Central e da Vivo, Claro ou TIM.
No momento em que o dinheiro físico deixar de existir (e isso acontecerá em poucos anos), cada pessoa passará a ser prisioneira do governo de seu país. Só poderá trocar seu dinheiro por outra moeda, ou por ouro, ou por bitcoins, se o governo deixar. Os impostos poderão ser cobrados diretamente da conta, na quantidade que o governo desejar. Os políticos estarão livres para implantar as “políticas públicas” que muita gente pede, já que poderão controlar em que cada pessoa poderá gastar seu próprio dinheiro, como o funcionário do BC exemplificou aí acima. E muita gente irá apoiar e aplaudir, porque está desde criancinha escutando que “o governo só quer o nosso bem”.
Um último e importante aviso: hoje, quando um governo começa a fabricar moeda além do razoável, as pessoas correm para o dólar, o ouro ou o bitcoin. No momento em que as pessoas não puderem mais levar seu dinheiro para fora do sistema, o governo ficará livre para inflacionar a moeda o quanto desejar.
Você está pensando em se mudar para fugir disso? As opções não são muitas: EUA e União Européia estão tão animados quanto o Brasil para implementar o dólar e o euro digitais. No momento, os refúgios que me vêm à mente são Suíça, Cingapura e Nova Zelândia, e não confio muito nessa última.
Segundo o BC, o real digital entrará em fase de teste piloto neste mês de março. A versão final tem previsão de lançamento para 2024.