Editorial Gazeta do Povo
O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, em foto de dezembro de 2023: EUA esperarão até abril para decidir se restabelecerão sanções ao setor de petróleo da Venezuela
Ninguém que tenha os dois pés na realidade espera que as eleições presidenciais venezuelanas de 2024 sejam livres e justas. O ditador Nicolás Maduro já conseguiu que a principal candidata da oposição, María Corina Machado, permaneça impedida de concorrer, e agora o chavismo corre para realizar as eleições o mais cedo possível para resolver logo a questão. No entanto, mesmo que o ditador já tenha dado inúmeras demonstrações de que o acordo assinado em Barbados, em outubro do ano passado, era apenas uma de suas chicanas para ganhar tempo, os norte-americanos ainda hesitam em fazer o certo e não deixar que Maduro continue se beneficiando de contrapartidas oferecidas por algo que o caudilho bolivariano não entregou.
Nesta quarta-feira, o assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, afirmou que o governo norte-americano esperará até abril para decidir o que fazer. “Essa decisão dependerá do que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, fizer até lá para cumprir seu compromisso de realizar eleições livres e justas este ano”, disse Sullivan, acrescentando que “as licenças que concedemos para o alívio das sanções expiram em abril. Nesse momento, veremos em que pé estamos com relação ao regime de Maduro e se ele está cumprindo seus compromissos, e então tomaremos nossas decisões sobre como proceder a partir daí”. Sullivan, na verdade, estava apenas repetindo o que o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, havia dito no fim de janeiro ao afirmar que “o alívio para os setores de petróleo e gás da Venezuela será renovado em abril somente se os representantes de Maduro cumprirem seus compromissos”.
Este apego aos prazos não tem lógica alguma. Primeiro, porque Maduro já não merece nenhum voto de confiança: ele não fez nenhum movimento no sentido de permitir eleições livres e limpas, e em vez disso trabalha ativamente para sufocar a oposição, por meio de decisões de um Judiciário totalmente aparelhado. Segundo, porque os Estados Unidos até responderam à confirmação da inabilitação de María Corina, mas restabeleceram apenas as sanções sobre o setor de ouro. Ora, se a medida norte-americana é um reconhecimento de que Maduro não cumpriu sua parte do acordo, que sentido faria esperar até abril para retomar todas as sanções, deixando intacto até lá o setor de petróleo, muito mais importante para a economia venezuelana?
A confirmação do veto ao nome de María Corina como candidata legítima da oposição despertou reação em outros países – o Brasil de Lula, vergonhosamente, preferiu criticar a retomada parcial das sanções norte-americanas –, blocos e organizações internacionais. O Parlamento Europeu, por exemplo, prometeu não reconhecer o resultado da eleição caso María Corina não possa concorrer. No entanto, é preciso lembrar que a União Europeia (da qual o Parlamento Europeu é o braço legislativo) já abandonou os líderes democráticos venezuelanos uma vez: a UE chegou a reconhecer Juan Guaidó como presidente legítimo da Venezuela em 2019, mas retirou esse reconhecimento em 2021, após os deputados eleitos para a Assembleia Nacional em 2015 prorrogarem os próprios mandatos em resposta a uma eleição legislativa fraudulenta que teve “vitória” chavista.
Eis o drama da população venezuelana: desarmada e enfraquecida, ela depende da pressão internacional para que Maduro comece a agir em sentido contrário ao seu impulso de consolidar o próprio poder. As democracias do Ocidente, no entanto, agem com hesitação, enquanto as autocracias mundo afora não pensam duas vezes antes de ajudarem-se umas às outras, inclusive trabalhando para contornar sanções econômicas. Maduro já quebrou o acordo de Barbados, e cada dia em que a Casa Branca permita ao setor petrolífero venezuelano seguir fazendo negócios com os Estados Unidos é um dia em que a ditadura se fortalece. Nesse ritmo, os chavistas poderão descrever suas eleições da mesma forma como os russos se referiram ao próprio pleito presidencial, marcado para março: uma “burocracia cara” com vencedor pré-definido.