PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

Poeta cantador cearense Geraldo Amâncio

* * *

Geraldo Amâncio glosando o mote:

O nordeste se enche de alegria
Na chegada da chuva no sertão.

Numa tarde de inverno o céu se agita
Uma nuvem pesada esconde o sol
Aparece relâmpago, caracol
A cascata do rio enche e vomita
Desce raio de fogo o trovão grita
Na cabeça de um grande torreão
Passa o vento entoando uma canção
Que o porão do açude se arrepia
O nordeste se enche de alegria
Na chegada da chuva no sertão.

Na esperança o campônio se agarra
Do fantasma da seca sente medo
Quando chega o natal, acorda cedo
Para ver se aurora trás a barra
Inimiga da seca é a cigarra
Que só canta no tempo do verão
O profeta do inverno é o carão
Quando está pra chover ele anuncia
O nordeste se enche de alegria
Na chegada da chuva no sertão.

Quando chove na entrada de janeiro
O riacho transborda e soltam roncos
Lambe os galhos do mato, arrastra troncos
De raízes que encontra em todo aceiro
Passam sapos montado no balseiro
Parecendo um chofer de caminhão
Não dirige, mas dá a impressão
Onde tem um perigo ele desvia
O nordeste se enche de alegria
Na chegada da chuva no sertão.

No inverno os vaqueiros tangem bois
O roceiro na luta mete a cara
Queima a broca o que sobra faz coivara
Deixa arranca de touco pra depois
Corta a terra na baixa de arroz
Faz remonte de cerca aduba o chão
Abre cova semeia e enterra o grão
Tudo quanto plantar a terra cria
O nordeste se enche de alegria
Na chegada da chuva no sertão.

* * *

Otacilio Pires glosando o mote:

A saudade maltrata mas não mata ,
Só pra ter o prazer de torturar.

A saudade é esta falta sentida,
Quando a distancia se faz presente.
E o tempo passou, foi inclemente,
E esta ausência maior é tão doída.
Saudade é esta dor mais incontida,
Que em nada se pode superar ,
A esperança se faz em esperar
E esta espera parece tão ingrata…
A saudade maltrata, mas não mata,
Só pra ter o prazer de torturar.

* * *

Louro do Pajeú glosando o mote:

Quem casa faz uma cruz
pra morrer cravado nela.

Jesus não morreu tão moço
mas nunca quis companheira,
quis uma cruz de madeira,
porém, não de carne e osso.
Não lhe seduziu o esboço
do perfil da mulher bela,
não deu tais honras a ela,
sabido só foi Jesus.
Quem casa faz uma cruz
pra morrer cravado nela.

* * *

Otacílio Pires glosando o mote:

Tudo o que há de beleza
Deus colocou no Sertão .

Uma flor de açucena,
Uma noite enluarada,
Orvalho da madrugada,
Um som duma cantilena.
A beleza da pele morena
Queimada de insolação.
Leito de rio em rachão
Sertão de muita dureza
Mas no fim a certeza:
Tudo o que há de beleza
Deus colocou no Sertão.

* * *

UMA VIAGEM AO CÉU – Leandro Gomes de Barros

Uma vez eu era pobre
Vivia sempre atrasado
Botei um negócio bom
Porém vendi-o fiado
Um dia até emprestei
O livro do apurado.

Dei a balança de esmola
E fiz lenha do balcão
Desmanchei as prateleiras
Fiz delas um marquezão
Porém roubaram-me a cama
Fiquei dormindo no chão.

Estava pensando na vida
Como havia de passar
Não tinha mais um vintém
Nem jeito de trabalhar
O marinheiro da venda
Não queria mais fiar.

Pus a mão sobre a cabeça
Fiquei pensando na vida
Quando do lado do céu
Chegou uma alma perdida
Perguntou : – Era o senhor
Que aí vendia bebida?

Eu disse que era eu mesmo
E a venda estava quebrada
Mas se queria um pouquinho
Ainda tinha guardada
Obra de uns dois garrafões
De aguardente imaculada.

Me disse a alma: – Eu aceito
E lhe agradeço eternamente
Moro no céu, porém lá
Inda não entra aguardente
São Pedro inda plantou cana
Porém perdeu a semente.

Bebeu obra de três contas
Ficou muito satisfeita
Disse: -Aguardente de cana
Imaculada direita
Isso é o que chamo bebida
Essa aqui ninguém enjeita.

Perguntei-lhe: – Alma, quem és?
Disse ela: – Tua amiga
Vim te dizer que te mude
Aqui não dá nem intriga
Quer ir para o céu comigo?
Lá é que se bota barriga.

E lá subi com a alma
Num automóvel de vento
Então a alma me mostrava
Todo aquele movimento
As maravilhas mais lindas
Que existem no firmamento.

Passamos no purgatório
Tinha um pedreiro caiando
Mas adiante no inferno
Tinha um diabo cantando
E a alma de um ateu
Presa num tronco apanhando.

Afinal cheguei no céu
A alma bateu na porta
Com pouco chegou São Pedro
Que andava pela horta
Perguntou-lhe: – Esta pessoa
Ainda é viva ou é morta?

A alma então respondeu
– É viva, estava no mundo
Não tinha de que viver
Está feito um vagabundo
Lá quem não for bem sabido
Passa fome e vive imundo.

São Pedro aí perguntou:
– O mundo lá como vai?
Eu aí disse: – Meu Santo
Lá, filho rouba do pai
Está se vendo que o mundo
Por cima do povo cai.

Eu inda levava um resto
Da gostosa imaculada
Dei a ele e ele disse:
– Aguardente raceada!
E aí me disse: – Entre
Aqui não lhe falta nada.

Arrastou uma cadeira
E mandou eu me sentar
Chamou um criado dele
Disse: – Cuide em se arrumar
Vá lá dentro e diga à ama
Que bote um grande jantar.

Quando acabei de jantar
O Santo me convidou
Disse: – Vamos lá na horta
Fui lá, ele me mostrou
Coisas que me admiravam
E tudo me embelezou.

Vi na horta de São Pedro
Arvoredos bem criados
Tinham pés de plantações
Que estavam carregados
Pés de libras esterlinas
Que já estavam deitados.

Vi cerca de queijo e prata
E lagoa de coalhada
Atoleiro de manteiga
Mata de carne guisada
Riacho de vinho do porto
Só não tinha imaculada.

Prata de quinhentos réis
Eles lá chamam caipora
Botavam trabalhadores
Para jogar tudo fora
Esses níqueis de cruzados
Lá nascem de hora em hora.

Então São Pedro me disse:
– Quero fazer-lhe presente
Quando você for embora
Vou lhe dar uma semente
Você mesmo vai escolher
Aquela mais excelente.

Deu-me dez pés de pinheiro
Alguns querendo botar
Quilos de queijo do reino
Já querendo safrejar
Uns caroços de brilhante
Pra eu na terra plantar.

Galhos de libras esterlinas
Deu-me sento e vinte pés
Deu-me um saco de semente
De cédulas de cem mil réis
Deu-me maniva de prata
E diamante umas dez.

Aí chamou Santa Bárbara
Esta veio com atenção
São Pedro aí disse a ela:
– Eu quero uma arrumação
Este moço quer voltar
Arranje-lhe uma condição.

– Bote cangalha num raio
E a sela num trovão
Veja se arranja um corisco
Pra ele levar na mão
Porque daqui para a terra
Existe muito ladrão.

Eu desci do céu alegre
Comigo não foi ninguém
Passei pelo purgatório
Ouvi um barulho além
Era a velha minha sogra
Que dizia: – Eu vou também.

Eu lhe disse: – Minha sogra
Eu não posso a conduzir
Ela me disse: – Eu lhe mostro
Porque razão hei de ir
Se não for, apago o raio
Quero ver você seguir.

Nisso o raio se apagou
Desmantelou-se o trovão
O corisco que trazia
Escapuliu-me da mão
E tudo quanto eu trazia
Caiu dessa vez no chão.

Aí a velha voltou
Rogando praga e uivando
Quando entrou no purgatório
Foi se mordendo e babando
Dizendo tudo de mim
Lançando fogo e falando.

Bem dizia meu avô:
“Sogra, nem depois de morta
Fede a carniça do corpo
A língua da alma corta
Não diz assim quem não viu
Uma sogra em sua porta”.

Eu vinha com isso tudo
Que o Santo tinha me dado
Mas minha sogra apanhou
O diabo descuidado
Fiquei pior do que estava
Perdi o que tinha achado.

E quando eu cheguei em casa
A mulher quase me come
Inda pegou um cacete
E me chamou tanto nome
Disse que eu casei com ela
Para mata-la de fome.

Se não fosse minha sogra
Eu hoje estava arrumado
Mas ela no purgatório
Achou tudo descuidado
Abriu a porta e danou-se
Veio deixar-me encaiporado.

Nunca mais voltei ao céu
Para falar com São Pedro
E ainda mesmo que possa
Não vou porque tenho medo
Posso encontrar minha sogra
E vai de novo outro enredo.

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