VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

O passado sempre nos volta em sonhos. E nada mais gratificante do que passarmos a noite revivendo momentos felizes dos tempos idos e vividos, quando no sonho estão presentes figuras queridas e inesquecíveis.

Tenho por hábito pôr em prática o que Freud ensina, em “Além da Alma.” Quando o sonho é bom, ao acordar, registro-o num caderno que trago sempre ao lado da minha cama.

Hoje, sonhei com minha mãe, cantarolando “Garoto da Rua”, uma das suas músicas preferidas (1947 – composição de Renê Bittencourt e gravação de Augusto Calheiros).

Ao acordar, ouvi a música mais de uma vez e de repente me veio à memória a beleza de “Nós, os Meninos de Palmares”, primeiro capítulo do livro “A Prisão de São Benedito e Outras Histórias”, obra prima do consagrado escritor Luiz Berto. O livro é belíssimo desde a capa, as orelhas escritas pelo autor, e a fabulosa apresentação do poeta Orlando Tejo.

Sobre a Prisão de São Benedito e Outras Histórias, escreveu o poeta Orlando Tejo, em artigo publicado na Revista A REGIÃO, Recife, 1983:

“Há alguns meses, porém, A Prisão de São Benedito e outras histórias”, o mais opulento livro que já li em seu gênero, possibilitou-me a visão clara e geral do universo palmarense.

Nunca os tipos populares de nenhum lugar mereceram perfis literários mais precisos. Nenhum deles é caricaturado. São todos fotografados com a exatidão da arte que se pode exigir de um mestre. Luiz Berto os faz desfilar em assombrosa passarela universal, cada um deles com seus cacoetes humanos e suas características congênitas, fundo do riquíssimo cotidiano local que, em verdade, não é diferente do dia a dia de nenhuma outra cidade interiorana. Todas as cidades possuem os mesmos doidos, os mesmos boêmios, os mesmos aleijados, as mesmas prostitutas, as mesmas presepadas; e os bares, o cabaré, a noite, o clima de vida, o folclore, enfim, são clichês.

Tipos populares, portanto, não são privilégios de lugar nenhum. Ocorre, todavia, que somente Palmares deu um Luiz Berto. E isso explica o fenômeno. É o mesmo que pensarmos o que seria a Bahia sem Jorge Amado.”

Diz o Escritor Luiz Berto que não é poeta. “Nós, os meninos dos Palmares”, entretanto, é poesia pura; puro lirismo, característica dos poetas. Os meninos de Palmares eram “apontadores de estrelas”, “gáveas ao vento’, e “bebiam até a última gota naquele pote de felicidade.” Colocações poéticas lindíssimas!

Teimo em dizer, que o Escritor Luiz Berto é um dos maiores poetas que eu conheço. Seus escritos são poemas em prosa.

O garoto da rua, de que fala a composição de Renê Bittencourt, tinha a mesma alma dos meninos de Palmares, os mesmos sonhos, a mesma liberdade e as mesmas aspirações. Era um craque na bola de meia e andava com o bolso pesado de bolas de gude.

“Nós, os meninos de Palmares” é o retrato de uma infância feliz, que marcou uma época em que a maldade não tinha nascido.

Augusto Calheiros GAROTO DA RUA

20 pensou em “UM SONHO LINDO

  1. Querida amiga e colunista, você me pegou na virada!

    Ganhei o dia com esta sua crônica.

    Gratíssimo do fundo do coração pela generosa apreciação que você fez do meu texto sobre os meninos de Palmares, no livro “A Prisão de São Benedito”.

    Fiquei ancho que só!!!

    Um xêro e um excelente final de semana pra você e pra minha querida sobrinha Diana.

    • Querido Editor Luiz Berto:

      Fiquei feliz por você ter gostado do texto.

      O que eu disse foi a pura expressão da verdade. Você é um poeta de mão cheia. Tudo o que você escreve é pura poesia.
      “Tem que se dar o seu ao seu dono”, diz o ditado..

      Você e Orlando Tejo se confundem..

      Abraços meus e de Diana, para você, Aline e João!

      Um feliz final de semana!

  2. Cara e Divina Violante! Recordar é viver, já dizia a frase. Quem esquece o passado não vive o presente e não tem perspectiva de futuro.

    Continue sonhando coisas boas e traga para a gente poder pensar e curtir suas histórias.

    Um Beijo.

    • Obrigada pelo amável comentário, prezado João Francisco!

      Suas palavras massagearam o meu ego.
      Nada como um sonho bonito, que nos traz à memória, momentos felizes dos tempos idos e vividos.

      Grande abraço e um feliz final de semana!..

    • Obrigada pela delicadeza do comentário, admirável cronista Sancho Pança!
      Fiquei feliz com suas palavras.

      O nosso querido Editor Luiz Berto é a poesia em pessoa, em tudo o que escreve.

      “Nós, os meninos de Palmares”, primeiro capítulo de sua monumental obra “A Prisão de São Benedito e Outras Histórias”, é uma lição marcante de que ainda pode haver paz no mundo.

      Pode haver infância feliz, longe deste insensato mundo da Internet, essa faca de dois gumes, que, atualmente, corrompe e vicia as crianças..

      Grande abraço!

    • Obrigada pela delicadeza do comentário, admirável cronista Sancho Pança!
      Fiquei feliz com suas palavras.

      O nosso querido Editor Luiz Berto é a poesia em pessoa, em tudo o que escreve.

      “Nós, os meninos de Palmares”, primeiro capítulo de sua monumental obra “A Prisão de São Benedito e Outras Histórias”, é uma lição marcante de que ainda pode haver paz no mundo.

      Pode haver infância feliz, longe deste insensato mundo da Internet, essa faca de dois gumes, que, atualmente, corrompe e vicia as crianças..

      Grande abraço!

  3. Violante, “Grande Dama dos Sonhos”:
    Não pode haver descrição mais perfeita de um sonho e de uma realidade. A história sobre a infância de Palmares e a poesia do Luiz Beto são uma obra prima. Você e o Berto deveriam estar encarnados em personagens que inspiraram o Dante quando escreveu sobre o Céu na Divina Comédia.
    Um abração.

    • Obrigada pelo generoso comentário, exímio cronista Magnovaldo Santos!
      Você me deixou feliz com suas palavras.

      “Dante diz que foi ao Empíreo – a morada celestial de Deus – após o nono e último céu. Ele divide o Paraíso em nove céus e diz que lá, no último, viu coisas que sua memória não pode trazer de volta, mas que muito o impressionaram.”
      Os sonhos nos levam aos jardins do Paraíso. E lá encontramos nosso mortos mais queridos.

      Grande abraço!

  4. O JBF é “uma grande família”. Incontestável…

    Vivi, cronista de mão cheia e sensibilidade à flor da pele. Também incontestável.

    Berto, um “poeteiro” de marca maior…

    DECLARA Sancho, sem medo de ser feliz: Talvez tirem o brilho da poesia bertiana os que buscam métrica e rima… poesia não precisa de nada disso. Poesia precisa de coração.

    Para quem não acredita que BERTO SEJA TUDO ISSO,eis que recorro a um dos grandes, recorro a Orlando Tejo (texto publicado originalmente em 1983, na extinta revista A Região, editada no Recife).

    ASCENSO, PALMARES, LUIZ BERTO – Orlando Tejo

    No silêncio misterioso das ruas de São José, os passos de Ascenso. As madrugadas, ali, cheiravam a eternidade. Uma paisagem imutável: ruas estreitas e tortas, paralelepípedos em desnível, o casario encardido, aquele ranço de história antiga nas calçadas sinuosas.

    A poesia das esquinas mal-assombradas, a magia da noite, o rumor da noite, das noites eternas de São José, noites de Ascenso e minhas também. Lá iam cento e sessenta quilos pisando contra a Rua do Rangel, e ecoando no Beco do Porão, na Rua do Muniz, no Pátio do Livramento, no mercado de São José.

    O chapéu branco, branquíssimo, de grandes abas, era o realce único no cenário tenebroso do bairro. A brasa do charuto Cezário Pai lembrava um farol ambulante desorientado, uma tocha solitária entre as sombras fantasmagóricas do desalinhado urbano.

    De quando em vez, trovejava no meio do tempo, acordando o bairro. E trovejava mais forte, porque as gargalhadas de Ascenso eram mal-educadas e intempestivas. Ria-se das histórias que ele mesmo me ia contando, sempre, e sempre sobre o bulício de sua infância em Palmares, “uma esculhambação organizada” que teria percorrido alguns milênios. Àquela época (1956), eu não me apercebia deste privilégio: era o único jovem de vinte e um anos amigo íntimo de Ascenso Ferreira. Eu trocara Campina Grande por Recife e aí desembarcara com um único documento: uma carta de Raymundo Asfora me apresentando ao Poeta. Ao encontrá-lo no meio da noite numa roda de chope d’O Pigale, após meia hora de chope e alguns sonetos, entreguei-lhe a carta de apresentação. Ele recusou-se a lê-la: “Diga a Asfora que crie vergonha!”. Mas o seu olhar, o seu sorriso e um grande abraço intimaram-me a ser seu irmão siamês.

    Pela mão de Mauro Mota, logo entrei para o Diario de Pernambuco, onde Ascenso passou a ir apanhar-me invariavelmente a uma hora da manhã. Para nós, era a boquinha da noite. E entre histórias de Palmares, bicadas de cachaça e mijadas em troncos de velhas árvores, surpreendíamos a aurora (no curso da madrugada Ascenso não podia ver uma árvore, assim como um cão não pode ver um poste).

    O sol nos encontrava sentados num banco defronte à estátua de Sacadura Cabral, ao lado do Grande Hotel, já no Cais de Santa Rita. Era tempo de continuar a história (sempre interrompida) de como as polacas conseguiram depravar o baixo meretrício do Bairro do Recife, nos primeiros quartéis do século. Mas a garrafa de cachaça ia acabar e a conversa voltava fatalmente para os Palmares.

    O Poeta emaranhava suas peripécias de menino com os feitos de Zumbi. Minha cabeça transbordava de Quilombo. Esses elementos interligavam-se aos Palmares da meninice de Ascensão e a cidade passava a ser a mais importante de Pernambuco. Para mim, era Palmares o ponto inicial das importâncias de Pernambuco e adjacências.

    Por uma consequência natural, tornei-me amigo do palmarense Jayme Griz. E a pátria de Zumbi cresceu no meu amor.

    Tempos depois, já em 1971, e por circunstâncias de uma profissão que não chegou a ser cometida, fui dar com os costados em Palmares. Chegando à cidade por volta das catorze horas, procurei o juiz da comarca. O meritíssimo estava dormindo. Indaguei pelo promotor público. Também dormia. O tabelião poderia facilitar as coisas, mas também, infelizmente, dormia. Todo o Fórum dormia. Voltei desapontado. Morfeu havia tomado conta da Justiça em Palmares. Tornei a ir lá algumas semanas depois e me espantei, porque a cidade estava acordada demais. De forma que a imagem da urbe continuava a ser, na minha óptica, uma coisa enigmática, nebulosa, desarrumada.

    Há alguns meses, porém, A Prisão de São Benedito e Outras Histórias, o mais opulento livro que já li em seu gênero, possibilitou-me a visão clara e geral do universo palmarense.

    Nessa espécie de radiografia sentimental e sociológica de sua terra, Luiz Berto simplesmente despe a cidade aos nossos olhos, e assistimos, extasiados, ao espetáculo da humanidade. A dimensão que o livro confere a cada personagem do seu elenco humano – e esse elenco envolve praticamente o município – dá a Palmares um destaque jamais conquistado por outra cidade.

    Em cada página de A Prisão de São Benedito e Outras Histórias a comunidade agiganta-se na sua própria humildade e tudo é um burburinho de intensa pigmentação social. E tudo se alinha harmonicamente num conjunto de grandiosidades, circunscrevendo cenas bombásticas de misérias, torpezas, felicidade.

    Nunca os tipos populares de nenhum lugar mereceram perfis literários mais precisos. Nenhum deles é caricaturado. São todos fotografados com a exatidão da arte que se pode exigir de um mestre. Luiz Berto os faz desfilar em assombrosa passarela universal, cada um deles com seus cacoetes humanos e suas características congênitas, de maneira que o leitor se assenhora, fundo, do riquíssimo cotidiano local que, em verdade, não é diferente do dia a dia de nenhuma outra cidade interiorana. Todas as cidades possuem os mesmos doidos, os mesmos boêmios, os mesmos aleijados, as mesmas prostitutas, as mesmas presepadas; e os bares, o cabaré, a noite, o clima de vida, o folclore, enfim, são clichês. Tipos populares, portanto, não são privilégio de lugar algum. Ocorre, todavia, que somente Palmares deu um Luiz Berto. E isso explica o fenômeno. É o mesmo que pensarmos o que seria a Bahia sem Jorge Amado.

    O fato é que Luiz Guarda, Biu do Tacho, Pimpão, o Velho Rabeca, Vaca Braba, Telles Júnior, Veludo do Pife, Mané Peito de Aço, Amaro (“Cotó”), as ruas de Palmares, a Coreia, o Avião de Paulo Afonso, tudo entrou definitivamente para a história pela magia de um talento que se impõe no cenário atual mais nobre da literatura brasileira.

    Tomem nota deste depoimento: nunca li, em nenhum escritor pátrio, nada mais tocante nem de tanta grandeza, nenhuma página mais lírica e eterna do que Nós, os meninos de Palmares, com que Luiz Berto inicia A Prisão de São Benedito e Outras Histórias. Nesse delírio, o autor, na companhia de Romildo Pilica, Adeildo Baé, Antônio Maromba e Fernando Gata, os meninos mais felizes de todo os brasis, voam nas asas da liberdade rumo a Pirangi. Eles vão flutuando na grande tarde ribeirinha e, aconteça o que acontecer, não importa, eles vão a Pirangi. E eles são os únicos meninos do mundo que podem ir a Pirangi amorcegando estrelas vespertinas da ilusão.

    Lembrem-se: somente eles, os grandes vagabundos pequeninos, vão a Pirangi, unicamente eles, os “guardiães do vento, vigias do barulho das águas, apontadores de estrelas, gáveas ao vento, imagens do cão, arteiros”.

  5. Violante,

    Parabéns por essa homenagem ao nosso editor Luiz Berto. Ele escreve prosa poética e seus livros possuem o bom humor que torna a leitura muito agradável. O Romance da Besta Fubana adapta o dia a dia de Palmares/PE, situada na Zona da Mata; cuja rotina é fragmentada por acontecimentos que não se explicam de forma racional. Entretanto, nada é impossível as pessoas que têm fé, é válido dizer que nada é imaginário e surreal. A explicação do magnífico enredo desse livro está na fé que inspira a consciência dos habitantes dessa simpática cidade.

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e felicidade

    Aristeu

  6. Obrigada pelo gratificante comentário, prezado Aristeu!

    O querido Editor Luiz Berto merece ser louvado em todos os patamares literários do Brasil especialmente neste espaço do JBF, onde ele nos acolhe com abnegação.
    Todas as suas obras são geniais. E é por isso que ele hoje é um Escritor consagrado e premiado, e merece todas as homenagens!

    Um final de semana pleno de paz, saúde e felicidade para você também!.

  7. Queridíssima Vivi,

    Também já li e reli a “Prisão de São Benedito e Outras Histórias,” e todas elas me fascinam e alegram o coração pela verossimilhança com a realidade com que a gente vivia na época.

    Tem um conto, genial, “O Caixão da Caridade,” que se identifica comigo e com milhares de adolescentes da época que vivíamos metidos nas igrejas ajudando o padre na sacristia.

    Iguais aos meninos de “O Caixão da Caridade”, em Carpina/PE, a gente se divertia com o padre Zé Rilin, responsável pelo setor indigente da igreja, quando anunciava que mais 3 ou 4 pés na cova havia viajado à noite à cidade de pés juntos “a noite passada” e a igreja estava precisando de uns “voluntários para levar os defuntos à cova.

    Como no conto genial de Luiz Berto, ninguém morria à bala, só a foice, faca, peixeira, chucho e tido de espingarda no coração.

    Era uma festa quando o padre Zé Rolin dizia para gente que havia um defunto na pedra do necrotério esperando pelo Caixão da Prefeitura.

    Eita tempo bom que Violante Pimentel relembrou em sua magnífica crônica, relembrando A Prisão de São Benedito, livro de contos geniais.

    Parabéns, querido. Ótimo final de semana.

    • Meu estimado colunista fubânico: falando do Caixão da Caridade você futucou antigas lembranças da minha movimentada infância. É recordação que não acaba mais! Abraços e bom final de semana.

    • Obrigada pelo ótimo comentário, querido Ciço Tavares!

      “A Prisão de São Benedito e Outras Histórias” é um livro completo. Cada capítulo é uma surpresa à parte, e prende a atenção do leitor do começo ao fim..

      “O Caixão da Caridade”, é um tema muito real. Em Nova-Cruz (RN), esse caixão tinha o nome de “Caixão de São Vicente” .Destinava-se aos indigentes. . Ao chegar ao Cemitério, o defunto também era jogado na cova limpa e o caixão era recolhido a um determinado local da prefeitura., esperando o próximo.

      O saudoso prefeito José Peixoto Mariano, quando foi eleito décadas atrás, aboliu esse caixão e a prefeitura passou a dar um caixão a cada indigente que morria..

      Por se tratar de um livro de crônicas, é devorado pelo leitor, ininterruptamente,
      Não foi em vão que Orlando Tejo concluiu sua análise assim:
      ………………………………………………………………………………………………………..
      “Nesse delírio, o autor, na companhia de Romildo Pilica, Adeildo Baé, Antônio Maromba e Fernando Gata, os meninos mais felizes de todos os brasis, voam nas asas da liberdade rumo a Pirangi. Eles vão flutuando na grande tarde ribeirinha e, aconteça o que acontecer, não importa, eles vão a Pirangi. E eles são os únicos meninos do mundo que podem ir a Pirangi amorcegando estrelas vespertinas da ilusão..Lembrem-se:: somente eles, os grandes vagabundos pequeninos, vão a Pirangi, unicamente eles, os “guardiães do vento, vigias do barulho das águas, apontadores de estrelas, gáveas ao vento, imagens do cão, arteiros”.

      Grande abraço e um ótimo final de semana
      .

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