JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Francisco Franco da Rocha nasceu em Amparo, SP, em 23/8/1864. Médico psiquiatra, escritor, jornalista, ornitólogo e um dos pioneiros no tratamento de doenças mentais no Brasil. Foi também precursor da psicanálise, tendo inspirado e amparado Durval Marcondes, considerado fundador do movimento psicanalítico brasileiro, além de ter idealizado, fundado e dirigido o Hospital Psiquiátrico do Juqueri, durante 25 anos (1898-1923).

Diplomado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1890, concluiu o curso como interno (médico-residente) na Casa de Saúde Doutor Eiras. Vale ressaltar que Juliano Moreira e ele foram os primeiros médicos a se dedicarem integralmente à pesquisa e tratamento das doenças mentais no Brasil e construírem as duas primeiras instituições permanentes de tratamento destas doenças no Rio de Janeiro e em São Paulo respectivamente. Tais instituições foram criadas quase ao mesmo tempo em dezembro de 1852: “Hospício D. Pedro II”, no dia 5, no Rio de Janeiro e “Asilo Provisório de Alienados da Capital de São Paulo”, no dia 14. No Rio de Janeiro, o “hospício” logo foi instalado em majestoso prédio próximo ao centro da cidade; já em São Paulo foi instalado provisoriamente e só veio a ter sede definitiva em 1896, através do empenho de Franco da Rocha.

Com apoio dos governos de Cerqueira César e Bernardino de Campos, Dr. Franco conseguiu instalar a sede projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo, num amplo espaço de 170 hectares às margens do Rio Juqueri nos arredores da zona norte da capital. A construção e o desenvolvimento do Hospício Juqueri transformou radicalmente a região, tornando-a no Município de Franco da Rocha, criado em 1934. Em meados do século XX chegou a ser o maior hospital psiquiátrico da América Latina. O “Hospício” foi inaugurado em 1898 e no ano seguinte ele se mudou para o local junto com a esposa -Leopoldina Lorena Ferreira- e tiveram 6 filhos. Passou boa parte da vida residindo naquele espaço bucólico, onde desenvolveu o gosto pela ornitologia, vindo a escrever um opúsculo sobre o pássaro tico-tico. Foi o primeiro professor de Neuriatria e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de São Paulo, proferindo sua aula inicial, em 1919, sobre a psicanálise freudiana. Assim, foi pioneiro na introdução de Freud no Brasil. No ano seguinte publicou o livro O Pansexualismo da Doutrina de Freud, republicado em 1930 como A Doutrina de Freud. O tema despertou o interesse de seu aluno Durval Marcondes, que obteve seu apoio na iniciativa de fundar, em 1927, a primeira instituição latino-americana voltada ao estudo e a divulgação da psicanálise: a Sociedade Brasileira de Psicanálise-SBP, da qual, além de cofundador, foi o primeiro presidente. Mais tarde, quando se aposentou, as relações entre Marcondes e o meio psiquiátrico tornaram-se mais difíceis, o que veio favorecer posteriormente que a SBP acolhesse membros não médicos.

No Juqueri, instituiu o regime de liberdade para os doentes mentais. Na rotina hospitalar, introduziu a terapêutica ocupacional laborativa nas diversas modalidades, especialmente no setor agrícola. Implantou pela primeira vez na América do Sul, em 1908, o sistema de assistência familiar, com a instalação de pacientes em ambiente doméstico, aos cuidados de sitiantes da região no perímetro do hospício. Pouco depois acrescentou 5 colônias autônomas, um pavilhão para menores anormais e um laboratório de Anatomia Patológica. Depois insistiu para que fosse construído um Manicômio Judiciário, reservado aos alienados criminosos, concretizado mais tarde, em 1927. Na área de estudos, pesquisou a psicose maníaca-depressiva e a paranoia, também estudada por Juliano Moreira e Afrânio Peixoto. Passou em revista o quadro da epilepsia psíquica, na ausência de crises motoras, acarretando tantas vezes reações violentas e anti-sociais e as manifestações polimorfas da histeria.

Segundo os colegas, “tinha pelos insanos uma profunda meiguice, uma ilimitada paciência, uma enorme dose de simpatia e piedade”. Segundo ele próprio: “Desdobrar a minha atividade em proveito dos infelizes que carecem de conforto, foi para mim um grande prazer durante a parte mais forte da minha existência”. Costumava advertir: “Nunca se deve contrariar o delírio dos doentes. Devemos sempre nos adaptar ao seu meio, a fim de lhes inspirar confiança. Às vezes é até de boa técnica delirar com eles”. Certa vez, uma paciente delirante, no saguão do Hospício, relutava em ser internada. Declarava que ”daquele salão de baile na Corte, onde se encontrava, ela, uma princesa, só poderia retirar-se dançando ao som daquela música que a orquestra executava”. Ele atendeu-a pacientemente e com uma reverência, pediu-lhe: “Dá-me a honra, alteza, desse minueto?. A paciente satisfeita e feliz, de braço dado com ele, em movimentos de dança, entrou no Hospício. Em 1928, por iniciativa de discípulos e amigos, foi erguido seu busto de bronze no saguão do Hospital. Conta-se, que um velho negro, dos mais antigos do Hospital, sempre se ajoelhava e orava diante do busto de Franco da Rocha. Quando o advertiram de que o busto não era de um santo, mas do diretor, respondeu: “Bem sei disso. Mas é isso mesmo, ele é santo e é o nosso santo. Por isso, não deixo de rezar cada vez que posso junto dele”.

Alguns estudiosos afirmam que, embora muito citado, poucos se debruçaram sobre sua produção intelectual, limitando-se a uma análise superficial de sua biografia, a qual teria sido marcada pela fundação e administração do Hospital do Juqueri. Porém, é na sua produção de livros, artigos e ensaios publicados em revistas nacionais e estrangeiras que se encontra uma fértil seara emblemática de sua eloquência e sagacidade, a qual sugere sua atuação como mais um pensador social dentre os nomes da medicina brasileira na passagem do século XIX para o XX. Segundo Yolanda C. Forghieri, ele foi um dos pioneiros da Psicologia Social no Brasil, tendo estudado as desordens mentais das multidões, os transtornos psíquicos relacionados à raça negra, as epidemias de loucura religiosa. É considerado, também, um dos formuladores da nossa Psiquiatria Forense, pontificando acerca das questões médico-legais relacionadas com os distúrbios da mente. Tais contribuições ficaram registradas no livro Esboço de psiquiatria forense, publicado em 1904 e traduzido para o alemão.

Como escritor não deixou muitos livros; preferia uma comunicação mais direta com o público. Era um jornalista vocacionado e divulgou noções de psiquiatria e áreas correlatas, através de numerosos artigos na imprensa leiga, colaborando nos jornais “O Estado de São Paulo” e “Correio Paulistano”, durante 30 anos. Mas não descuidava da área científica e contribuiu com um capitulo no Tratado Internacional de Psicopatologia, organizado por P. Marie, publicado em princípios do século passado, além de inúmeros artigos nas revistas técnicas nacionais e estrangeiras. Após sua aposentadoria, em 1923, passou a colaborar mais permanente com os jornais e revistas e faleceu em 8/11/1933.

Era um homem culto, dominava diversos idiomas e leitor voraz de obras literárias e sociológicas. Manteve contatos com a turma de Semana de Arte Moderna de 1922 e chegou a receber Mario de Andrade no Juqueri para umas experiências musicais com os pacientes. Foi através desse convívio com os escritores e artistas que ingressou Academia Paulista de Letras em 1930. O sociólogo Paulo Silvino Ribeiro publicou em 2010, nos “Cadernos de História da Ciência” extenso artigo: Franco da Rocha e publicação de suas ideias: uma análise do meio social na explicação etiológica da loucura, onde sintetiza sua atuação e sua representatividade no cenário nacional: “Se a medicina contribuiu para a institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, é certo que a Psiquiatria seria um dos ramos que a representou neste processo, tendo na figura de Franco da Rocha um dos principais nomes nos estudos psiquiátricos na passagem do século XIX para o XX”.

18 pensou em “OS BRASILEIROS: Franco da Rocha

  1. Sancho, paciente psiquiático das antigas, concorda com nossos domingueiro doutor Brito e com Franco da Rocha, que costumava advertir: “Nunca se deve contrariar o delírio dos doentes. Devemos sempre nos adaptar ao seu meio, a fim de lhes inspirar confiança. Às vezes é até de boa técnica delirar com eles”.

    Deliremos com Sancho, com Brito (história é com esse moço), com ZéRamos (imperdível sua colena de hoje), Goiano (está sanchiana a coluna do parisino neste domingo), com Marcos André (hoje nos falando da bela Recife), do Adônis (que quer fugir do Brasil), do Terrible Ivan (que fala hoje sobre Previdência – Apesar de duras medidas, foi o jeito, por enquanto). Ler JBF é antes de tudo, DELIRAR. Deliremos neste ensolarado domingo e não esqueçam da dose diária de ozônio.

    Abração, Brito.

    • Grande confrade e fiel escudeiro.Sancho Pança

      Nos deste hoje o roteiro de leitura do JBF, o nosso hebdomadário dos domingos ensolarados e dos nublados também.
      ..
      Destes, também o habitual impulso para que continuemos com o Memorial dos Brasileiros, descobrindo, revelando e relevando os grandes nomes da nossa história. .

      Você é o cabra (não de Lampião) de Cervantes.

      Grato e abraços

  2. Lá se foi o tempo em que o Brasil dava certo. Dr. Franco da Rocha é desse tempo, com certeza. Seu pioneirismo deveria ser mais divulgado para servir de exemplo às novas gerações. Parabéns pelo texto.

  3. Nos anos 40 e 50 era muito comum, quando alguém comentava alguma insensatez, mandar essa pessoa para o Hospital do Juquerí porque essa era a forma de nomear e sugerir um modo para correção. A nossa maneira atual esqueceu-se disso.
    Parabéns Brito, pela recordação.

    • Mestre Plínio sabe das coisas e está coberto de razão. A geração atual anda muito esquecida de seus maiores exemplos

  4. Beleza!!!
    A coluna ganha mais um leitor qualificado.
    Jorge Fernando dos Santos pontifica nas letras mineiras, em jornais de Belo Horizonte e no site do Instituto Dom Vital. . . .
    O colunista fica honrado com sua visita, agradecido pelo comentário e estímulado pela congratulação. . . .
    Salve Jorge! .

  5. Mestre memorialista Brito:

    Mais uma vez o nobre colunista está de parabéns por nos trazer um painel justo desse grande médico psiquiatra, escritor, jornalista, ornitólogo e um dos pioneiros no tratamento de doenças mentais no Brasil.

    Tenho um irmão que é esquizofênico, e sei quanto esse ramo da medicina é importante, sobretudo hoje que o mundo está louco! Passei quase metade de minha vida o acompanhando nos hospitais psiquiátricos do Recife, e conheço esse SUBMUNDO muito bem.

    Mas, além de exaltar o magnífico trabalho do nobre colunista, gostaria deixar aqui registrado que li uma matéria excelente publicada no folhapress do dia 01/agosto/2020 e reproduzida no JC do Recife do mesmo dia, sob o título “Voz que Precisa ser Ouvida” sobre a nobreza da favela, a romancista Carolina Maria de Jesus.

    “Quarto de Despejo” e “Casa de Alvenaria” nos trazem a dimensão criativa dessa romancista que não se ausentou do seu barraco, mesmo sendo “reconhecida” pelo mundo soçaite.

  6. Por que a cidade de Franco da Rocha, próxima a cidade de São Paulo, uma cidade dormitório, chama-se Franco da Rocha? Interessante nunca me passou pela cabeça saber isto. Fui lá diversas vezes e projetei diversos trechos de redes de distribuição de energia elétrica lá, quando era projetista na Cia Energética de São Paulo – CESP. Lendo, hoje, a biografia de Franco da Rocha, pude saber o quanto este brasileiro foi importante e ainda é para o Brasil.

    • Realmente, Caro Deco
      Seu comentário é esclarecedor. Explica porque em de São Paulo Franco da Rocha é apenas o nome de uma cidade dormitório e não de uma pessoa. Pode comprovar. Vá até o Google e digite o nome. aparecerá apenas a cidade.
      Se você quiser encontrar o ilustre psiquiatra terá que procurar pelo seu nome: Francisco Franco da Rocha. Como pouquíssimos lembram dele, ficou apenas o nome da cidade. .

      • Discordo. Franco da Rocha é uma antiga família de origem paulista. Francisco era só um dos ‘Franco da Rocha’, assim como o bandeirante que fundou Jarinu (SP), chamado Lourenço Franco da Rocha, era outro membro da família. Francisco Franco da Rocha foi o membro mais destacado da família, mas não foi o único.

        Eu tenho 19 anos, cresci em Franco da Rocha (SP) e é onde vivo até hoje, a história do meu município foi o que fez eu me interessar desde pequeno pela psicanálise e psiquiatria. Se o município aparece como destaque no resultado de pesquisa sobre o nome “Franco da Rocha” na internet, é por bons motivos, e não porque realmente esqueceram do Dr. Franco da Rocha.

        • Danfosky

          Sua discordância é a própria contradição de raciocínio. Veja bem: você se interessou “desde pequeno” pela psicanálise e psiquiatria devido ao fato de ter crescido nesta cidade, que ficou conhecida pelo fato de sediar um dos maiores hospitais (ou hospício) psiquiátricos do País, comandado pelo Dr, Franco da Rocha.
          Quando o Google indica a cidade e não a pessoa é porque o nome da pessoa caiu no esquecimento.
          Os “bons motivos” para a cidade aparecer são exatamente estes: a qualificação, o trabalho, a dedicação do Dr. Franco da Rocha

          • Como eu disse, Franco da Rocha é o nome de uma família, e continua sendo, mesmo que a homenagem seja a uma pessoa. O nome do médico e professor é “Francisco”. O Google ou qualquer outro buscador sempre vai redirecionar para o município que carrega esse nome “Franco da Rocha”, mas para o médico não, pois esse é o sobrenome dele.. é o sobrenome do fundador de Jarinu (SP), de um ex-prefeito de Franca (SP), de um dos vocalistas do NX Zero, e de muitos outros. Se a pessoa pesquisar o nome + sobrenome dele, ou apenas “Dr. Franco da Rocha”, aí sim o Google vai levar a informações sobre o médico e professor Francisco Franco da Rocha.

            E o GRANDE problema seria se as pessoas pesquisassem “Francisco Franco da Rocha” e o Google redirecionasse ao município, desrespeitando a pessoa que deu origem ao nome do lugar, mas isso a não acontece ainda, FELIZMENTE.

          • E outra, segundo sua lógica, uma pessoa que talvez “caiu no esquecimento” foi o professor Francisco Morato. Pois quando as pessoas pesquisam por este nome, a pesquisa leva diretamente para um município na Grande São Paulo que faz divisa com Franco da Rocha, não deixa nenhuma referência ao professor e político Francisco Antônio de Almeida Morato. E enquanto uma pessoa pesquisa “Lindolfo Collor”, o Google faz diferente, recomenda dois painéis de informações: um sobre o político e outro sobre o município que o homenageia.

            O caso de Franco da Rocha é completamente diferente, só faria sentido isso que você está dizendo se o município se chamasse “Doutor Franco da Rocha” ou “Francisco Franco da Rocha” e o Google desse relevância apenas ao município, tipo o que ele faz com Francisco Morato.

  7. Cada vez mais fico menos ignorante com este Memorial
    Conheço Franco da Rocha, a cidade; já passei muito pela rua, em Perdizes mas nunca soube de quem se tratava.
    Nem pensava que fosse uma pessoa. Agora sei que foi muito importante e viveu até pouco tempo atrás
    Grato pelas informações

Deixe um comentário para Danfosky Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *