MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

No Brasil, estamos habituados a ver coisas acontecerem sem que ninguém saiba o porquê, e ninguém parece se interessar. Por mera curiosidade minha, segue um caso:

Todos sabem que a cidade de Manaus fica isolada no meio da floresta amazônica. Tudo que se relaciona com infra-estrutura é complicado por lá, incluindo energia elétrica. Por muito tempo, a eletricidade de Manaus era produzida por geradores a diesel, poluentes e caros. Há algum tempo, nosso governo decidiu que todas as capitais brasileiras (porque só as capitais, não se sabe) deveriam ser interligadas, em um conjunto chamado SIN – Sistema Integrado Nacional. Após muitos anos de atraso, em 2011 ficou pronto o chamado “linhão” que interligou Manaus ao SIN.

Esta ligação consiste de duas linhas paralelas de 500 kV, com aproximadamente 1300 km de extensão, ligando a usina de Belo Monte à Manaus através da floresta, passando por três subestações. Uma derivação fornece energia para o estado do Amapá, que têm três hidroelétricas no Rio Araguari e não precisa dela.

O tal linhão custou 3,5 bilhões de reais, e custa em manutenção 250 milhões por ano, que estão “embutidos” na conta de luz de todos os brasileiros (o sistema é integrado justamente porque os custos são divididos entre todos, não por quem efetivamente usa).

Acontece que a região de Manaus produz mais de 400 milhões de metros cúbicos de gás natural por mês, o suficiente para gerar aproximadamente 2500 MW de eletricidade – bem mais do que Manaus consome atualmente. Não faria mais sentido, ao invés de construir linhas gigantescas pela floresta, construir usinas para aproveitar este gás? Para mim, seria. Por que nosso governo pensa diferente, eu não sei. Só sei que sempre que o governo fala, a construção da tal linha foi mostrada como a única solução para resolver a questão da energia em Manaus, até mesmo do ponto de vista da segurança. Eu não me sentiria seguro sabendo que minha energia depende de 1300 km de linhas no meio do mato, mas quem sou eu diante da sabedoria de nossos governantes?

O projeto incluía a interligação de Boa Vista, em Roraima, através de mais duas linhas paralelas de 700 km. Não foi construída até hoje, segundo consta, por problemas de licenciamento ambiental em terras indígenas. É o caso de agradecer aos índios, caso consigam mesmo impedir um gasto ainda mais absurdo.

Enquanto a tal linha não sai, Boa Vista é abastecida com diesel a um custo que varia de 1,5 a 2,5 bilhões por ano, segundo a fonte. Claro que este valor é usado como argumento para justificar a construção urgente das tais linhas, embora ninguém explique que o gasto com óleo será substituído pelo pagamento às usinas geradoras e à dona da tal linha. Ou seja, a economia será menor do que os tais 1,5 ou 2,5 bilhões – quanto menor, não se sabe e o governo não se preocupa em dizer.

O maior problema: linhas de 500 kV são adequadas para transportar entre 1500 e 2000 MW de energia. Duas linhas teriam portanto capacidade para 3000 a 4000 MW. Acontece que o consumo médio do estado de Roraima inteiro é de 300 MW. Significa que as tais linhas, com custo previsto de 1,5 bilhão, serão usadas em menos de 10% de sua capacidade. Outro problema: o abastecimento de energia de Boa Vista passaria a depender de quase dois mil quilômetros de linhas que ficam no meio da floresta; chamar isso de “segurança” é uma hipocrisia.

Alternativas? O governo fala em construir uma usina no Rio Branco, próximo à capital, que teria uma capacidade de 650 MW, custaria 6 bilhões, e levaria 5 anos, no mínimo, para ficar pronta. Eu modestamente sugiro algo diferente: Um grupo privado construiu no Piauí o Parque Eólico Lagoa do Barro, com 195 MW de capacidade. A construção levou dois anos e custou 1,3 bilhões. Um pouco de matemática mostra que dois parques destes abasteceriam Roraima inteiro, a um custo 30% menor que a hidroelétrica, em bem menos tempo, com a vantagem adicional da segurança: dois é mais garantido que um. Geradores eólicos são muito mais simples que uma hidroelétrica, não exigem um monte de estudos ambientais, e podem ser construídas próximos aos consumidores, evitando as caras e complicadas linhas de transmissão. Talvez os ventos em Rio Branco não sejam os ideais. Mas não é melhor ter algo que funcione, ainda que um pouco menos eficiente, do que esperar uma década por uma solução ruim, e enquanto isso jogar dinheiro fora com diesel?

Desde 2011, todo ano alguém do governo fala que a construção da linha começa logo. A última desculpa é que as negociações com os índios foram interrompidas pela pandemia, mas o governo promete que a obra estará pronta no fim de 2023. Os parques eólicos ficariam prontos antes, se começassem agora, e sem problemas indígenas. Quem sabe alguém de Brasília mostra esse modesto pitaco ao presidente ou a um de seus filhos?

Uma última informação: quem ganhou a licitação e vai construir a linha será a Alupar em sociedade com a Eletronorte. O dono da Alupar também era dono da Alusa, que prestava serviços para a Petrobrás e está enrolada na Lava-Jato, como praticamente todas as empresas que executam as obras bilionárias que o governo faz sem nos dar explicações.

16 pensou em “PENSANDO DIFERENTE

  1. Marcelo Bertoluci, você não fica chateado de raciocinar com lógica nesta bosta de país? Aceite o abraço solidário do Famigerado.

  2. Eu não construiria linha nenhuma. Manteria as usibas a diesel, complementadas pelas eólicas para assegurar fornecimento constante.

    A questão do linhão é técnica: linhas muito compridas, devem ser construidas em extra alta tensão em função das perdas, quedas de tensão ao longo do caminho e outras. Por segurança não se pode construir somente uma, se há problemas nela, o fornecimento fica interrompido.

    E manutenção em meio à floresta ´carissima.

    Mas com certeza alguém levou grana na história.

  3. Todas as “entidades” envolvidas nos projetos citados por você, no bom texto acima, têm em comum o fato de terem em suas diretorias, conselhos ou algo que o valha, políticos, na sua maioria com extensas capivaras político-administrativas, quando não policiais, indicados por partidos com os mesmos vícios. Acreditar que a partir disso possa surgir algo que preste, é ter uma perseverança no chimpanzil bananeiro digna de aplausos!
    Aprendi, depois de muito tempo, a não ter esperança nenhuma nessas obras “que visam melhorar a vida” do afegão médio, que, ao fim e ao cabo, é quem levar a trolha no rabo, disfarçada de uma contribuição para o social…
    Não tenho mais estômago ou forças para isso. Cansei!!

    • O comentário é brilhante. A única diferença entre nós é que aprendi, desde cedo, a não ter esperança nenhuma em certas obras “que visam melhorar a vida” do afegão médio. Nunca acreditei que homens púbicos pensem realmente no tal POVO que dizem tanto amar.
      Gente que em cada frase coloca o “povo” como prioridade sempre me causou suspeita, revolta élo embuste e vontade de vomitar. E o pior: gente que acredita piamente em líderes políticos, com certeza, pertencem a dois grupos: os que lucram com tal subserviência e os que acreditam em coisas como papai noel e saci-pererê, mula sem cabeça e outras coisas do folclore (estes ficaram perdidos na infância, com síndrome de Peter Pan).

      É por essas e outras que nunca deixo de ir às urnas e sempre o faço buscando no rol de candidatos o MENOS RUIM.

      Não há virgens em puteiros. As que lá chegam com o “selinho” são sorteadas entre a rica clientela ou “papadas” pelo dono da casa.

  4. Caríssimo Marcelo,

    Seu texto (com o brilhantismo de sempre, amparado em tempo consumido em pesquisa) insere a necessidade de reflexão – sempre disseram os çábius: Você nunca sabe o que o governo pode fazer por você, mas sempre deve ter medo do que ele pode fazer com você.

    Escreves: Enquanto a tal linha não sai, Boa Vista é abastecida com diesel a um custo que varia de 1,5 a 2,5 bilhões por ano.

    Ensinas: O tal linhão custou 3,5 bilhões de reais, e custa em manutenção 250 milhões por ano.

    Solucionas: Tudo, segundo seu texto poderia ser resolvido com:
    a região de Manaus produz mais de 400 milhões de metros cúbicos de gás natural por mês, o suficiente para gerar aproximadamente 2500 MW de eletricidade – bem mais do que Manaus consome atualmente.

    Ou seja: ´seu texto PRECISA URGENTEMENTE chegar ao ministro de Minas e Energia para que uma de duas coisas aconteçam:
    1 – Sirva de alerta para que o uso do gás seja estudado e se for viável, implantado ou
    2 – Tenhamos a certeza de que há “outros interesses” por trás da não utilização do gás se viável for.

    Algum fubânico com acesso ao atual governo? Será que nosso extremista de direira Goiano, sempre tão próximo do Jair não possui tal contato?

    • Tempo e principalmente paciência consumidas em pesquisa, Sancho, porque aquilo que devia ser informação pública (já que foi feito com dinheiro público) está escondido no meio de sites mal-organizados e feitos com muita má-vontade.

      Para cuidar de eletricidade, temos Ministério, Agência, Eletrobrás, ONS, EPE e mais as regionais (Eletronorte, Furnas, Chesf, etc). Informações, um pouquinho aqui, outro pouquinho ali. Por exemplo: não encontrei o consumo de Manaus em lugar nenhum, só do estado inteiro.

      Segundo o mapa do ONS, Manaus tem hoje 1600 MW de capacidade de geração a gás. Provavelmente hoje não seria necessário construir o tal linhão, mas ele já está lá, não tem mais jeito. Agora, se ainda se usa diesel em Manaus (parece que sim), aí é burrice mesmo.

      Quanto a Boa Vista e Roraima, eu acredito piamente que dois ou três parques eólicos resolveriam o problema melhor e mais barato do que a tal linha que vai importunar os Waimimi-Atroari e dar desculpa para ONG´s do mundo inteiro falarem mal do Brasil.

      Mas não tenho um pingo de esperança de que isso aconteça. A tal linha vai acabar acontecendo, e uma empresa que tem um negócio de mais de um bilhão na mão vai falar com os políticos certos se necessário.

  5. Caros amigos,

    Ao longo dos anos em que ocupei a Coordenação Geral de Planejamento da SUDENE, de 2012 a 2014, a primeira providência que o grupo formado para executar o planejamento energético do Nordeste tomou foi solicitar ao Ministério de Minas e Energia, juntamente com o Operador Nacional do Sistema e a ANEEL, quais seriam os planos destes para o Nordeste nos anos seguintes.
    NINGUÉM RESPONDEU NADA!
    Reiteramos insistentemente o nosso pedido e nada aconteceu.
    Apelamos para a bancada do Nordeste no Congresso Nacional, para que enviassem uma INTIMAÇÃO a estes órgãos. Esta intimação, sob pena de crime de responsabilidade caso se negassem, foi liderada pelo bravo senador pelo Ceará, Inácio Arruda.
    A resposta que o ministério deu foi a coisa mais ridícula que eu já vi em minha vida. Eram duas folhas de papel ofício, onde constava uma pequena relação de obras a serem realizadas. Coisas do seguinte tipo: Melhorias na subestação de Barreiras. Aumentar capacidade da subestação de Gilbués, e coisas assim.
    SIMPLESMENTE RIDÍCULO!
    A roubalheira estava desbragada e não saia notícia nenhuma sobre nada.
    Parece que a esculhambação continua a mesma até hoje.

    P.S. Este Grupo de Trabalho era formado por todos os secretários estaduais de energia do Nordeste, juntamente com representantes das empresas de geração e distribuição da região.

    • Adônis, parece que desde os tempos da Dilma, quem faz o planejamento do setor elétrico não é nem o Ministério, nem ONS, nem ANEEL nem Eletrobrás. É uma tal Empresa de Pesquisa Energética. Por que e para que ela existe, eu não sei (quer dizer, desconfio….)

      • Reitero que o texto “pensando diferente” e os comentários aqui publicados deveriam ser encaminhados para o ministro de Minas e Energia para que ALGUÉM esclareça da viabilidade ou não dos projetos.

        O tal Jair deveria urgentemente mandar um de seus assessores ficar atento ao que é publicado no jbf, pois daqui saem brilhantes ideias que podem em muito ajudar seu governo e o Brasil.

        Para de ser vacilão, Bolsonaro!!!!!

        Mande seus ministros acessarem o jbf. Bato insistentemente nas mesmas teclas: privatiza saporra toda!!!!!!! Político não tem competência de gestor, porra!!!!! Quem administra empresas é empresário.

  6. Nossos governos vem gastando bilhões de dólares ao longo dos anos no desenvolvimento do reator nuclear da marinha. Na semana passada noticiaram a montagem do protótipo. Isso mesmo, protótipo. São geradores pequenos, de grande capacidade, capazes de serem ligados em linha, 3 de cada, 2 de cada. Para um país que diz que persegue o crescimento econômico, esse vai precisar de toda energia elétrica que puder gerar. E rápido. E esse é um tremendo pulo do gato. Junto com as outras matrizes limpas, como a eólica, solar e as pequenas hidrelétricas, temos como multiplicar rapidamente nossa capacidade instalada.
    Então acho que passou da hora de investir esses bilhões em tecnologias que estão prontas, e também e principalmente nas que estão quase prontas como é o caso dos reatores da marinha, e fazer como o atual Ministro da Infraestrutura: Rapidez e soluções praticas nas obras e fiscalização permanente do TCU e PF. Ia esquecendo: Tudo tem que estar no seguro. Não sei se já fazem, mas contrato público, no meu entendimento, tem que ser cumprido, e nada melhor que ter seguradoras e seus auditores percorrendo as obras e protegendo sua apólice.

  7. Em 2015 estava com chikungunya e o chefe de gabinete do ministro Eduardo Braga ligando pra dizer que ia mandar um carro me buscar pra dar andamento a um projeto de geração de energia fotovoltaica em placas sobre a água. Em Balbina e Sobradinho. A daqui foi inaugurada por Bolsonaro. A de lá atrasou muito. O problema é que os caras fazem investimento sem analisar. Exclusivamente para se promover

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