CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

DA HUMILDADE À ARROGÂNCIA

Antes de falar em arrogância, indago se o nobre leitor sabe da existência de algum político que depois de sufragado nas urnas tenha conservado a conduta solícita e humilde dos tempos em que peregrinava em busca de votos. Particularmente declaro desconhecer.

Quando à cata de votos, os candidatos, por vezes, chegam a chorar humildades. Porém, depois da outorga viram as costas para quem os sufragou, enchem-se de presunção, de superioridade moral e passam a arrogar para si, descerimoniosamente, prerrogativas, privilégios, imunidades e um sem termo de regalias principescas. Seus princípios éticos, legados de antepassados, nalguns vão-se destingindo progressivamente. Os “crédulos” eleitores que lhe endossaram o passaporte agora já não lhes dizem muito; são apenas manchas do passado.

Enquanto isso, na corte, deslembrado de promessas votivas e alheios à realidade da sua proveniência, os votados passam, então, a pautar-se por condutas solenes e arrogantes. E por falar em arrogantes, inútil seria dizer o quanto a política é pródiga em espécimes desse teor. Peguemos, exemplificativamente, o caso de Renan. Renan Calheiros, o onipotente senador alagoano, agora ocupando o engrandecido cargo de relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, vem imprimindo não poucas vexações à pessoa dos depoentes. Tão logo se vê frente às câmeras de televisão o senador aspereja a voz, solta a língua e trata de ficar numeroso e eloquente.

Para fazer-se mais temido e reafirmar seu estilo áspero, desanda a espinafrar os depoentes com admoestações, reprimendas, humilhações e ameaças de prisão. A cena faz lembrar os momentos em que os senhores de engenho faziam curvetear no ar as suas açoiteiras para obter confissão dos cativos. Trata-se de um estilo estranho à ortodoxia do judiciário brasileiro. Estilo, aliás, bastante démodé; ativa os traços de Tomás de Torquemada (1420-1498), inquisidor geral da Espanha. “As CPIs são criadas para coletar dados e fatos, não para humilhar as pessoas” (TV Bandeirantes). As CPIs são legítimas para aplicar a lei, não para vexar as pessoas.

Essa sobranceira função de relator da CPI, ao invés de comedir o senador, se presta, pelo que se vê das imagens televisivas, a torná-lo mais jactancioso, mais ufano, mais cheio de si, mais avultado na vaidade e na valentia. Valentia, aliás, que lhe abona bater o pé a qualquer dunga, fazer frente a qualquer expoente do cangaço. A excelsa função poderia ter a virtude de inspirar o senador ao propósito de mapear, com firmeza, pedagogia e serenidade, as incúrias que concorreram para o agravamento da epidemia no Brasil, mas, pelo que se vê, serve para enchê-lo de fatuidade. É como se lhe aplicassem um elixir com poderes para lhe conferir força descomunal a exemplo do espinafre em relação ao velho marinheiro Popeye.

A conduta de pôr-se aos berros, quando poderia pôr-se em recato e serenidade, não honra o decoro da magistratura do proeminente cargo de Relator da CPI. Afinal, quanto mais o homem sobe na escala da magistratura mais ungido de recato há que se tornar. Ademais, não é seguro fiar-se na capacidade de amedrontar para fazer surdir a verdade. O tema do medo não é exitoso quando se deseja persuadir alguém para fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

Com ares e voz de quem vive tomado de cólera, oxalá não venha o senador Renan se extremar e, concausa, despachar caroços de chumbo sobre os depoentes, modo símile ao praticado pelo senador Cid Gomes, do Ceará, quando recentemente, impelido por instinto abarbarado, extremou-se e encheu-se do propósito de assassinar no atacado arremetendo uma retroescavadeira sobre uma multidão de coestaduanos. Felizmente, o padroeiro de Sobral, CE, inexcedível em poder de intercessão, acudiu; assegurou a todos triunfante quinhão de auxílio.

Sem jamais se darem por achados, os políticos vivem se avantajando em condutas façanhudas fazendo parecer que isso lhes é prestimoso para se fazerem mais temidos. Aliás, o cangaço (cuja infâmia nem o tempo conseguiu sepultar), primava pelo expediente de espavorir as pessoas, acometer o terror.

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