MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Hong Kong é, ou foi, um país no sul da China. Fez parte do Império Britânico até 1997, quando, cumprindo um tratado assinado um século antes, foi incorporado à China. O que será que este minúsculo país pode nos ensinar?

Em 1841, durante a chamada Guerra do Ópio, a Grã-Bretanha ocupou uma pequena ilha de pescadores situada na foz do Rio das Pérolas e implantou um porto e entreposto comercial. Mais tarde, em 1898, um tratado entre Londres e Pequim incorporou ao novo país uma área da península de Kowloon e mais de duzentas minúsculas ilhas ao redor da ilha de Hong Kong. O tratado tinha uma validade de 99 anos.

Hong Kong nasceu e cresceu como uma colônia do império britânico, administrada segundo as leis inglesas. Como não tinha nenhum recurso natural, sendo pobre até em água potável, seu desenvolvimento era baseado exclusivamente na indústria e comércio. Em 1865 surgiu o primeiro banco, chamado HSBC, que é hoje um dos maiores do mundo.

A liberdade de comércio proporcionada pela filosofia britânica atraía muitos imigrantes, especialmente da China. A população de 125.000 em 1865 saltou para 725.000 em 1925 e 1.600.000 em 1941.

Em dezembro de 1941, no mesmo dia do ataque à Pearl Harbor, o Japão invadiu Hong Kong. Sem recursos para se defender, e sem poder contar com ajuda de outros países, o país permaneceu ocupado pelo exército japonês até 1945. Quando a guerra acabou, a população havia caído para 600.000 pessoas. O restante havia morrido de fome ou fugido a nado para a China continental.

Após a guerra, um homem de sobrenome complicado destacou-se como crucial para o futuro de Hong Kong: John James Cowperthwaite. Como funcionário do Departamento de Comércio, e mais tarde Secretário de Finanças, ele manteve o país no rumo da liberdade de mercado, resistindo às pressões inglesas para aumentar o tamanho do estado e cobrar mais impostos.

Em 1949 começou a revolução comunista na China, e Hong Kong passou a receber dezenas de milhares de imigrantes todos os meses. Em poucos anos a população passou de dois milhões. Em 1970 já eram quatro milhões. Mas mesmo com este explosivo aumento da população, a economia de Hong Kong não parou de crescer, produzindo riqueza e empregos para os seus cidadãos e para os imigrantes que não paravam de chegar.

E o que eu acho interessante é que Hong Kong fez tudo exatamente ao contrário do que hoje é considerado “consenso” como receita para um país se desenvolver:

“Os governos devem adotar políticas de estímulo à economia”

Após a II Guerra, Cowperthwaite repetidamente ignorou ordens do governo britânico para elaborar planos ou programas econômicos governamentais. Quando perguntado, respondia que a economia estava crescendo mesmo sem o governo mandar. Em 1963, o economista americano Milton Friedman perguntou a Cowperthwaite porque não havia estatísticas sobre a economia no país. A resposta foi “se eu deixar os burocratas coletarem dados, eles vão querer usar estes dados para planejar a economia”. Tempos depois, o governo de Londres mandou uma comissão à Hong Kong para investigar a falta de estatísticas econômicas. Cowperthwaite literalmente os mandou de volta no primeiro vôo disponível.

“Os governos devem manter a moeda desvalorizada para estimular as exportações e equilibrar a balança comercial”

A moeda de HK era atrelada à libra esterlina (a moeda mais forte do mundo na época). Em 1967 a Grã-Bretanha subitamente desvalorizou a libra em 14%, o que obrigou todos as colônias a fazer o mesmo. Cowperthwaite desafiou o governo britânico e em menos de uma semana permitiu que a moeda se valorizasse novamente. A moeda de Hong Kong tem mantido o mesmo valor frente ao dólar durante os últimos quarenta anos.

“Os governos devem investir em obras públicas para aquecer a economia”

A única área onde Hong Kong investiu durante a época de Cowperthwaite foi na construção de prédios residenciais para evitar a proliferação de favelas, devido à maciça imigração da época. No restante, sua política era “se uma obra é viável, a iniciativa privada irá fazê-la”. Essa foi a resposta, por exemplo, quando políticos pediram que o governo construísse um túnel atravessando a baía; o túnel foi construído por uma empresa privada, sem o gasto de um tostão do governo. Cowperthwaite disse uma vez: “quando o governo entra em um ramo de negócios, ele normalmente torna este ramo inviável para todos os demais.”

“Os governos devem fornecer serviços gratuitos à população”

Durante o mandato de Cowperthwaite, não havia escolas gratuitas; a política oficial dizia que educar os filhos era uma responsabilidade dos pais. Resultados? A quantidade de crianças que frequentavam a escola era estimada em 99,8% do total.

“Os governos devem restringir as importações para proteger a indústria local”

Nunca houve restrições à importação em Hong Kong. Qualquer pessoa pode comprar o que quiser no exterior, sem restrições de quantidade e sem impostos de importação. Ninguém seria obrigado a comprar um produto pior ou a pagar mais caro apenas porque seu fabricante é protegido pelo governo. Cowperthwaite disse “Uma indústria pequena, se for protegida, tende a permanecer fraca para sempre, e nunca se torna grande nem eficiente”.

“Os governos devem regulamentar os contratos de trabalho para proteger os empregados”

Na Hong Kong de Cowperthwaite, não havia nenhuma regulamentação trabalhista: nem salário mínimo, nem limite de horas, nem regras sobre horas extras ou contribuições sindicais. Não havia justiça do trabalho nem ministério do trabalho. O resultado? Na década de 60, o salário médio subiu 50% e a população pobre caiu de 50% para 15% do total.

Cowperthwaite se aposentou em 1971; Hong Kong permaneceu no caminho do liberalismo, embora tenha feito algumas concessões praticamente inevitáveis no mundo moderno, como escolas pagas pelo governo. Em 2010, este país minúsculo, sem riquezas naturais, pressionado pela imigração massiva de refugiados chineses, tinha uma renda per capita 40% maior que a da Inglaterra. A explicação de Cowperthwaite continua valendo: “Os pilares do desenvolvimento econômico de Hong Kong são impostos baixos, poucas leis trabalhistas, ausência de déficit do governo e livre mercado”.

Será que podemos aprender algo dessa história?

6 pensou em “HONG KONG

  1. Bastante esclarecedor, Mestre Marcelo!

    Em relação a nossa cultura, economia e política, o cominho traçado por Cowperthwaite em Hong Kong é coisa de ficção científica. Muitos confundirão com King Kong.

  2. Será que podemos aprender algo dessa história?

    ENSINA aos fubânicos o señor Cowperthwaite através do esclarecedor texto do amigo Bertoluci: “Os pilares do desenvolvimento econômico de Hong Kong são impostos baixos, poucas leis trabalhistas, ausência de déficit do governo e livre mercado”.

    como é difícil para nossa esquerda entender Cowperthwaite e Bertoluci.

  3. Caro Marcelo,

    Mais uma vez, simplesmente magnífico!

    Seus textos deveriam ser leitura obrigatória em todas as nossas escolas e universidades.

    Um dia serão.

  4. Adônis, quem sou eu para ser lido em universidade….

    Mas falando sério, cada dia me assusto mais com o que vejo, escuto e leio sobre nosso ensino.

    Dia desses li um “causo”, já não lembro onde, de um professor de universidade federal que estava explicando um conceito qualquer e falou “vou fazer um gráfico para vocês entenderem melhor a relação entre estas duas coisas”. Foi o tempo de riscar um eixo vertical e um horizontal no quadro-negro, um aluno levantou a mão e disse “Professô, não pode usar essas matemática cabulosa nesse curso, não”.

    No artigo do Instituto Mises tem um comentário de um engenheiro que estava trabalhando em um projeto na Alemanha e descobriu que uma estagiária sul-coreana sabia mais de cálculo diferencial e integral do que ele. Aí ele perguntou: “mas se você só tem dezoito anos, acabou de entrar na faculdade, aprendeu cálculo como?” A coreana respondeu “Na Coréia a gente estuda cálculo no segundo grau”.

    Dá pra dormir com um barulho desses?

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