CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Carolina Maria de Jesus no dia do lançamento de Quarto de Despejo

Tom Farias, pseudônimo de Uélinton Farias Alves, Rio de Janeiro (1960), biógrafo negro de mão-cheia, relança a história de vida da poetisa, contista, memorialista, compositora, atriz, mulher, independente, Carolina Maria de Jesus, favelada, catadora de lixo por mais de doze anos na favela Canindé (SP), que se tornou uma das maiores escritora negra do Brasil.

Nascida no município de Sacramento (MG), em 14 de março de 1914 e encantada no dia 13 de fevereiro de 1977, em São Paulo, onde viveu boa parte de sua vida na favela Canindé, Zona Norte de Sampa, sustentando, sozinha, três filhos de pais diferentes, apenas catando papéis.

Foi nesse período, 1960, que teve seu diário, “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada,” publicado pela Editora Francisco Alves, com o auxílio do jornalista alagoano Audálio Ferreira Dantas, que visitou a favela para fazer umas reportagens para a revista O Cruzeiro, tornando-a mundialmente conhecida. Nesse livro ela retrata o realismo cruel e degradante da favela de Canindé, onde parecia que o mundo da miséria tinha sua sucursal ali.

Depois do estrondoso sucesso do lançamento do quarto de despejo, Carolina Maria de Jesus, mais uma vez incentivada pelo jornalista Audálio Dantas, publica “Casa de Alvenaria 1”, onde registra os primeiros meses que morou em Osasco (SP) e “Casa de Alvenaria 2”: registra os meses que ela viveu em Santana (SP), onde ela descreve sobre as contradições cruéis de seu tempo, que não é diferente hoje. A fome, a miséria e o abandono ceifando vidas, e restos de comida jogados no lixo pelos donos dos armazéns todos os dias, não sendo distribuído com os pobres catadores de lixo; “Pedaços de Fome” e “Provérbios” (1963), são relatos dessas histórias desumanas do cotidiano da favela que estavam guardados em mais de quinze cadernos que Carolina mantinha num baú especial do seu barraco de madeira.

Carolina Maria de Jesus, é uma grande escritora negra brasileira sobrevivente da miséria, da fome, disse Tom Farias, seu biógrafo. Foi chamada de Machado de Assis de saia, Jorge amado do povo, e Shakespeare de cor. Tem muito peso nisso. Então os romances, os contos, os provérbios, as poesias de Carolina precisam estar no panteão da literatura com letra maiúscula, junto a todos os escritores de peso que o Brasil pariu, pela sua importância literária.

No dia 28 de julho de 2019, o colunista do JBF, José Domingos Brito, memorialista pródigo, prestou uma homenagem singular a Carolina Maria de Jesus na sua coluna domingueira: AS BRASILEIRAS aqui no JBF, detalhando sua descoberta pelo jornalista da revista O Cruzeiro, Audálio Dantas e a sua ascensão após a publicação do seu best seller aqui e no exterior: “Quarto de Despejo: O Diário de uma Favelada.”

Dentre seus livros lançados constam ainda: “Casa de Alvenaria Um” (diário 1961), “Casa de Alvenaria Dois” (diário 1961), “Provérbios” (memórias 1963), “Pedaços da Fome” (memória – 1963), “Diário de Bitita” (memória – 1986), “Antologia pessoal” (poemas – 1996), “Meu estranho diário” (1996), dentre outros tão mais importantes quanto quarto de despejo.

Carolina Maria de Jesus, escritora negra favelada de talento raro, encantou-se no dia 13 de fevereiro de 1977, aos 62, de insuficiência respiratória, em seu quarto, no bairro de Parelheiros, onde ela viveu os últimos 20 anos de sua vida, na Zona Sul de São Paulo, na chácara que ela havia comprado com o dinheiro recebido dos direitos autorais da venda do livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, sucesso de venda aqui e no exterior.

14 pensou em “CAROLINA MARIA DE JESUS – UMA NEGRA ESCRITORA NA FAVELA

  1. Ah, Ciço, hoje vou discordar de ti. Mas não haveria a mínima graça se eu tivesse que concordar sempre…

    Foi chamada, com tintas de muito exagero (e bota exagero nisso), de Machado de Assis de saia, Jorge Amado do povo, e Shakespeare de cor. Confesso que em literatura sou um leitor que gosta de não gostar, buscando defeito em cada obra só para me certificar que realmente estou diante de um mestre da literatura.

    Li a autora e não gostei; reli e desgostei mais ainda. Talvez, para ficar apenas no universo feminino, eu tenha como referência uma Cecília, uma Clarice, uma Raquel e, portanto, não seria a Carolina a encher meus olhos.

    Sou traça de livros e rato de biblioteca e não está a autora entre aquelas em cujo livro tenha conseguido passar para a página 3.

    Como digo sempre, gosto e cabelo, tem gente que não tem. Portanto, certamente ao me cairem os cabelos perdi também o bom gosto, PODENDO ser isto o responsável de não ter conseguido avançar na leitura da obra da citada autora.

    Olhando a foto me recordou a mãe do maior amigo que tive nesta vida de meu Deus, a dona Etelvina, mãe do Miltinho, do Vitorino e da Ilkinha, uma família maravilhosa de minha Desengano querida. Eu, muito branco e eles bem pretinhos; eu pobretão e eles com um bom dinheiro (tinham sítio num lugarejo onde ninguém tinha nada).

    Nunca fui discriminado por eles; nunca vi qualquer rejeição por eu ser pobre. Como era maravilhoso viver em uma época sem as idiotices atuais do politicamente correto, onde ninguém olhava para a cor, pois apenas o carater importava.

    Ah, e antes que o branquíssimo Sancho seja apedrejado por alguém que veja no comentário algum cunho racista, deixo por bem claro que mora em meu coração e em minha lista dos maiores, o negro Joaquim Maria Machado de Assis.

    • Mestre Sancho, querido sim!

      Conosco não existe querela literária. O que existe são abraçaços!

      Somos dos amigos que papeiam nos sítios dos pés de coco com dois Johnnie Walker na mão para serem degustados com pirão de camarão e galinha cabidela da Vovó Dinda, balançando a cabeça aos desabafos do mestre Adônis Oliveira, quando diz que os ministros do STF querem nos fuder!

      Concordo com o Mestre por não concordar comigo, até porque até o presente momento só li dois livros da Caro, mas tive a impressão de estar diante de um Pinto do Monteiro de saia na arte de improvisar, mesmo semi-analfabeto.

      O estilo de Carolina me fascina. Vai na ferida e provoca dor!

      Abraçaço e bom dia.

      • O estilo de Carolina o fascina. Vai na ferida e provoca dor!

        Sancho é do riso e do sonho; não gosta de dores e feridas…

        Sou mais Barros (É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez. Tudo que não invento é falso.) e Quintana (A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, / Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo. / Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali… / Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!).

        Abraçação, manu véi, que estamos juntos e misturados, apesar da divergências (pouquíssimas, por sinal).

        • Dá aqui um abraço e um xêro na careca sanchiana.

          O mestre é mais Barros e eu sou mais Barros.

          Um colibri pousando na minha janela de manhã, não tira meu ceticismo dos homens, mas me faz sonhar com o palhaço do circo Deus Tomara que não Chova, que nos fazia dar excelentes gargalhadas.

          Abraçaços amado mestre!

    • Conosco é assim:

      Não apareceu no The New York Times, a gente publica no Jornal da Besta Fubana, que tem mais alcance bolsonaristas.

  2. Li e reli várias vezes o artigo acima do meu querido amigo Ciço.

    Mas mesmo por ser meu estimado amigo, não posso concordar com tantos elogios, pois bastaria a sua opinião favoravel para colocar a pseudo escritora no altar da
    fama, pois quem o Ciço elogia já está colocada no altar Ciceriano e altamente
    louvavel.

    Mas concordo com o Sancho. Porque tantos exageros ? Coloca-la no mesmo
    pedestal do também negro De Assis ? assim não dá. E porque absurdamente rotula-la de Shekespeare negro ? Isso é coisa de analfabeto que nunca leu
    um livro na vida . veja o Lula lendo o livro de ponta cabeça, está na internet, podes
    crêr.
    Tem gente, que alguma vez pegou um livro e já se acha no direito de fazer comparações absurdas e destemperadas. Pura ignorância. Vão soltando elogios,
    citações absurdas e do enredo praticamente não dizem nada, pois na verdade
    não entenderam nada de nadica e soltam elogios destemperados, como quem
    comeu muito repolho e solta grandes tracks sonoros e mal cheirosos.

    Também não a considero ” uma grande ecritora “, na verdade nem mesmo uma pequena escritora, pois o que ela nos apresenta é apenas uma denuncia e um desabafo de uma alma sofrida, cujos acontecimentos , algumas vezes trágicos ,
    são relatados com sofrivel desabafo, mas nada intelectual ou mesmo como
    denuncia arrazadora.
    Vamos botar os pingos nos i i is ! Seu depoimento é válido , verdadeiro
    e causou grande e merecido estudo social. Nada mais, nada menos.

    • Obrigado, mestre D.Matt., pelas palavras carinhosas e pelo não reconhecimento da qualidade da escrita da catadora de lixo da favela do Canindé.

      Realmente como disse o crítico literário tampa de crush da época, Domício Proença Filho: “O que Carolina Maria de Jesus escreve não pode ser considerado literatura.” (Mas o que era literatura para ele?)

      Só por que a negra era favelada, catadora de lixo, e escrevia a realidade do seu povo à caneta, registrando todo o cotidiano daquelas pessoas simples que não tinham nem onde cair mortos, não era literatura?

      Abraçaços estimado amigo.

      O Ótimo no Jornal da Besta Fubana é justamente isso: a diversidade de opiniões sobre determinados fatos, sem agressão ao escrevinhador.

  3. Parabéns pelo excelente texto, querido cronista Cícero Tavares!

    Emocionante a trajetória de vida de Carolina de Jesus, escritora, cantora, e poetisa (14.03.1914 – Sacramento- MG – 13.02.1977 – São Paulo – SP), que nasceu e se criou na miséria e tornou-se uma das mais importantes escritoras negras do Brasil..

    Aos sete anos, sua mãe a obrigou a frequentar a escola, depois que a esposa de um rico fazendeiro decidiu pagar seus estudos. Mas ela interrompeu o curso no segundo ano, tendo já conseguido aprender a ler e escrever. Daí, desenvolveu o gosto pela leitura..

    Em 1947, aos 33 anos, desempregada e grávida, Carolina instalou-se na extinta favela do Canindé, na zona norte de São Paulo — num momento em que surgiam na cidade as primeiras favelas..

    Em 1958, com auxílio do jornalista Audálio Dantas, teve o seu diário publicado sob o nome “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, obtendo um grande sucesso..

    A sua vida e obra continuam sendo objetos de diversos estudos, tanto no Brasil quanto no exterior.

    Publicado em 1960, a tiragem inicial de Quarto de Despejo foi de dez mil exemplares e esgotou-se em uma semana. Desde sua publicação, a obra vendeu mais de um milhão de exemplares e foi traduzida para catorze línguas, tornando-se um dos livros brasileiros mais conhecidos no exterior.

    Após o lançamento, seguiram-se três edições, com um total de cem mil exemplares vendidos, tradução para treze idiomas e publicados em mais de quarenta países.

    Grande abraço!

  4. Bela história de uma vencedora, mestre Ciço.

    Lembro bem da homenagem feita pelo colunista José Domingos Brito.

    Você veio arrematar e enriquecer a história de uma vitoriosa.
    Quem poderia imaginar que aquela negra, catadora de lixo, carregava em si determinação, persistência, foco, inspiração e paixão pela escrita.

    Venceu o desprezo, o racismo, e a pobreza. Se impôs pela via literária graças a um empurrãozinho de uma alma bondosa do jornalista alagoano.

    Parabéns!!!.

    .

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