JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Irene catando flores e conversando com a abelha

Com certeza, entre muitas pessoas, eu sou uma (pessoa!!!) que se embriaga e se delicia sentindo o aroma que evapora da terra seca quando começa chover. Trocando em miúdos: sai do sertão, mas o sertão não sai de mim. Não sairá, jamais.

As coisas, hábitos e manias do sertão me fazem um bem danado. Passear no sertão será sempre uma lavagem cerebral e uma bênção espiritual para mim.

Por diversas vezes tenho falado – e não consigo me desligar de quem me fez tanto bem, embora, materialmente, ela já esteja em outro plano – na minha Avó, nos textos que costumo escrever. Me ajuda a superar a ausência material dela.

Pois, não faz tanto tempo assim, escrevi um texto dizendo que minha Avó tinha o estranho hábito de “conversar com passarinhos” e que dera preferência à um beija-flor, com quem “conversava” e até chamava de “meu fiinho”! Estranho mesmo, era que ela passava a ideia de que o beija-flor “conversava” com ela e que se fazia entender.

Então, agora lhes trago a mania de Irene, nora de minha Tia Maria, que ganhava a vida e o sustento vendendo flores. Irene morava num pé-de-serra e resolveu se apropriar do espaço que era a serra, numa extensão de uns 200 metros.

Na fase da infância mudando para a adolescência e durante o casamento com meu primo Luciano, fez do pé-de-serra a sua roça de produção de flores. Girassóis, para ser mais preciso.

Nunca consegui entender o segredo de Irene para garantir que os girassóis estivessem sempre “abertos e bonitos” sem que estivéssemos na primavera, época mais apropriada para a floração de muitas espécies de árvores e da floricultura.

Irene, que era negra e estava sempre de bom humor, tal e qual a Irene do poema de Manuel Bandeira, só sabia fazer o bem à tudo e à todos. Com certeza, não precisou pedir licença para entrar no céu.

Pois, acredite. Diferente da minha Avó, que conversava com o beija-flor, Irene conversava e se entendia muito bem com as abelhas que colhiam pólen nos girassóis, ou era com apenas uma abelha.

Mas, conversavam sim!

Se entendiam, sim!

E, com certeza havia reciprocidade. Por segundos e minutos inteiros, a abelha – parecendo pedir licença para polinizar – pousava sobre uma das mãos de Irene, batia milhares de vezes seguidas com as asas. Fazia crer n um diálogo, sim.

Abelha “coletando” pólen no girassol

Diálogo estranho, por ser impossível?

Não!

De forma alguma. Estranho mesmo, era que, para ir coletar os girassóis e deles fazer os buquês, Irene se vestia como se fosse à um baile. E aquilo acabou-se tornando rotineiro.

O que se soube, anos depois, foi que Irene conheceu, namorou e casou com Luciano. Mas, continuou plantando, cultivando e vendendo girassóis – caminho mais próximo e prático para continuar conversando com a abelha. Ou, com as abelhas!

O campo de girassóis no pé-de-serra continuava crescendo. O que garantia, também, a continuidade de uma produção de mel. Mel de qualidade, tão doce quanto o provável diálogo entre Irene e a abelha.

Imagine Irene, negra, entrando no céu depois de ser conduzida por centenas de milhares de abelhas, e sem precisar pedir licença ao porteiro, ouvindo:

– Pode entrar Irene! Quem ajudou a adoçar a vida de tantos, não precisará, jamais, pedir licença para o repouso eterno!

Mel de pólen de girassol com sabor de Irene

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