XICO COM X, BIZERRA COM I

Seu pai pensava vê-lo doutor, da medicina ou da engenharia. Ou do Direito, talvez. Mas ele nunca quis isso, preferindo ser feliz ao seu modo. Ao invés de uma máquina calculadora nas mãos, um estetoscópio nos peitos ou um canudo de advogado na parede, optou por ser pastorador de luas.

Todo dia ficava chateado porque, na madrugada, chegava um sol besta e carregava dona lua não sei pra onde. Pras bandas do Japão, pensou. E aí ele virava ensacador de ventos felizes e interpretador de nuvens difíceis de serem interpretadas. Quando começava essa tarefa, a nuvem já era outra, sem dar-lhe tempo de interpretá-la e os ventos já tinham passado, ligeiros, sem oferecer-lhe permissão para ensacá-los. Entre a fuga do sol e seu novo aparecer, aproveitava o ócio para dedicar-se a ser ensaiador de canário cantador e afinador de cigarras.

Toda a vida assim viveu e aposentou-se sorridente por só ter tido por obrigação apenas ocupações nobres e edificantes. Poucos sabiam fazer tão bem o que ele fazia. Ninguém descascava fumaça como ele; desconhecia-se alguém que enxugasse orvalhos com tanto primor. E assim foi, dormindo vagalumes e acordando arco-íris, ouvindo pirilampos e assobiando borboletas. Felizou-se a vida toda como flanelinha das alegrias de seu povo. E sem nada dessa gente cobrar, sem arranhar nenhum sonho. Seu pai findou por dar-lhe razão ante a felicidade que reluzia naquele olhar. Perdeu um filho Doutor, ganhou um homem de alma plena de Paz.

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3 pensou em “OCUPAÇÕES NOBRES

  1. Aposentou-se como?, mestre Xico. Se nunca deu um dia de serviço a ninguém? Como pagava o INSS de autônomo?, eis a questão.

  2. Meu caro Doutor Zé Paulo: meu personagem ‘aposentou-se’ das obrigações burocráticas que a vida tentou lhe impor. Ele pouco sabia de INSS, pois se autônomo era, o era das agruras que o viver nos reserva. Dinheiro nenhum lhe interessava. Por favor, não me pergunte quem lhe pagava as despesas. Ele não as tinha, nunca as teve. Meu personagem se alimentava de sonhos e consumia alegrias. Grande abraço Capibaribeano. XICO

  3. A maior virtude da ficção é provocar questionamentos inteligentes como o do Dr Zé Paulo. Serve como estímulo para que eu continue a bobagear pelo meio do mundo, felizando-me e a quem goste de minhas besteiragens.

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