MARCOS MAIRTON - CONTOS, CRÔNICAS E CORDEIS

Todo dia, quando vejo as notícias, há sempre um político, um jornalista ou um burocrata preocupado com coisas graves. “Isso é muito grave!”, dizem eles, fazendo cara de sérios, preocupados, às vezes indignados.

Acabo me desconcentrando e esquecendo o que eles acabaram de dizer. Porque lembro que se for grave demais, a gente nem escuta. Mas se for agudo demais também não dá pra ouvir.

Dizem que é assim que funcionam os apitos de cachorro — aqueles que emitem sons numa frequência que o ouvido humano não capta. Aliás, “apito de cachorro” é uma expressão que vem ganhando espaço na política, especialmente na parte que se desenvolve pela via das redes sociais. No sentido de discurso aparentemente inofensivo, mas que sinaliza, para certo grupo, determinada ação combinada.

Mas isso é assunto para outra crônica. Até porque a incapacidade humana para ouvir apitos de cachorro, no sentido literal, está exatamente no fato de eles emitirem sons muito agudos. Quem emite sons graves demais para os ouvidos humanos captarem são os elefantes, mas, se for falar disso, vou perder definitivamente o fio da meada.

E o fato é que acabo tendo certo incômodo com a preocupação causada pelos atos ou fatos graves, porque, na verdade, gosto dos graves. Não é à toa que, nos tempos em que tive banda de rock, escolhi tocar contrabaixo. A corda Mi pode emitir o som mais grave do baixo. E, nos de cinco cordas, há também a corda Si, mais grave ainda — profunda, densa, quase subterrânea.

O grave é o que dá corpo à música, é o chão onde o som pisa. Sem ele, as canções flutuam como discursos vazios.

Mas “grave” é palavra versátil. Em “o fato é grave” tem sentido muito diferente do que se vê em “um paciente em estado grave”.

No latim, “gravis” é o que pesa, o que tem densidade, o que puxa pra baixo. Daí vem também o sentido de “gravidade”. A mesma força que mantém os corpos na Terra parece, de algum modo, agir sobre a linguagem e sobre as pessoas. Há os que vivem sob a lei da gravidade dos fatos, e há os que acreditam poder flutuar acima dela. Uns respeitam o peso das consequências; outros acham que a realidade é opcional.

(Incrível coincidência – enquanto revisava este texto, mantive ligado um canal de notícias no YouTube. Ao chegar exatamente a este ponto da leitura, ouvi a voz de um jornalista no vídeo: – Olha a gravidade do que esse cara disse!)

Nessa relação entre grave e gravidade, quando alguém diz “a situação é grave”, quase sempre significa que tudo está caindo — às vezes o governo, às vezes a credibilidade, às vezes o bom senso (raramente os preços).

É a gravidade social em ação, puxando tudo para baixo (menos os preços).

Há ainda quem confunda ser “grave” com parecer sério, como se bastasse franzir a testa para equilibrar o mundo. E falta gente que saiba distinguir peso de importância. Porque há coisas pesadas que não valem nada, e há coisas leves que sustentam o espírito. Há quem carregue sua própria gravidade como um fardo — e há quem a use como centro de gravitação, atraindo em torno de si ideias, pessoas e causas.

Quanto a mim, reconheço que a humanidade passa por um período de grande gravidade, e que a qualquer momento poderemos enfrentar crises mais agudas.

Para tocar a vida sem agravar a situação, talvez seja o caso de equilibrar graves e agudos. Não para unificá-los em um tom médio, mas para buscar a harmonia em meio à diversidade de frequências.

Concluída essa divagação, inspirada na gravidade das coisas, talvez eu a publique apenas como texto. Ou talvez eu grave um vídeo sobre o assunto.

É… talvez eu grave.

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