CARLOS EDUARDO SANTOS - CRÔNICAS CHEIAS DE GRAÇA

Imagem de um dos saltos soltos que eu dava quando criança

O amanhecer é o mesmo, assim como o entardecer e o resto do dia.

No lar, face à extensão da malandragem em que me forçaram a viver, o cotidiano pouco mudou pouco, parecendo, cada dia, um sábado ou domingo.

Estou envolto em cuidados. Dá até pra desconfiar… Esposa e filhos sempre de olho na minha carcaça. Sou alvo de tantos mimos que nem sempre notei. Eu mesmo estou de olho nos que estão em minha volta. Pressinto que me deram uma Aposentadoria Definitiva e compulsória.

No Amanhã mais pra frente, estou prevendo que sempre haverá um “suspeito” de ser portador do vÍrus, por perto, em qualquer esquina, o que me impedirá de seguir pelas calçadas da vida, livre, leve e descontraído; tanto para o trabalho quanto para o lazer.

De velhotes, como eu, que já ultrapassaram os 80, tenho recebido notícias de que a coisa vai “empretecendo” à cada dia. Ouço os mesmos chororôs… Nem uma centelha de esperança vislumbrando melhoras.

Parece que estamos condenados à sofrer a última fase da velhice: a “prisão domiciliar permanente”. Até os governos olham e fixam decretos pensando em nos poupar, reconhecendo que nossa situação é crítica e merece extremos cuidados. Eu preferia que me ignorassem. Preciso me sentir mais autônomo.

Tenho sugerido aos oitentões que não se iludam. Com esse “troço que está aí liquidando vidas”, já enterramos nossos sonhos, desejos e não há como fugir de pensamentos ruins que povoam nossas mentes já enfadadas de tantos deles..

Parece que aquela ave chamada “Preocupação”, – aquela do provérbio árabe – pousou em minha cabeça e deixei que ela fizesse um ninho. Assim, vai demorar muito mais do que o previsto, pois ficou bem acomodada em minha cuca.

A impressão que tenho é que nos obrigaram a ficar numa trincheira de guerra esperando o inimigo invisível e suposto, que talvez só apareça quando se decretar o fim da guerra. E isto é u’a vaga hipótese.

A cada dia que se vai vemos que ela é semelhante a um “salto solto”; daqueles que se dá um pulo para o alto, o corpo rodopia e volta para o chão. Nada se pode prever sobre o que vai acontecer, mesmo que sejamos atletas olímpicos. Tudo são hipóteses e vagas esperanças.

8 pensou em “SALTO SOLTO

  1. O seu salto solto me levou em pensamento lá para os anos 50, para as margens do meu Ipojuca sem poluição, o movimento era realizado da parede da barragem para o leito do rio. Brincávamos também de jogar uma pedra na água e gritar “Galinha gorda! Gorda é ela! Vamos comê-la? Vamos a ela!” e em seguida o mergulho em busca da galinha (pedra).
    Hoje, recolhido, dou os meus saltos e volto no tempo em busca das galinhas gordas que perdi pelo caminho.
    Seja o que Deus quiser.

    • “Galinha gorda! Gorda é ela! Vamos comê-la? Vamos a ela!” e em seguida o mergulho em busca da galinha (pedra).

      E do que brincam as crianças de hoje? Brincam de tragar maconha? De experimentar a “inocente” bebida alcoólica do adulto? De ser lacrador (seja lá o que isso significa)? De gravidez precoce? De não aprender nadica de nada na escola? De fugir de bala perdida? De viciar-se em uso de celular? Paupérrima juventude dos tempos atuais…

  2. Em Acary, no início dos anos de 1980 sertão do Seridó Potiguar, tínhamos três plataformas próprias para o salto solto:
    1 a varanda da parede do Gargalheira, caindo na água do açude
    2 a velha ponte sobre o Rio Acauã, que corta a cidade duas, caindo sobre as águas do rio
    3 o batente da empresa TELERN, caindo sobre a grama espalhada no jardim.
    Das três eu sou fui menino macho para me arriscar em cair na grama da TELERN.
    Nas outras duas sempre pulei para cair “de pé”.
    Sua coluna é uma espécie de desabafo virando saudade ao final.
    É gostosa de ler de todo jeito.

  3. Seu “salto solto” me levou à longinqua infância. Obrigado pela reminiscência. Dirão, a partir de agora , os “especialistas” que nós simpáticos velhinhos temos que ser protegidos de nós mesmos. Cheios de boas intenções, estes bem intencionados (o inferno está repleto destes, diz velha máxima) acabarão nos matando, não de coronavírus, mas de medo, de falta de vitamina D (que só o sol nos fornece, pois não temos dinheiro para mais um remédio), de isolamento dos entes queridos, de depressão, de falta de exercícios aos ar livre, etc, etc. Hoje li no blog do Políbio Braga, um simpático velhote dos pampas, que o grupo RBS veicula matéria onde defende que só após o inverno será possível liberar o povo. Tomara que o Políbio esteja equivocado. Hoje, minhas juntas endurecidas pelo tempo e meu pequeno apartamento só permitem que eu possa dar um salto solto em minhas recordações de infância. Que o Berto separe esse texto do Carlos Eduardo para concorrrer ao melhor texto do ano na categoria reminiscências.

  4. Meu salto solto era no rio. Nunca consegui no solo. Tinha um amigo que jogava de ponta esquerda num time da minha terra e ele a cada gol dava um saldo solto. Menino bom demais. Chamavam com ele Terra Quente.
    Mas, em relação ao texto fique preocupado porque estou longe dos 80, mas não só enterrei como cremei diversos sonhos. Racionalizei demais e num verso da poesia acabei perdendo a rima. Olhai Jesus:
    Num verso da poesia
    Acabei perdendo a rima

    Um mote?

    • Instigado eu faço arte
      Desde quando era criança
      E vivia de esperança
      Pulando por toda parte.
      Que a memória não me farte
      De tudo que me anima
      Salto solto é obra-prima
      Da coragem e alegria
      “Num verso da poesia
      Acabei perdendo a rima.”

      Tentei perder um verso, Assuero, mas a poesia não deixou.

      Um abraço!

      • Caro Sancho. Que bom ter na mente o veio sagrado da poesia e da rima. Respondo num breve traço de rima pobre e ânsia muita:

        Salto solto é obra-prima
        Da coragem e alegria

        Vejo que o poeta
        Se arvora no aplauso
        Indevido, porém, eu desfaço
        Porque não mereço tanto
        Os dizeres generosos
        Me levaram até o pranto.

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