CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

Parece mentira, mas assistindo ao longa norte americano Noé, em 3D e cheio de efeitos especiais, lembrei-me de uma das estórias do genial farmacêutico do País de Caruaru, Major Sinval, que, entre tantas coisas, era um excelente poeta e criava passarinhos. E não foi porque Anthony Hopkins, no papel de Matusalém, está parecido com o “velhinho de aço” da Terra de Vitalino, que partiu para o Céu em 21 de janeiro de 1974 com quase 91 anos (completaria em 12 de abril).

Foi a cena em que Noé mostra para sua mulher Naameh um pássaro adormecido na palma da sua mão, que me fez recordar o ‘causo’ que agora vou contar.

Certa manhã, como de costume, o Major estava na sua Pharmacia Franceza, com z mesmo (a mais antiga da cidade, fundada em 1856 pelo seu pai adotivo, o francês Jean Barthlemy Pegot), limpando as gaiolas dos seus passarinhos, quando chegou ao balcão do estabelecimento um cliente, chato de galocha, bancando pose e querendo zombar com a cara do velho boticário.

Ao ver o galo de campina, cuja gaiola Sinval limpava, o provocador perguntou se aquele pássaro cantava. Antes de ouvir a resposta, comentou: “Quem canta mesmo é o galo de campina que tenho lá em casa. É o canto de gratidão”. O Major parou o que estava fazendo, mas nem teve tempo de perguntar que danado era aquilo. O abusado logo emendou: “Ele canta assim desde o dia em que salvei a vida dele. Imagine o senhor, uma vez eu estava pescando, num barquinho, no riacho perto lá de casa. Joguei o anzol e nada. Joguei novamente, nada. Na terceira vez, quando joguei o anzol, pesquei ele. Tadinho, todo esmorecido. Tirei logo o anzol que estava enganchado no pescoço dele, coloquei o bichinho na palma da minha mão (parece mentira, mas na cena do filme, também, era um galo de campina), enxuguei bem as peninhas dele e fiz massagem no seu coraçãozinho. De repente ele abriu os olhinhos, me encarou e, agradecido, danou- se a cantar. Um canto especial, só o senhor vendo. É canto de gratidão. O senhor num acha?”.

Quando Sinval, o maior improvisador do Brasil (segundo o folclorista potiguar Luiz da Câmara Cascudo), ia responder, o sujeito, vendo um quadro pendurado na parede, perguntou: “Quem pintou esse quadro?”. Novamente, sem esperar a resposta, esnobou: “O quadro mais bem pintado do Mundo é o que tenho lá em casa. É uma beira de praia. Tão bem pintada que, quando venta muito, as palhas dos coqueiros balançam”.

Dessa vez, o Major se abufelou e, de imediato, se fazendo de besta, retrucou: “Ôxe, o quadro mais bem pintado do mundo, que eu saiba, é o que tem lá na Prefeitura. É de um pintor daqui, de Caruaru. Deve ser o mesmo que pintou a sua beira de praia. Ele fez um retrato de Dom Pedro, tão perfeito, mas tão perfeito que todo dia o barbeiro tem que ir à Prefeitura fazer a barba e aparar o bigode do Imperador!”.

Parece mentira!

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