Muita gente já disse que essa pandemia, assim como as outras que já aconteceram, só vai acabar quando a maioria da população do mundo for exposta ao vírus e adquirir imunidade. A outra alternativa seria isolar todos os doentes e impedir a transmissão: seria possível com literalmente meia dúzia de infectados, mas com dezenas de milhares de casos pelo mundo (fora os não detectados), é impossível.
A estratégia do isolamento, da quarentena, tem por objetivo diminuir o ritmo de propagação do vírus (“achatar a curva”, dizem os especialistas), para retardar ou mitigar o inevitável colapso dos sistemas de saúde. Mas enquanto esta estratégia não conseguir uma redução (e não apenas um aumento menor) no número total de casos, ela estará ao mesmo tempo reduzindo a expansão da epidemia e atrasando seu término. Afinal, se o fim depende de uma boa parte da população desenvolver imunidade, quanto mais lenta a exposição mais lento será este processo.
A mídia viu uma boa forma de fazer sensacionalismo, e com isso ganhar audiência. Boa parte dos políticos também aderiu à estratégia de fazer barulho, por acreditar, com boa dose de razão, que muitos eleitores não observam o que o político faz, e sim o que o político diz que está fazendo. Boa parte da população, que trata política da mesma forma que trata futebol, está torcendo pelos seu políticos favoritos e xingando os outros.
Enquanto isso, a estratégia do “todo mundo em casa” segue até quando? O bom senso diz que não por muito tempo. As sociedades modernas funcionam como um relógio incrivelmente complexo, onde a maioria das partes não é sequer visível, mas uma pequena falha em uma delas pode fazer tudo parar. Claro que alguns acreditam que o governo (sempre o santo governo) pode “planejar” e “regulamentar” o funcionamento de tudo através de decretos e pronunciamentos. Uma dica: este tipo de planejamento sempre foi o sonho dourado de toda ditadura socialista, da União Soviética de Lênin até o Chile de Allende. Nunca funcionou. Como alguém acredita que vai funcionar agora, de improviso, eu não sei.
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Enquanto isso, quem tem a sorte de ter uma renda garantida está em casa, se auto-elogiando nas redes sociais, mostrando para todos que é uma pessoa consciente, responsável, íntegra, preocupada com o bem estar de todos. Talvez seja má vontade ou preconceito de minha parte, mas não pude deixar de notar no facebook de meus conhecidos que aqueles que tem empregos públicos, além de ter sido os primeiros a se auto-declarar em féri…, quer dizer, quarentena, também são os primeiros em exigir que o governo decrete que esta quarentena dure até o fim de 2021, no mínimo. Talvez seu sub-consciente, no fundo, saiba que sua ausência no trabalho não fará falta para ninguém.
Quem não tem um patrão generoso está em situação diferente. Milhões de brasileiros que trabalham por conta própria, de jardineiros e motoristas de uber até dentistas e engenheiros, sabem que não dá para ficar em casa indefinidamente vivendo de suas economias, que para alguns são bem reduzidas, e sabem também que não para para confiar em políticos que prometem que o governo, o santo governo, vai tomar conta de todo mundo.
Claro que o “fecha tudo”, o “fica em casa” da classe média também contém implícito um monte de exceções. O transporte coletivo não parou. O pedágio não parou. Os porteiros e as faxineiras não podem parar. O motoboy tem que comparecer ao trabalho, para entregar a pizza para o sujeito “consciente” que está em casa se sentindo o salvador da humanidade, e dando pito nos outros pelo facebook.
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Por outro lado, aqueles sonhadores que acham absurdo que existam empresários, e que esperam com fé o dia em que teremos “tudo dentro do estado, nada fora do estado, nada contra o estado”, estão em êxtase com a chance: o governo decreta o fechamento das empresas até o dinheiro delas acabar, e em seguida “salva” o país estatizando tudo, dos supermercados até as borracharias. Já que a luta de classes não funcionou como o motor da história, que o Corona Virus seja este motor.
O sonho dos estatistas não será realizado, óbvio, mas muita bobagem será feita. Talvez nem tanto no Brasil; as finanças do estado estão, como sempre, debilitadas, o que limita seu apetite e seu poder. Como a queda na arrecadação deverá ser substancial, a área econômica do governo deverá informar os políticos que a hora não é de bravatas.
Mas em outras plagas (não confundir com pragas!) a coisa pode ir longe. EUA e Europa estão falando em distribuir trilhões como quem fala em distribuir chocolate para as crianças. Quase todos os governos da Europa assinaram um documento propondo a criação urgente de um novo tipo de título de dívida para financiar a generosidade. No fim das contas, como sempre, tudo que o governo der será tomado de volta via impostos.
O famoso jornal “O Antagonista”, que ultimamente anda meio sem rumo, publicou ontem uma frase certeira: A farra com o dinheiro dos outros será o pior efeito colateral do Corona Virus.
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Em todo o mundo governos estão falando em distribuir dinheiro e crédito para proteger a economia dos efeitos da paralisação forçada. De acordo com meus modestíssimos conhecimentos de economia, é uma catástrofe certa: Redução da oferta seguida de expansão forçada da demanda é receita infalível para uma bolha. Se o tamanho que EUA e Europa estão falando for verdade, será uma bolha épica. Na melhor das hipóteses, teremos inflação, aumento da dívida pública e uma desorganização geral da economia. Na pior, teremos a desculpa perfeita para um aumento gigantesco da intervenção estatal na economia, com controles de preço, estatizações, regulamentações, tudo isso que já conhecemos. Políticos dos Estados Unidos já estão falando em “um novo New Deal”. Se você quer saber o que foi o New Deal, expliquei em “Reescrevendo a História”, publicado em 20 de janeiro.
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Mas afinal, se “vírus” é singular, por que tem s no final? E qual é o plural de vírus?
A língua portuguesa veio do latim, em um processo de vários séculos de transformação. Mas a palavra vírus, no sentido moderno, foi “emprestada” diretamente do latim. Em latim, a terminação “us” indica o singular de um substantivo da segunda declinação, e o plural é viri. Em português, o plural de vírus é vírus mesmo.
Agora que você tem esta importantíssima informação, boa quarentena!
CLARO QUE O TEXTO FICOU PRECISO, MAS A CONTEMPORANEIDADE DA MANCHETE É ESPETACULAR!!!