MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Dizem que na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o técnico Vicente Feola, antes do jogo com a União Soviética, explicou aos jogadores: “Nilton Santos lança a bola da esquerda do meio de campo para Garrincha na direita, que dribla os zagueiros e cruza para Mazola fazer o gol de cabeça.” Aí Garrincha perguntou: “Seu Feola, o senhor já combinou com os russos?”.

Essa historinha foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando li sobre o novo “Plano da Vitória” que o presidente ucraniano Zelensky apresentou uns dias atrás em discurso no congresso da Ucrânia. O plano dele basicamente é:

– Entrada imediata da Ucrânia na OTAN

– Instalação de armas de longo alcance da OTAN na Ucrânia, com permissão para uso destas contra o interior da Rússia.

– Expulsão imediata das forças russas da parte ocupada da Ucrânia.

– Instalação de bases da OTAN na Ucrânia para proteção de recursos naturais e uso conjunto de seu potencial econômico.

– Presença de soldados da Ucrânia nas demais bases da OTAN na Europa.

– E mais três adendos “secretos” que serão do conhecimento apenas dos aliados da Ucrânia e não serão divulgados pela imprensa.

Tenho a “ligeira impressão” de que ao pensar nesse plano, Zelensky não combinou com os russos. Quando ele fala em usar mísseis da OTAN para “atingir alvos no interior da Rússia”, ele está pensando em quê, exatamente? Bombardear Moscou?

Eu já escrevi sobre a guerra da Ucrânia antes, e minha opinião permanece a mesma: é uma guerra inútil e estúpida como todas as guerras dos últimos séculos. Seu único objetivo é gerar lucros para as indústrias bélicas e votos para os políticos populistas. A eleição de Trump nos EUA traz alguma esperança de um fim próximo. Os líderes europeus, por outro lado, desejam ardentemente que a guerra continue, tanto pelo dinheiro que ela movimenta como pela distração que ela oferece para os problemas locais.

A Alemanha, por exemplo, acaba de ver a demissão do ministro da economia, Christian Lindner e o fim da coalizão que forma o governo, o que obrigará o país a eleições antecipadas. O motivo da demissão? Desentendimentos quanto ao enorme déficit fiscal do país. A opinião do chanceler que demitiu Lindner é que o ministro seria “mesquinho” por querer um orçamento equilibrado, e que ele não compreende os “desafios geopolíticos” envolvendo a guerra na Ucrânia. Mesmo com um déficit previsto de 2,8% do PIB, o chanceler é a favor de aumentar gastos, inclusive os militares. A atual presidente da Comissão Européia, Ursula von der Leyden, por coincidência ex-ministra da defesa da Alemanha, tem feito discursos a favor da guerra, sob a alegação de que Putin é alguém muito malvado e que é uma ameaça para toda a Europa – uma espécie de bruxo malvado das histórias em quadrinhos.

Os discursos dos líderes europeus tornam-se irônicos quando se constata que as fronteiras que eles supostamente defendem nunca foram as fronteiras históricas da Ucrânia. Pelo contrário, elas foram definidas por Lênin em 1922, Stalin em 1945 e Kruschev em 1954, enquanto a Ucrânia fazia parte da URSS e fronteiras internas eram meras formalidades burocráticas. E, naturalmente, para esses líderes europeus a opinião da população local, que sempre foi favorável à Rússia, não importa. Se os “desafios geopolíticos” dizem que eles devem obedecer ao governo de Kiev, é assim que deve ser.

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