MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Nos últimos doze meses, o congresso aprovou leis aumentando a pena para:

– falsificação de bebidas alcoólicas
– violência doméstica ou de gênero
– porte de arma de fogo
– adulteração de identificação de armas de fogo
– bullying e bullying digital
– entrega de álcool ou drogas a menores de idade
– exploração sexual de menores de idade
– sequestro ou cárcere privado de menores de idade
– crimes contra idosos ou pessoas com deficiência
– abandono ou maus-tratos a idosos
– atear fogo em vegetação
– danificar florestas
– roubo ou furto de cabos de energia
– crimes cometidos em escolas
– receptação de celulares, eletrônicos e medicamentos controlados
– crimes cometidos contra membros do sistema de justiça
– apologia ao crime
– apologia ao crime pela internet

Eu fico pensando: se nossos nobres deputados e senadores acham que aumentar a pena é a solução para um crime, não seria mais fácil aumentar de uma vez a pena para todos os crimes? Talvez até, se aumentassem bastante, os crimes acabariam.

Claro que isso é só uma brincadeira, porque é óbvio que político nenhum quer o fim dos crimes; pelo contrário, ele quer que os crimes continuem deixando os eleitores com medo, para que ele possa se apresentar como a solução. Da mesma forma, o fim das doenças seria algo horrível para os políticos, porque o povo deixaria de ter medo de ficar sem o SUS. Isso foi bem resumido em um filme de 1995, onde o personagem de Michael Douglas diz “Políticos só querem duas coisas: que vocês tenham medo, e que acreditem que eles são a solução”. (A bem da verdade, a fala exata é “políticos como ele”, se referindo ao adversário republicano, porque Michael Douglas interpretava um político democrata, e nos filmes de Hollywood políticos do partido democrata são santos imaculados, verdadeiros anjos que só pensam no bem do povo.)

Então, essa pantomima toda serve para manter a ilusão de que sem os políticos e suas leis, nossa sociedade se desmoronaria e mergulharíamos no caos. Fazer-se de importante é o pensamento central da política. Vale lembrar que:

– O governo está se vangloriando de ter encontrado e fechado não sei quantas fábricas de bebidas clandestinas, mas só fez isso depois que as pessoas começaram a morrer envenenadas.

– O governo proibiu a Voepass de operar, mas só depois que um acidente matou dezenas de pessoas. Antes disso o governo dizia que estava tudo certo com a Voepass. Aliás, o governo disse que estava tudo certo com a pista de Congonhas no dia do acidente do TAM 3054 e que não havia problemas com o controle de tráfego aéreo no dia do acidente do GOL 1907.

– O governo descobriu que a boate em Santa Maria onde um incêndio matou mais de duzentas pessoas tinha várias irregularidades, mas só depois do incêndio. Antes, a boate tinha todos os alvarás e licenças e tinha sido fiscalizada por todos os “órgãos competentes”.

– As instalações da Samarco em Mariana e da Vale em Brumadinho eram também regularmente fiscalizadas pelos “órgãos competentes”, que nunca encontraram nada de errado. Idem para a ciclovia do Rio de Janeiro, o viaduto de Belo Horizonte, as barreiras de contenção de enchentes em Porto Alegre, e tantos outros casos.

Para um cético como eu, nada disso surpreende. Pessoas são movidas por interesses, e essas coisas acontecem porque nossa sociedade caminhou, passo a passo, nessa direção, com a participação (ou omissão) de todos. Repetindo o que eu já disse várias vezes aqui no JBF, a cada dia fica mais difícil mudar essa realidade, porque o poder controla dois aliados de peso que executam a tarefa de introduzir as idéias de submissão na cabeça das pessoas: o sistema educacional e a mídia.

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