Editorial Gazeta do Povo
Dois crimes chocantes e praticamente idênticos tiveram desdobramentos importantes nos últimos dias. Em 5 de março, Cristian Cravinhos, um dos assassinos do casal Von Richthofen em 2002, ganhou permissão para cumprir em regime aberto o restante da pena de 38 anos de prisão, dos quais cumpriu cerca da metade até agora. O irmão de Cristian, Daniel, já estava em regime aberto desde 2018; e Suzane von Richthofen (então namorada de Daniel, filha das vítimas e apontada como mandante do crime) ganhou o mesmo benefício em 2023. Enquanto isso, em Brasília, o Superior Tribunal de Justiça começou a decidir se a arquiteta Adriana Villela deve começar a cumprir sua pena de 61 anos de prisão após ter sido condenada por um júri popular em 2019. Assim como Suzane, Adriana foi apontada como mandante da morte dos pais, o ex-ministro do TSE José Guilherme Villela e Maria Villela; a empregada do casal, Francisca Nascimento, estava no local e também foi morta. O relator votou pela prisão de Adriana, mas o julgamento foi suspenso com um pedido de vista.
Tornou-se lugar comum, especialmente entre a esquerda, afirmar que o Brasil “prende muito” – mais recentemente, passou-se a dizer que também “prende mal”. Quanto à primeira afirmação, é fácil demonstrar o quão equivocada ela está. Dados do Instituto Sou da Paz apontam que, em média, dois terços dos homicídios cometidos no Brasil não são solucionados (os números variam de estado para estado). Em outras palavras, há dezenas de milhares de homicidas impunes nas ruas. Se é assim no caso do mais grave dos crimes contra a vida, o que dizer de ladrões, assaltantes, estupradores e traficantes de drogas, pessoas que também deveriam estar atrás das grades? Se o Brasil não prende nem metade desses criminosos, chega a ser insanidade afirmar que o país “prende pouco”.
Tampouco servem como bom argumento estatísticas com números absolutos, como o fato de que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo – um dado que por si só já não seria tão anômalo assim, considerando que o país é um dos mais populosos do planeta e o líder mundial em homicídios. Mas é quando os números proporcionais entram na discussão que o bordão “prende muito” se revela ainda mais fraco. Considerando apenas os apenados efetivamente presos (663 mil, segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais), o Brasil é o 31.º país do mundo em número de presos per capita – a colocação no ranking cairia ainda mais se fossem considerados apenas os 359 mil presos em regime fechado. Mas a taxa de homicídios por 100 mil habitantes coloca o Brasil na 18.ª posição mundial, de acordo com os números mais recentes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
Já a segunda e mais recente metade do bordão, a de que o Brasil “prende mal”, é verdadeira, embora não no sentido que a esquerda mais lhe atribua, o de que hoje há nas cadeias pessoas que não deveriam estar lá. O Brasil de fato prende mal porque tem muito menos vagas que o necessário em seu sistema penitenciário; consequentemente, os presos são amontoados e não são separados por grau de periculosidade. Prende mal porque fez a opção de simplesmente deixar na rua criminosos condenados por não haver mais lugares nas prisões, em vez de construir mais cadeias. E, por fim, prende mal porque seu ordenamento jurídico praticamente garante que, graças aos mecanismos de progressão, ninguém haverá de cumprir até o fim a pena à qual foi condenado – sem falar de “saidinhas”, visitas íntimas e outras benesses concedidas enquanto o preso aguarda o momento de voltar às ruas sem ter pago toda a sua dívida com a sociedade. Cada brasileiro morto por alguém que ainda estaria na prisão, se a lei brasileira e partes de sua magistratura não fossem tão lenientes, é um atestado da falha sistêmica do Estado em sua missão de proteger a sociedade.
Combater a criminalidade não passa por políticas de desencarceramento em massa nem pelo mito rousseauniano do “bandido vítima da sociedade” em que se baseia o abolicionismo penal. Passa, sim, por reforço urgente das forças de segurança e estruturas de investigação, para elucidar os crimes cometidos e prevenir novos. Passa por uma legislação que garanta o direito de defesa, mas que elimine todo o labirinto processual que retarda julgamentos, mantendo criminosos em liberdade. Passa por investimento firme em ampliação do sistema prisional, com cadeias que proporcionem, sim, um mínimo de dignidade ao detento, garantindo que ele não seja cooptado por facções ou se gradue nas “academias do crime” que são as atuais cadeias brasileiras. E passa por um ordenamento jurídico que garanta o cumprimento integral da pena, sem o qual o Código Penal não passa de ficção – isso não significa eliminar totalmente os regimes de progressão de pena, mas melhorá-los de forma a não significar impunidade.
Qualquer estudante de Direito conhece as teorias sobre as finalidades do Direito Penal, que podemos resumir em retributivas, preventivas e educativas. Trata-se, em linhas gerais, de punir o criminoso de acordo com o seu crime, de forma proporcional; de retirá-lo de circulação para que não volte a delinquir (o que protege a sociedade) e para que, sofrendo a privação de liberdade, ele possa refletir sobre seu erro e decidir tornar-se um cidadão honesto; e, por fim, de reintegrá-lo devidamente à sociedade assim que sua dívida com a coletividade for paga. Não exageramos se dizemos que, no Brasil, nenhuma dessas finalidades é cumprida de forma satisfatória. O resultado é a impunidade e a sensação de medo que domina muitas regiões do país.